Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 1

Capítulo 20: A chance de se aliar

Desci as escadas e ajeitei a blusa bagunçada. 

Ellie queria fazer isso há muito tempo? Ela me beijou. Como eu fiz isso com ela? 

Meu rosto queimou quando imaginei a cena. 

Um sorriso se instalou em meu rosto enquanto eu voltava, finalmente um momento de paz após tanta sofrência. Desci por volta de dois compartimentos de escada para voltar ao evento. 

O local estava menos barulhento, alguns dos convidados já estavam indo embora. Vi ainda Bruno, João, Amara, Áki, Alice… 

Por algum motivo, eu estremeci quando fiquei perto da menina samurai. A aura de Alice queria levar a lâmina dela ao meu pescoço, e ela nem fez questão de esconder isso!

Antes que eu pudesse ir até eles novamente, uma voz familiar me chamou do canto do piso superior.

— Senhor Kai, está aproveitando o evento? — Era o homem que me convidou. Seus olhos verdes azulados fixaram-se em mim. Pareciam… observar tudo. — Não tive a chance de falar com vocês antes.

Me aproximei em passos lentos enquanto analisava o seu terno luxuoso e cabelo loiro escuro. A aura dele era completamente diferente das outras, uma camada circulava livremente pelo seu corpo ao mesmo tempo em que outra parecia o proteger. 

Se eu tivesse mais tempo apra analisar, poderia investigar uma terceira. Que puta habilidade essa que me veio.

— Mais do que achei que aproveitaria. Agora, quem é você? — perguntei, minha sobrancelha arqueada. — É um pouco estranho que tenha me chamado repentinamente para-

— Eu me chamo Fent Aloar. Eu sou o assistente direto de Lotier Hawise, sumo Grande Rei Nove. 

Caralho. Eles querem me prender? 

— O-oque eu po-posso fazer por você? 

— Lotier gostaria de dar uma palavra com você. 

— Saudações, Lumi! Finalmente pude te conhecer — falou o homem que usava a coroa com duas de dez jóias preenchidas e se aproximava de braços abertos com um largo sorriso no rosto. Sua aura ainda mais poderosa que a de Fent Aloar, com um brilho que eu tive dificuldades para ver o limite.

Meu coração disparou. 

Ontem o Rei Enguerrand queria me testar e hoje tem outro Rei querendo falar comigo. Eu fiquei famoso basicamente por apanhar para anormalidades; o que isso tinha de tão especial? 

De qualquer forma, podia ser uma chance de crescer. Eu necessitava de aliados. Porra, muito!

— É uma honra, Rei Hawise — falei, fazendo lentamente uma reverência.

— Por favor, fique de pé. Eu ouvi falar de você algumas vezes, mas achei que era apenas um caso de sorte, no entanto. Porém você apareceu no jornal, de novo e de novo, e isso atiçou a minha curiosidade por ti. Qual é o nível da sua aura? 

— Fui categorizado como Sombra ontem, Grande Rei. 

— Sombra? Não precisa ser modesto, senhor Kai, os relatos exigiam, no mínimo, um Penumbra Experiente — falou Fent. — Sobreviver a uma manada de hoasters, derrotar vários goblins perto da sua casa, proteger um menino de um minotauro! Vamos, nos mostre seu poder!

Eles ficaram boquiabertos quando me viram boquiaberto. Mostrar meu poder aqui? Que poder, porra!? Eu só conseguia ver aura e… O que me ajudou a vencer o goblin foi aquela voz.

— Eu… posso saber o porquê de ter tal honra de estar em tua presença? 

— É claro… Você já ouviu falar dos Duelos de Campeões? 

— Não, Vossa Majestade. 

— De tempos em tempos, os reis escolhem um talento que julgam capaz de entrar nesses duelos, ou seja, investir em pessoas que tenham o potencial para acelerar o processo de fortalecimento. Com isso, os Reis organizam um torneio entre os talentos mais poderosos de cada local, porém ficou conhecido como Duelos dos Campeões.

— Espera… Por que o nome é esse? 

