Ronan Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini

Revisão: Marina


Volume 1

Capítulo 46: Reta Final (1)

Na manhã do dia 10 de junho, uma quarta-feira, uma carta foi entregue ao mordomo da residência dos Leonharts, porém, ele havia se esquecido de entregá-la a destinatária. Como já era noite, talvez a senhorita já estivesse dormindo, mas Joff manteve-se esperançoso. Orou aos deuses esquecidos e em seguida disparou pela mansão sem produzir um ruído sequer, habilidade esta que treinou duro para adquirir.

Em seu trajeto portas, vasos, tapetes e quadros surgiam e desapareciam até enfim, chegar à entrada da residência, onde guardou a carta na primeira gaveta de uma enorme estante próxima ao banco onde uma pobre garota já ficou deitada ao desmaiar tempos atrás.

Num puxão a gaveta veio ao seu encontro. A carta permanecia por cima de uma pilha de papeis e bugigangas da senhorita. Joff envolveu a carta inviolada em seus dedos e perdeu-se em pensamentos ao olhar para ela, até um ranger vindo de sua direita chamou-lhe a atenção.

Uma das chapas da porta foi aberta e um soldado por ela surgiu. O sujeito em armadura completa marchou para dentro, sua bota não havia sujado o chão.

Estranho.

Ele arqueou a coluna para cumprimentar o mordomo, que retribuiu o gesto na mesma proporção. Baques de passos se fizeram ouvir, anunciando a segunda figura que adentrava o recinto, sujando o piso com terra.

Joff curvou-se mais uma vez, inclinando-se mais do que antes.

— Seja bem-vinda de volta, senhora Griffhart… digo… Leonhart, minhas sinceras desculpas.

Júlia levou à mão direita ao rosto e soltou um risinho entre seus lábios finos.

— Por acaso está com saudades da antiga casa?

— Pelo contrário, a senhora deve recordar da relação que eu tinha com Alexandre. Ou que Alexandre tinha comigo, para ser mais exato.

— Aquilo está no passado e ele era muito jovem na época. Ele é outro homem hoje em dia.

— A senhora tem conversado ou trocado cartas com o irmão?

— Na verdade não, mas pelos rumores que o cercam, dá para se ter uma ideia.

— Mas é claro. — Joff curvou-se mais uma vez. — Com a sua licença.

— À vontade.

O mordomo deixou a entrada da residência para cumprir sua demanda: entregar de uma vez por todas aquela carta. O tempo perdido poderia afetá-lo, as chances da senhorita estar dormido ficaram maiores. A carta poderia ser entregue pela manhã ou deixada sobre a mesinha do quarto da garota, mas pelo remetente, Joff queria estar lá quando ela fizesse a leitura.

A porta do quarto dela surgiu em seu campo de visão. Ficou em frente ao retângulo de madeira. Pôs a mão direita na maçaneta, girou ela e a empurrou. A porta abriu devagarinho, rangendo na intensidade de fazer sangrar os ouvidos.  Quando uma fresta o permitiu espiá-la, Joff espiou.

Ela havia acordado.

— Mãe?

Não tinha muito que ser feito, então abriu a porta por completo. Como o ambiente estava escuro, era melhor se identificar, não queria assustar a garota.

— Sou eu, Joff. A senhorita estava dormindo?

— Dormindo? Não, eu só estava deitada pensando em algumas coisas. — Um longo bocejo seguiu. — Mas porque você veio?

Se ela ler a carta e for algo ruim, ela não vai conseguir dormir.

— Não é nada senhorita, boa noite.

Ele segurou a maçaneta e a puxou.

— O que é isso na sua mão? — ela perguntou pouco antes da porta fechar.

Mais uma vez ela foi aberta.

— Mas como você…

A silhueta do braço da garota apontava para ele. Joff olhou por trás do ombro. Havia esquecido que o archote mais próximo o iluminava por trás.

— Parece um papel. Pelo tamanho eu diria ser uma carta.

Rendido, o mordomo virou-se, retirou a tocha cagueta e adentrou no quarto da garota, projetando nela a luz bruxuleante que empunhava, açoitando os olhas da infeliz.

— Perdão…

— Não tem problema — ela disse enquanto coçava os olhos.

A tocha foi levada ao candelabro sobre a mesa no canto oposto à cama. Movimentando o fogo no sentido horário ele ascendeu às seis velas que faziam um circulo, terminando na vela do meio, a mais elevada. Quando acabou, Joff retornou ao corredor e depositou a tocha no suporte de aço, para que iluminasse seu local de origem. De volta ao quarto, os olhos reluzentes de Nathalia não desgrudavam da carta em sua mão.

— De quem é?

— Do senhor seu pai.

— Ui… eu recebi uma carta do amigo do imperador.

— Não se faça de boba.

Joff estendeu o braço e sacudiu a mão com o envelope, Nathalia pegou-o para si, rompeu o lacre, puxou o papel que continha a mensagem e deu inicio a leitura ainda sentada na cama.

— Não seria melhor à senhorita ler perto das velas?

Nenhuma atenção foi dada à sugestão. Em três minutos ela terminou e largou a carta sobre a cama.

— Ele não sabe quando irá voltar — resumiu com pesar.

— Mas deve ter…

— Um motivo? É claro que sim, ele sempre tem um.

Nathalia ergueu o braço. Com a mão direita tapou a visão do candelabro sobre a mesa. Contemplou por segundos o brilho que parecia emanar ao redor da mão, então abriu uma fresta entre os dedos, avistou um bruxulear cativante, emanado da vela do meio, a mais alta das sete.

— Na carta… tinha mais alguma coisa? — Joff quis saber.

A pergunta tirou-a dos devaneios em que já se perdia.

— Dizia que eles estão em campanha e que não voltariam nem no mês que vem.

— Em campanha? Que tipo de campanha?

— Deve ser mais uma maluquice do tio.

— Que assim seja senhorita Leonhart, mas já está na hora de dormir.

— Ué, mas não fui eu que abri a porta do seu quarto e te acordei com uma carta na mão.

— Tudo bem, você venceu, me dou por vencido, então trate de dormir logo. — Joff caminhou para fora, segurou na maçaneta e se despediu — Tenha uma boa noite.

E a porta foi fechada.

Poucos minutos depois Nathalia sentiu o cansaço envolvê-la, mas a ansiedade a impediu de cair no sono. Ela pensou em seu pai, o que ele estaria fazendo? Onde estava? Com quem estava? Tantas dúvidas fizeram com que se revirasse na cama.

Ela puxava a coberta, tirava a coberta, virava o travesseiro, desvirava, o colocava na vertical, na diagonal, dobrava-o, mas nada funcionou.

Queria se frustrar por ter um pai ausente, se vitimizar e pôr nele toda responsabilidade de seus erros, mas não podia, não mais, pois havia conhecido o verdadeiro Lucio Ambrósio, o pai da melhor amiga e possivelmente o pior pai de toda Antares. Era injusto querer comparar Magnus a ele, por mais distante que estivesse e por mais ausente que fosse.

Pôr todos os seus problemas em perspectiva fez Nathalia sentir-se uma verdadeira princesa de vida ganha, uma princesa despreocupada com a vida, uma princesa prestes a…

Dormir.



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