Volume 1
Capítulo 76: A Lista
— Como foi à prova do professor Fernando? — Anna perguntou após largar na mesa da biblioteca o livro que terminou.
— Difícil, ao menos para mim. E para piorar ele já agendou a segunda para semana que vem. — Ronan debruçou-se sobre a pilha de livros em sua frente. — Ao menos o treinamento com o ex-professor Ronaldo já terminou.
Anna olhou para um lado, depois para o outro, vislumbrou os funcionários da biblioteca trabalhando atrás do balcão no andar debaixo. Ninguém estava próximo o bastante para ouvir a conversa entre os dois.
— Escuta. — Ela esticou o pescoço para frente. — Ele te disse alguma coisa?
— Alguma coisa? Tipo o quê?
— Por que ele era tão idiota, por exemplo, ou por que ele só gostava de você. — Anna se apoiou no cotovelo e aproximou-se ainda mais, quase subindo na mesa. — Será que ele… gosta de garotos? Ele disse alguma coisa imprópria para você? Te convidou para conhecer a casa dele em segredo?
— Porra Anna! — Ronan exclamou empurrando os livros que debruçava. — Achei que era algo sério.
Ela levou à mão a boca e abafou um riso debochado.
— Desculpa — disse segurando a risada. — Mas falando sério, ele falou por que era tão idiota com o resto da turma?
Ronan buscou em sua memória os eventos da semana passada.
— Ele parece não gostar de manipuladores, estranho né?
Anna arqueou as sobrancelhas e arregalou os olhos.
— Estranho? Isso é hipocrisia pura. Você lembra que ele disparou aquele troço contra mim? Eu poderia ter me ferido gravemente, ou pior, morrido.
Ela exagerou, Ronan sabia, mas não criaria um caso por causa disso.
— Lembro sim. Foi assustador demais até para mim que sentava lá no fundão.
— Vamos deixar isso pra lá. Ele é passado agora. Além do mais, temos muito que pesquisar. — Anna tapou a boca num sobressalto. — Eu não estou te prejudicando né? Fazendo você perder tempo me ajudando, você deveria estar estudando Manipulação Ofensiva, não é mesmo?
Era verdade.
— Não tem problema, vocês me ajudaram muito, só estou retribuindo o favor. — Mas no fundo se perguntava por que ainda a ajudava em algo inútil. Num lampejo de genialidade, teve uma ideia. — Sabe, porque não procuramos a professora Grivaldo? Ela deve saber alguma coisa sobre manipulação curativa, ou pelo menos ela poderia nos indicar os livros certos.
A cadeira de Anna foi arrastada para trás, produzindo um chiado agudo que perfurou a audição dos mais próximos. Protestos e xingamentos foram vociferados para a garota que permanecia de pé, olhando o garoto em sua frente.
— Ronan, seu gênio incompreendido, eu poderia beijá-lo agora mesmo.
As bochechas do tímido rapaz coraram como um pimentão.
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Três batidas ressoaram na porta da sala dos professores antes de ser aberta por dois alunos. Ronan contemplou o ambiente onde os mentores se ocupavam lendo, rabiscando papéis, ensaiando aulas e por incrível que pareça, dormindo.
Debruçado sobre a mesa mais próxima da porta, um rosto conhecido surgiu quando ele abaixou o livro que lia; um romance conhecido por ambos os estudantes.
— O que vocês querem? — anunciou o professor Felix após guardar o livro no canto da mesa.
— Viemos falar com a professora Grivaldo. — Anna se adiantou.
E por cima de uma pilha de livros a cabeça da professora surgiu, ela sentava logo atrás do professor Felix.
— Pois não meus queridos?
— Nós estamos pesquisando sobre a manipulação…
Ronan foi interrompido quando recebeu uma cotovelada no estômago, fazendo-o se contorcer por um breve instante. Com um sorriso de culpa, Anna, aproveitou a brecha para intervir.
— É uma pesquisa sobre as tentativas de estudar a manipulação curativa ao longo da história.
— Um assunto interessantíssimo. Eu tenho justamente o que precisam. — A professora entusiasmou-se. — Podem me esperar ali fora? Posso demorar um pouco para encontrar o que procuro.
— É claro, te esperamos no corredor.
Anna puxou Ronan pela camisa e o arrastou para fora da sala. Para a sorte deles Catarina não demorou a encontrar o que precisava. Após cinco minutos ela abriu a porta da sala trazendo em suas mãos um pedado de papel. Ronan desencostou-se da parede enquanto Anna descruzou as pernas para se levantar do banco.
