Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 1

Capítulo 18: Na presença dele

Deixei o ar sair lentamente enquanto eu encarava o teto do quarto. 

Foi satisfatório me sentar sem sentir a dor latejante nas costelas, enfim. 

O sol da manhã alcançou os meus olhos pela brecha da janela. O eco das vozes das ruas — ao invés de apenas aves e o sacudir das árvores — ainda me incomodava um pouco. 

Como falavam tanto a essa hora da manhã!? 

 Fechei a janela com força.

Morar no meio da cidade estava um pouco distante do plano dos meus pais, mas só havia esse jeito depois da casa desabar e os arredores ficaram perigosos. 

Eu sentia falta da fazenda, dos guardas, dos tempos de paz… 

Por mais que eu quisesse ficar em casa, hoje era o único dia para fazer o teste na guilda. Com isso, eu poderia pegar missões e me tornar mais forte. 

O time de coleta estava em uma péssima fase por minha culpa, porque eu fui fraco… 

Meus joelhos vacilavam quando pensava em visitá-lo de novo. Por mais que eu conseguisse sentir sua energia me pedindo para ficar, os olhares de horror e desprezo ainda me agonizavam em pesadelos. 

O que mais doía era que eles tinham razão. 

Uma lágrima escorreu quando a visão do homem que só me ajudou irradiou na minha mente, repassando em lentos quadros o seu braço voando por minha causa. 

O brilho reluzente da pequena pedra verde surgiu no canto do meu olho, e eu me virei para ele. Segundo aquele recado, essa pedra podia ser um sonho ou um pesadelo. 

Mas o que a porra de uma pedra podia fazer?

 Acima disso, alguém com força suficiente para enviar um anormal queria de alguma forma se comunicar comigo. 

Ou seria o próprio monstro? 

Um suspiro escapou quando vi meu pedaço de adaga escorregar para perto do item deixado pelo goblin e logo indo de encontro ao chão.

Eu não sei comprar armas de boa qualidade…

Peguei a arma velha e detonada e deixei uma leve risada escapar quando me olhei no espelho. 

Sempre surrado depois das lutas, não é?

Eu joguei dinheiro fora quando comprei essa armadura meia boca, ela se foi tão rápido quanto a espada de bambu e o escudo de madeira. 

Vesti meu casaco cinza e pus a adaga em minha cintura. Eu precisava avançar, custasse o que fosse. Marquei na parede o vigésimo risco e desci rumo a sala. 

— Bom dia — falei enquanto pegava um pão com ovo mexido. — Vou fazer o teste de nível hoje.

— Ótima ideia. Desta vez, você consegue — disse meu pai.

— Lumi só apanha — Zombou Emy, e começou a rir sozinha. — Fica em casa hoje.

— Haha, engraçadinha.

Aproveite bem a manhã de hoje, eles ficaram imensamente preocupados quando eu levei sete dias para acordar. Minha mãe, dia após dia, verificava se eu estava bem no quarto com a mesma intensidade de preocupação do dia do ataque. 

— Então você quer fazer missões da guilda… Posso tentar arrumar algum grupo para você. Sabe, sair em missões solo não é das mais seguras ideias.

— Não precisa, pai — Não depois de eu perceber que sou o para-raio de problemas. — Quero começar sozinho. 

— Boa sorte no teste, filho — disse minha mãe, sua feição encheu-se de preocupação. Ela abriu a boca e ergueu um dedo, mas desistiu de falar.

— Estou indo. — falei, antes de colocar a mão na cabeça de Emy, que me olhava com dúvida.

— Boa sorte, irmão.



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As ruas estavam com pelo menos duas vezes mais pessoas do que o normal. 

Os guardas — que antes eram poucos — estavam em todo canto, suas armaduras e armas brilhantes e novas, enquanto alguns tinham livros de magia marcados pelo símbolo do reino Enguerrand. 

Durante o caminho, eu vi a construção de novos estabelecimentos e comerciantes um tanto… diferentes. Karin era uma cidade que chamava pouca atenção, mas isso mudou. 

Eu queria realmente evitar chamar atenção desta vez, ficar famoso me traria mais desgraça. 

Anônimo como uma pedra, Kai.

— Ei, você não é daqui, é? — perguntei pra mulher que gritava com dois homens carregando livros. 

— Não, não sou. Não ficou sabendo? Sua cidadezinha virou área de perigo, o comércio tende a crescer e muito por aqui. Por que um pirralho como você se preocupa?

Quando abri a boca para retrucar, senti uma aura entre as pessoas se aproximando. Virei agilmente — a mulher ficou confusa — e vi pessoa após pessoa passar. 

Sem saber de onde essa aura vinha, eu dei um passo para trás. 

No meio da cidade? 

Uma mão tocou o meu ombro e eu segurei com força o antebraço do indivíduo. 

— Opa. E aí, Lumi — falou João, um tanto animado. — Para onde está indo?

— João! Eu vou para a guilda, não estou mais no time de Coleta…

— Que coincidência! Eu também estou indo para lá — João passou o braço sobre o meu pescoço e começamos a andar. — Vamos juntos.

— Espera. Você é Lumi Kai? O menino dos jornais?

— O que- — Virei o rosto para perguntar, mas meu amigo me puxou para frente.

— Vai ter uma festa para receber o rei, no pequeno castelo. Soube que algumas pessoas importantes vão… inclusive a Ellie.

— Não irei. Só vou passar vergonha no meio de tanta gente nobre e… eu tenho que treinar. — Se eu quiser viver, claro.

