Volume 1
Capítulo 26: Presente Para um Velho Amigo
O barulho incessante dos martelos tilintando contra o metal era um dos charmes da Rua dos Ferreiros. Não que todos fossem gostar do ambiente, mas era ali que a esmagadora maioria do armamento imperial era forjada.
Ian Smith, o amigo de Ronan, havia recebido um grande pedido dias atrás. Uma encomenda de duzentas pontas de lanças fez o pobre ferreiro se esforçar dia e noite na humilde forja da família. O preço negociado foi baixíssimo, mas foi a única maneira que arranjou para evitar o pesadelo que seria deixar a forja ociosa.
No domingo Ronan foi visita-lo. Levou consigo o presente agraciado por Nathalia. O objeto permaneceu oculto por um embrulho de papel, ele balançava a cada passo e farfalhava quando atritava na pele do braço vigoroso que o carregava, trabalhado graças aos treinos pós-aula.
Poucas ruas depois, ele avistou a pequena casa de madeira.
Ronan apertou o passo e dirigiu-se à forja localizada ao lado esquerdo da pequena propriedade. Pulou a cerquinha; Atravessou o gramado e saltou sobre a pequena mureta de tijolos vermelhos que cercavam a forja da família. O ambiente estava demasiado quente, abafado, pois Ian manuseava as polias que operavam as traves, hastes e correntes que moviam o caldeirão repleto do metal borbulhante, despejando o conteúdo líquido sobre as trilhas sulcadas na fôrma de doze moldes pontiagudos.
— Esse é aquele pedido? — Ronan perguntou.
O ferreiro estremeceu, não havia percebido a chegada do visitante. Se um ladrão qualquer entrasse ali e roubasse a oficina, nem notaria. Secando a testa brilhando de suor, ele cumprimentou o amigo:
— É sim. E não estou nem na metade — disse pesaroso consigo mesmo.
— É tão difícil assim criar ponta de lanças? — A curiosidade de Ronan ansiava por respostas.
Tomado por uma sede animal, Ian pegou um caneco ali largado e o encheu com o conteúdo da jarra d’água que mantinha na mesinha próxima ao acesso da casa. Após saciar-se com enormes goladas do líquido cristalino, arrotou em satisfação. Etiqueta não era uma prioridade na Rua dos Ferreiros.
— Se eu tivesse instrumentos melhores eu já poderia ter acabado. Mas essas fôrmas são muito pequenas, não dá para fazer grandes remessas. — Fitou o além numa contemplação melancólica. — Vai levar mais alguns dias pelo menos.
— Escuta. Não encontrei nenhuma fórmula para criar uma espada invisível, mas talvez isso possa ajudar. — Ronan estendeu o braço, revelando o embrulho.
Surpreso, Ian pegou o misterioso pacote e o abriu num rasgo feroz.
— Manual da Forja: edição especial — leu em voz alta o título do presente. — Fico feliz por meu pai ter me obrigado a ir à escola, mas como isso pode me ajudar?
— Isso é com você, mais para frente tem algumas técnicas, projetos de armas e coisas do tipo.
Por um tempo eles ficaram calados. Ronan sentou na mureta enquanto o amigo lia de forma superficial o conteúdo do livro bizarro. Quando ele terminou de folhear, fez uma observação:
— Incrível. Tem muita coisa inédita que nem os mais experientes ferreiros daqui conhecem.
— Fico feliz, me custou muito conseguir esse manual.
Tais palavras fizeram Ian sentir-se em débito.
— É mesmo? Bem… Dá para imaginar pela qualidade do material, mas enfim, custou quanto?
— 100 moedas…
— 100 moedas de ouro? Você roubou o Palácio Imperial?
Com um sorriso malicioso, Ronan deu a resposta:
— Não custou dinheiro, apenas muita dor de cabeça — Coçou a nuca.
— Caramba. Espero não ter te causado muitos problemas. Não sei como agradecer por isso.
Mas Ronan tinha algo em mente.
— Quando você descobrir como fazer uma espada invisível, eu quero ser o primeiro cliente — terminou rindo do que se tornou a nova piada interna entre os dois.
Contagiado pelo bom humor, Ian o acompanhou nas gargalhadas. Por horas eles conversaram descontraídos sobre as amenidades da vida. Ronan decidiu passar o resto do domingo ajudando-o da forma que conseguia. Apesar de não estar trajado para o serviço, Ian entregou-lhe um dos típicos aventais marrons que havia guardado.
Foi trabalhoso, mas Ronan conseguiu ajudar até o fim do expediente da forja. Eram já sete horas da noite, e como mandava a tradição, foram tomar uma cerveja aguada com os fregueses carrancudos do Ferreiro Fanfarrão.
Em mais uma noite divertida.