— Desculpe pela demora. — Catarina estendeu para eles o braço que segurava a folha de papel.
Ronan pegou para si o presente da professora e o ergueu para que Anna também pudesse fazer a leitura. Tratava-se de uma lista com diversas obras enumeradas. Todos mencionavam em seus títulos algo sobre a manipulação curativa, conjuração restauradora ou outro nome semelhante. Alguns até foram sublinhados, Anna apontou para alguns deles. Ronan percebeu que a esmagadora maioria já fora vasculhada pela dupla. Tirando os olhos da folha, Anna perguntou:
— A professora tinha uma lista dessa pronta, assim de repente?
— Podemos dizer que sim. Eu enumero em listas separadas por temas todos os livros utilizados nas pesquisas para minha futura enciclopédia. Mas infelizmente, ainda não dei inicio ao volume sobre o tema em questão.
Um volume inteiro pra isso? Ronan tremeu só de pensar no trabalho a ser desprendido.
— E esses sublinhados, professora?
— São os livros que possuem cópias lá na biblioteca.
— Nós já conferimos a maior parte deles — Anna disse baixinho. — Tem algum volume que mostre os métodos estudados?
— De como conjurar a manipulação curativa?
— Sim. Nós gostaríamos de fazer uma pesquisa detalhada.
Catarina Grivaldo levou a mão ao queixo e ponderou sobre a observação.
— Para o azar de vocês dois eu sou apenas a professora de História, meus trabalhos giram entorno dessa área. Apesar de grande, nossa biblioteca é limitada no que tange esse tipo de manipulação, afinal, a instituição não gastaria recursos em pesquisas largadas ao acaso.
Ronan teve uma ideia.
— Professora, tem alguma outra biblioteca ou livraria na capital?
— É claro que tem, mas são minúsculas comparadas à nossa.
O sorriso murchou no rosto do rapaz, mas Catarina tinha uma sugestão:
— Eu conheço três bibliotecas que possam ter o que procuram.
— Onde professora? — Anna perguntou agarrando-se à última esperança.
— Na cidade de Alvovale ao norte; na biblioteca de Rioalto, ao leste; e claro, na Biblioteca da Cidade Livre, a maior do continente.
Todas as três ficavam longe demais para uma viagem de fim de semana, o que deixou Ronan aliviado, já estava cansado de passar as tardes de terça e quinta lendo as mesmas informações repetidas vezes.
— Obrigado professora Grivaldo — ele agradeceu escondendo o entusiasmo fervilhante.
— Que pena, mas obrigado mesmo assim professora Catarina. — Anna não fez questão de ocultar sua decepção.
— É um prazer poder lhes ajudar, se precisarem de orientação não hesitem em me chamar. E não se esqueçam de que amanhã terão aula comigo.
Os dois se despediram da professora. Deixando-a para trás eles percorreram o longo corredor do prédio administrativo a passos lentos. Um lampejo iluminou a mente de Anna, que não hesitou em questionar o amigo.
— Ronan, Alvovale não é a terra natal do seu querido professor Ronaldo.
— É sim, mas porque a pergunta? Planeja ir lá durante fim de semana?
— Não seja idiota. Eu sei que fica lá na ponta norte do Império, mas aquela outra biblioteca fica mais perto.
— A da Cidade Livre?
— Claro que não. A outra, aquela perto da fronteira com o reino vizinho.
— Você quis dizer: império vizinho.
— Ronan, eles não são um império. O novo Arquimago já disse não apoiar essa união fajuta.
— E você acha que ele manda no continente, por acaso?
— Não, mas… — Foi como se o peso do mundo caísse na consciência dela. — Ele é o pai da Nat… — concluiu com pesar.
— Pelo menos agora você entende, mas voltando à biblioteca de Rioalto, o que você queria me perguntar?
Ela o encarou como um cãozinho bem treinado pedindo por comida.
— Nós poderíamos visitar durante o recesso de fim de ano, o que acha?
Aquelas palavras o atingiram como flechas silenciosas.
— Não sei. Tenho que pensar… — Sua voz saiu tremida.
— Estou exigindo demais de você, não é?
— Não é isso — justificou-se alarmado.
— Não é? — Aqueles olhos encontraram os seus.
— Não muito. — Desviou o olhar.
— Tudo bem, Ronan…