— O nível Caos é o mais alto conhecido atualmente, mas, em algum momento da história, teve um indivíduo que, por alguns segundos, foi o mais forte do país. Sendo coincidência ou não, ele era o vencedor do torneio. Resolveram mudar o nome porque acreditaram que a força do país, o possível protetor e salvador, pode vir a partir dele; do investimento em jovens em potencial. Não vê a própria escola de magos na sua cidade? Mesmo que seja indiretamente, o Rei Enguerrand escolheu investir aqui. Apesar de Karin já não ser mais uma cidade tão desconhecida agora. 

— Espera, você-

— Sim, eu estou escolhendo você. 

Esse cara é maluco, da pra ver no olhar dele. Deles dois!

— Acho que você já deve saber, mas eu… — Baixei o olhar, lembrando de tudo que passei por ter esse “problema”. — não consigo usar magia. 

— Independente. Essa é minha aposta, e você terá tempo para pensar nela. Deixarei um Voin exclusivo para nossa comunicação.

— Eu-

— Não sabe o que é? É como um pássaro muito veloz usado para comunicação indireta. Por ele você vai poder me contar sobre a sua decisão, e eu te enviar missões direcionadas. 

— Lot, calma! O garoto mal entende do que estamos falando!

— Kai, é um passo de confiança meu. Pense com calma a respeito.

— Sim, Majestade — Que loucura. Que loucura.



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Quando saí do pequeno castelo, fui recebido por um pássaro sombrio de olhos azuis brilhantes. De ínicio eu corri como se não houvesse amanhã porque achei que ele ia me matar, mas ele se autonomeou como “Voin de Lotier”.

O pássaro pousou em meu ombro e eu segui o caminho para casa. Percebendo que eu estava indo para a fazenda, refiz o caminho. Um Rei quer investir em mim e me colocar em uma competição onde, certamente, irão me amassar na porrada. 

Mesmo se eu treinasse continuamente todo dia, seria muito complicado vencer sem o menor aspecto de poder. 

Eu perdi para o goblin anormal. Ela que surgiu e me emprestou um pouco de seu poder para vencer. 

Eu conseguiria ficar forte se o recebesse de novo?

Os últimos meses foram complicados, e ainda tinha aquela pedra verde mágica. Talvez eu devesse descansar um pouco e esquecer essa história. Mas eu me animei quando pensei que eu, de fato, poderia me defender. 

— Por hora, a voz é a única chance que eu tenho de conquistar algo maior — sussurrei para mim mesmo, enquanto o uivar do vento se aproximava. — Eu espero ser.

Restaurantes estavam abertos com lindas luzes penduradas na entrada, pessoas na área do chafariz riam e conversavam... O ambiente estava agradável. 

Resolvi andar, mas uma certa figura sentada no chafariz chamou a minha atenção. Me aproximei em passos lentos. Ele estava de cabeça baixa, um tanto triste.    

— Olá, Kanro. O que faz aqui sozinho? 

Ele pareceu surpreso ao me ver, e logo se recompôs a postura com seus largos ombros para trás. Sua aura deu uma pequena acelerada quando ele fez isso, mas deixei esse poder estranho se esvair de meus olhos.

Não era hora de analisar a aura nenhuma.

— Filho. Como foi o evento?

— O que você tá fazendo aqui sozinho tão tarde? — falei, erguendo uma sobrancelha.

Meu pai firmou o olhar em mim, e eu senti culpa e tristeza naquele rosto que costumava ser sempre sorridente e confiante. Meu coração apertou, foi a primeira vez que o vi assim. 

— Papai é bem forte, Lumi, o suficiente para ser conhecido pelos reinos. Eu resolvi alguns casos de anormalidade e isso me deixou em uma posição complicada. Com tudo o que aconteceu minha presença foi exigida. Eles… não têm muitas pessoas de confiança que fazem um trabalho como o meu. Mesmo pagando muito bem, nem sempre vale o estresse.

Naquele instante, o chafariz disparou, e gotículas de água caíram como um fraco serenar em nós. Um arrepio correu meu corpo quando a brisa me atingiu, e eu apenas respirei fundo para conter a tremedeira. 

