Ribeira dos Desejos Brasileira

Autor(a): Rhai C. Almeida


Volume 1

Prólogo

 

Dia 04 | Ano 1***

 

Em um vilarejo, havia uma ribeira próxima de uma floresta verdejante. Nela, uma jovem apanhava amoras dos arbustos com destreza. Seus olhos redondos lembravam a cor do mel que sua mãe — uma cozinheira de mão-cheia — adorava. Ela julgava com minucioso cuidado a aparência, textura e o tamanho das pequenas frutas arroxeadas. 

O movimento de suas mãos eram precisos e, sem demora, ela jogava as amoras na cesta de palha. O som  da cachoeira era reconfortante, mas a camponesa — de madeixas morenas, dividas em duas tranças — não tinha tempo para apreciar a paisagem natural na qual desbravava sem medo. 

— Dezenove e… vinte! Pronto! — A menina colheu a última amora da trilha.

— Rose, está na hora do jantar! Se apresse antes que escureça! — gritou uma voz feminina ao longe, reverberando pela floresta que, mesmo coberta pelo céu do entardecer, Rose não estava nenhum pouco preocupada. 

— Já estou indo! — Ela segurou firme a cesta e, preparada para saltar sobre as rochas da água agitada, alguém interveio e puxou o seu braço, desequilibrando-a, mas não ao ponto de fazê-la cair no chão úmido.  

Ao escorregar, Rose bateu a costa no peito de um rapaz. A grama estava escorregadia, e o colo dele foi o suficiente para amortecer a queda. 

— Ai! Asher!? Meu Deus, que susto! — Ela se levantou com pressa, franzindo a testa. — O que deu em você?

Ugh… Seu cotovelo  bateu no meu estômago…  — Ele deslizou a mão na barriga. — Acho que você quebrou minhas costelas.

— O que você está fazendo aqui? — Rose limpou o avental coberto de lama. — Olha o que você fez! — Ela fez questão de mostrá-lo a roupa antes branca, agora coberta de terra.

— Você só pode estar louca se pretendia saltar sobre essas pedras escorregadias, e com essas botas lamacentas. — A voz jovial de Asher adquiriu um tom desacredito, abismado pela coragem dela.

Ele era um pouco mais velho que ela.

— Você fala como se a água na altura da cintura pudesse me matar. — Olhou para ele. — A minha vida não é da sua conta. — Ela pegou a cesta e apanhou as amoras espalhadas à beira do riacho. 

Quando Asher pôs-se de pé, ele olhou para Rose em silêncio. Estava pensativo sobre ela.

— Rose.

— O que é? 

Asher é filho de um caçador, logo, foi ensinado a caçar. Devido à prática, era raro vê-lo piscar com a frequência das demais pessoas. Um hábito incomum, no entanto, nada que gerasse desconforto. 

Sem dúvida, ele gostava de registrar em suas retinas cada segundo que se aventurava pela mata. 

— Você está com um machucado. — Asher deslizou as tranças Rose para a frente do corpo dela e analisou o ínfimo hematoma na lateral de seu pescoço.

Ele era alto — um metro e oitenta de altura, ou mais. Era um detalhe em sua amiga que não passaria desapercebido de suas íris, azuis como o céu.  

O corpo de Rose deu um sobressalto. Ela colocou a mão na região marcada e evitou encará-lo.

— Não é nada… 

Hum… — O rapaz de cabelo preto, lisos como os fios de costura de seu traje envelhecido, soltou uma curta risada. — Seu marido voltou do campo de batalha? 

Rose ergueu a gola de seu vestido da cor azul alba e apertou a cesta. Sua pele era branca de tom frio e não era difícil ver o seu rosto ficar vermelho quando se sentia constrangida. 

— Já faz um tempo. 

— Você não me disse. 

Rose engoliu em seco, uma insinuação pesando nas palavras dele. Seus olhos percorreram-na de cima a baixo, deixando-a vulnerável e exposta, como uma presa fora de sua toca. 

— Está escurecendo, preciso ir — ela falou.

Ao virar as costas para ele, Asher, contudo, segurou firme no pulso dela, impedindo-a de afundar suas botas de couro na lama em mais um passo.

— Não quer que eu a acompanhe? — Ele dobrou levemente o pescoço para tentar enxergar a expressão dela, oculta pela escuridão que tomava a floresta.

— Está vendo aquela lamparina acesa? — Ela apontou adiante — uns bons passos que ela evitaria se tivesse atravessado o riacho quando teve a chance.  — Já estaria em casa se você não fosse um intrometido. — Puxou o braço, fora do alcance da mão dele.

— Mais um motivo para escoltá-la — insistiu, seu tom descontraído que continha uma áspera sensação de seriedade. — Um presente para mim é um teste de paciência para você. — Sorriu.

— Está tudo bem, de verdade. 

Asher notou quando as mãos de Rose apertarem a alça da cesta, e num suspiro conformado, falou:

— Bem, não diga que eu não avisei. — Ele escondeu as mãos nos bolsos fundos da calça.

— Você se preocupa demais. — Ela iniciou a caminhada.

 — Porque você é importante para mim — ele complementou. 

Rose, ao olhar para seu amigo, ergueu a mão no ar e acenou.

— Obrigada. — Ela sorriu, seus olhos dourados, semelhantes aos pontos luminosos das lamparinas da casa distante.

Em resposta, Asher retribuiu o gesto. Assim que as sombras da noite engolfavam a floresta, seu semblante se obscureceu, e seus olhos, outrora gentis, tornaram-se gélidos a cada passo que o afastava de Rose, até que ela desaparecesse completamente.

Asher não se intimidava com a solidão da mata. Como um caçador experiente, ele sabia que muitos animais se aventuravam quando o manto da escuridão envolvia o céu. No entanto, ele também reconhecia que, assim como as presas temiam seus inimigos naturais, os predadores estavam sempre à espreita, prontos para agir.


Obra da mesma autora:

Príncipe de Olpheia



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