Volume 1
Capítulo 42: Lágrimas (4)
No dia seguinte Nathalia fez o trajeto até a universidade cantarolando, cumprimentando e recebendo cumprimentos de moradores, padeiros, vendedores, empregados, taverneiros, alfaiates e demais ocupados trabalhadores.
Em seu braço direito trazia a bolsa tiracolo cor castanha clara, onde guardava os livros, papéis e demais materiais para as aulas do dia. A bolsa foi feita especialmente para ela, por isso a face de um leão em perfil foi bordada na parte externa, para que pudesse ostentar com orgulho o símbolo da família.
E de uma viela, Lucio surgiu. Com violência ele arrastou a distraída Nathalia para dentro do beco. Ela resistiu e em vão tentou sobrepujar a força animalesca. Tentou berrar, mas uma mão tapou sua boca para conduzi-la até o limite do lugar maldito. Atrás e aos seus lados, um muro de tijolos sem vão nem janelas, e a sua frente, o pai da amiga.
— Se a Anna não está na sua mansão, onde mais ela poderia ter ido? — ele perguntou com calma.
— Eu não sei — respondeu engolindo o medo. Buscou reunir a coragem para enfrentá-lo de igual para igual.
— Mentira! Você sabe sim, vocês duas conversam sobre tudo. Eu sei disso!
Nathalia estendeu o braço com a palma virada para cima, uma bola do tamanho de sua mão fechada crepitou ameaçadora. Os dois se entreolharam. Com uma impassividade estampada em seu rosto, Nathalia torceu para que o blefe fosse o suficiente.
— Você não teria coragem… garota! — disse espremendo os olhos.
Com o mais feroz e veloz dos felinos, ele avançou.
O pavor a dominou em instantes, desfazendo sua concentração num piscar de olhos. A sincronização do fogo se perdeu e a chama apagou. Mais uma vez foi rendida. Prevenido, Lucio agarrando-a pelos pulsos, limitando os movimentos dela.
Merda, assim eu não posso fazer muita coisa, Nathalia raciocinou, apavorada.
— Me solta! — esbravejou se rendendo ao desespero.
— Se você gritar mais uma vez, vai ser pior.
As mãos dele pressionaram ainda mais seus bracinhos.
— Tá doendo, me larga — Nathalia choramingou.
— Mas é para doer. — Suas palavras emanaram sadismo. — Não vou repetir garota, onde ela está?
— Não posso falar. — As primeiras lágrimas brotaram em seus olhos.
Lucio se satisfez com a resposta.
— Não pode? Então você sabe onde ela está. — Pressionou ainda mais os pulsos dela
Nathalia lacrimejava. O desespero foi tomando conta. Sentiu os ferimentos cicatrizados pulsarem. O choro foi dando espaço à raiva. Uma expressão feroz contraiu suas feições. Lucio ficou apreensivo com a mudança e aplicou mais força no braço dela, mas agora suas próprias mãos doíam.
Aquilo apenas alimentou a fúria ardente da garota. Ela foi se perdendo, deixando-se levar pela ira, mas Nathalia percebeu. Já havia sentido isso antes. Lutou contra a dor e após muito esforço conseguiu se acalmar. Aos poucos, as pulsações das feridas cessaram. Gotas de sangue pingaram no chão, vindas das cicatrizes do braço direito.
Lucio não achou graça naquilo.
— Bruxaria de sangue! — urrou furioso. — Você quer me matar?
— Não, é claro que…
O ar acumulado em seus pulmões foi expulso quando ele desferiu uma joelhada. Toda sua força esvaiu, Nathalia teria caído no chão se o agressor não a segurasse pelos pulsos. Ainda irado, Lucio jogou a garota contra a parede. Não iria mais brincar. Puxou a faca que ocultava por trás da camiseta engordurada e se ajoelhou por cima das pernas da garota, esmagando-as com seu peso descomunal.
Nathalia espremeu os olhos úmidos. Apavorada com o encostar da lâmina em seu pescoço. O peso sobre suas pernas a faz gemer um choro contido, abafado pela mão que agora lhe tapava a boca. A faca empunhada por Lúcio pressionou o pescoço e um leve arrastar dela produziu um pequeno corte intencional.
Ela não pôde reagir, não conseguia se concentrar e caso forçasse uma conjuração, poderia terminar piorando a situação, como bem sabia. Sem mais resistir, Nathalia teve de ceder à exigência imposta por ele.
Anna… me perdoe.
Reuniu a coragem necessária e murmurou algo, mas a mão que tapava sua boca tornou suas palavras ininteligíveis. Constando isso, Lúcio reduziu a força aplicada. Agora ela poderia murmurar algo minimamente compreensível.
— Ela… — Nathalia tentou dizer, mas o próprio soluçar a interrompeu.
— FALA! — vociferou Lucio, pressionando a lâmina no pescoço dela mais uma vez.
Nathalia guinchou de medo. As lágrimas percorriam sem dó as maçãs do rosto, algumas até entravam na boca, que soluçava copiosamente.
— Ela… — Respirou fundo. — A Anna… — Mais uma vez. — Está…
Lucio a encarava. Alfinetava e recolhia a faca repetidas vezes, pontilhando a carne do pescoço dela. Filetes de sangue empaparam as roupas da garota que não chorava mais.
…
Pois as lágrimas sincronizaram com sua energia manifesta sem que percebesse. As gotas agora levitavam com certa graciosidade. Nathalia irritou-se. Respirava exalando toda a raiva que acumulara. O agressor observava a tudo boquiaberto. As gotas das lamentações cristalizaram, apontando suas extremidades pontiagudas contra o agressor.
— Para com isso — Lucio disse com uma seriedade mórbida. — Ou eu vou te cortar pra valer.
— Vai pro inferno! — vingou-se
Os cristais dispararam contra o braço que empunha a faca. A ponta da lâmina perfurou a terra no vão entre dois paralelepípedos, permanecendo em pé ao lado de Lucio, que urrava. Caído e com o braço ensanguentado ele proferia ameaças fúteis contra ela. Jurava vingança, jurava sua morte, a de seu pai e de sua família.
Como o beco era extenso poderia demorar até alguém notar os berros agonizantes do brutamente. Nathalia cambaleou até a rua. Chegando lá, avistou dois guardas encostados numa mureta ali perto. Ela arrastou-se por dois metros até um deles avistá-la e correr ao seu socorro. Nathalia balbuciou o ocorrido e quando terminou, os dois dispararam para dentro do beco, para averiguar a situação.
Quando alcançou os guardas, Nathalia notou que os cristais se liquefizeram, umedecendo o braço de Lucio. Apesar das perfurações e do sangramento, as feridas por ela infligidas não pareciam capazes de infecionar. Além das incontáveis ameaças proferidas por ele da boca para fora, Nathalia sentia-se aliviada pelos cristais de suas lágrimas não serem tão cruéis quanto os feitos de seu sangue.
Ela ainda tremia. A dor em seus braços, peito, barriga e pescoço a faziam gemer e tremer de dor. O soldado mais jovem virou-se para ela, para perguntar:
— Senhorita Leonhart, você quer que o prendamos?
Sentiu-se tentada, A Anna vai entender, ela precisa! Convenceu a si mesma.
— Por favor…