— Do que você está falando? 

— Eu vou me ausentar, preciso comparecer a uma reunião no Reino Sete em um mês, com a tia Alyssa.

— Que? Mamãe sabe disso? Eu não apoio de jeito nenhum, você não pode ir. Por que não leva a gente?

— Isso é tudo o que eu mais queria, Lumi. É perigoso fazer isso por hora, mas em breve vocês vão para lá, isso eu garanto. E como eu sei que você tem passado por momentos difíceis, e provavelmente passará por mais, quero dedicar esse tempo para te treinar. Eu e Amice realmente nos preocupamos com seu objetivo de caçar uma criatura perigosa, mas, como eu disse antes, eu confio em você, e isso não mudou. Então, vou te ensinar a usar uma espada e o básico de arte marciais dos estilos que eu sei.

Senti meu olhar baixar, foi como ter o peso novamente em meus ombros. 

Mas ele colocou uma mão sobre o meu ombro. 

— Você quer melhorar, certo? Vamos fazer isso. Enquanto eu não estiver, aqui a Emy vai ter o grande irmão dela. Você é o meu garotão, a magia nunca mudou e nem vai mudar isso.

Com um fraco sorriso, eu encarei os olhos dele. 

— Eu vou dar duro nesse treino, pai — Meu pai certamente tinha muito a acrescentar em mim, mas a ideia de vê-lo partir não descia. — Vou tentar absorver seus ensinamentos, mas lembra que eu gosto de começar bem leve. Eu odiei o ritmo de treino do Gerould e do Ataz.

— Hahaha — Kanro riu e bateu em minhas costas. — Vamos ver. O lugar para onde iremos não é exatamente bom para começar devagar. Vamos — Ele se levantou e esticou a coluna. Que alto. — está ficando frio.

Juntos e em silêncio, nós tomamos o caminho para casa.



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Não tive muitos problemas na minha vida. Ao menos não que pudessem me matar como os de agora. Com um valentão ou uma briga na fazenda eu podia lidar, Bruno e João podiam me proteger. Mas era coisa de criança. 

Desde que aquele minotauro se ergueu… Por quê?

Uma brisa razoável entrava pela janela do quarto, o silêncio era uma constante que me deixava aflito para pensar, fazia meu coração acelerar quando eu cogitava dormir.

Um mês de treino com meu pai no Bosque das Vozes. Eu definitivamente odiava aquele lugar. Apesar de tudo, ele ainda escolheu confiar em mim, me deixar lutar, me defender e me ensinar. 

A maioria das famílias deixam os mais novos saírem em missões em grupo com dezesseis anos, mas nenhum deles sofreu como eu sofri. Me admira a confiança que meus pais tem em mim. 

Pensei que ele fosse me proibir de ir à luta e de sair em alguma missão — Amice não ficava fora dessa —, mas eu podia tentar. Ainda era inútil contra o mascarado que me atacou, e com certeza não teria a mínima chance contra o que Bruno e os outros enfrentaram.

Lancei a mão para o teto, e a pedra deixada pelo goblin trouxe um pequeno brilho verde pelo quarto durante alguns instantes. 

— De novo… Você realmente tem algo que possa me ajudar? 

Novamente a brisa veio levando minha cortinas, e todos os meus pelos eriçaram. A mesma sensação dela! Corri para a janela, meus olhos varreram com pressa todas as ruas próximas, a praça e até parte do chafariz. 

Eu tinha certeza que ela era real. Aquela Voz que cobriu meu braço com algum tipo de luz. Sem ela eu teria morrido pelo menos umas três vezes. Mas por quê me ajudar? Era um tremendo poder, uma tremenda presença. 

E se despediu de mim dizendo que eu devia alcançá-la em algum lugar. 

Deixando uma risada falsa escapar, meu corpo finalmente foi a cama, pesado. 

— Eu queria entender isso… — Minha consciência ia embora. — Queria entender tudo.

Quanto mais perto do mundo dos sonhos eu chegava, mas complicado era aceitar a ideia que eu, algum dia, poderia servir a um rei.



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