— Vamos, Lumi. Por favorzinho. Você sabe que vai ser bom… Bruno também vai.

Arqueei uma sobrancelha para ele e suspirei.

— Vou pensar.



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A guilda estava cheia. 

Paramos na fila de teste, mas infelizmente também valia para aventureiros novos. 

Desde o dia que eu consegui usar o poder na luta contra o goblin, houve momentos em que pude sentir a aura de quem chegava perto. 

Eu acho que… Eu via a mana, de certa forma. Conseguia ver ela correr pelo corpo.

João sempre demonstrou ter mana voltada para o ar, mas eu conseguia enxergar outro tipo de elemento nele. 

Muitos dos aventureiros de armadura tinham energias densas e grossas, como se usadas unicamente para proteger ou fortalecer. 

Magos a longa distância tinham a mana leve como água. 

Era possível sim utilizar diferentes tipos de elementos dependendo do meio de agitação da mana. 

Eram muitos traços e auras de variadas cores e intensidades, era difícil me concentrar e ler cada pessoa no local. 

Mas esse poder… consegui graças a luta contra o goblin e a última aparição daquela voz?

— Algum problema? Você quer brigar, seu merda? — disse o homem parrudo, seu tom e seus olhos emanando raiva. 

Droga, eu tava encarando ele. 

— Não, eu só- 

O homem ergueu seu enorme bastão de madeira mais grosso do que eu e apontou para mim, até que João ficou entre nós dois. 

Nossa, quando ele cresceu tanto?

— Olha, não queremos brigar. Só viemos fazer o teste.

— Eu também não ia querer brigar comigo. Quero que o seu amigo peça desculpas… de joelho. 

— Cara dramático… — sussurrei

O local, outrora barulhento, havia se tornado silencioso, e todos os olhares estavam aqui. Sussurros se espalharam e rostos confiantes apareceram. 

Eles olhavam para mim.

— É o menino do grupo de coleta. Cuidado com ele, Jaul — falou uma mulher que segurava uma lança dourada, e todos caíram em risadas. 

João rangeu os dentes e cerrou os punhos, uma corrente de ar se formou ao redor de sua mão, mas logo ele virou o rosto para mim em preocupação. 

Isso não me irritou, então dei um passo e fiquei de frente para Jaul.

— Vamos, eu não tenho o dia todo. Você teve muita sorte ficando famosinho.

— Sabe… Você não vale nem o meu tempo — Feições surpresas se espalharam pela plateia, e o cara grandão ficou com o rosto cheio de veias. — Leve esse lixo de madeira em sua mão com você para longe.

— Você vai pagar! — Jaul ergueu sua arma.

Quem lutaria com uma arma tão grande e pesada? 

Posicionei minhas pernas. Sua arma veio veloz de cima, mais rápido que os monstros que eu enfrentara. Mas se comparasse com aquele cara de capuz… 

Era lento

Ele parecia mais forte que um penumbra… eu acho.

Com medo do peso do ataque, coloquei meus braços na frente do corpo, quando uma aura amarela semelhante a pequenos raios paralisou o atacante. 

Parou?

— Que. Porra. É. Essa. — Ele falou com bastante dificuldade. A aura amarela cercou todo o seu corpo, inclusive a sua arma.

Graças a Deus parou.

Até que o som de passos ecoaram por toda área, e todos olharam para a mulher descendo lentamente as escadas. 

— Brigas não serão toleradas — Sua voz passava… autoridade. Todos ficaram nervosos. Seus olhos roxos e serenos brilhavam e fizeram muito dos marmanjos briguentos mais fortes daqui engolirem seco. 

— Pe-peço perdão. Este pirralho me insultou e eu ia ensiná-lo bons mo-

— Eu não lhe dei permissão para falar — Seus olhos cravaram em mim, mas eu mantive minhas emoções longe. 

Ela… acho que ela sorriu. Mesmo que muito pouco. 

O feitiço dela se desfez, e a mulher saiu da guilda casualmente enquanto todos a observamos em pleno silêncio.  

— É… Próximo, por favor — disse a mulher no balcão.

O preenchimento do formulário foi rápido.

João parecia animado quando entregou o papel ao atendente, seu poder começou a transbordar. Depois de afirmar cinco vezes que eu queria tentar mesmo sem ter magia, precisei assinar um termo sobre ser por minha própria conta e risco. 

Ou coisa do tipo, eu não cheguei a ler. 

Seguimos por um corredor bem iluminado, com tochas embutidas de magia presas nas paredes de pedras quadriculadas e lisas, enquanto seguíamos a moça. 

Havia várias portas de madeira, diversos sons de metais colidindo e leves estrondos nas paredes.

Ela abriu uma dessas portas e nós entramos. 

Era uma sala relativamente pequena, onde havia um homem de pé sobre o tatame cinza e uma mulher sentada atrás de uma mesa. Ambos nos lançaram olhares entediados, até que a pessoa que nos trouxe falou:

— Alvís, Briar. Eles vieram fazer o teste de nível. 

— Ah, mais dois. Venham até aqui — respondeu Alvís.

A moça que nos trouxe se retirou da sala, e nós andamos até a mulher chamada Briar. Ela pegou uma esfera azul — aparentemente de vidro — um pouco maior que a minha mão e pediu para o João tocar. 

O azul se agitou como se fossem enormes nuvens de uma tempestade, começando a girar freneticamente enquanto convertia-se para tom cinza e vermelho. João se afastou, e Briar anotou em seu pequeno caderno com uma caneta amarelo fosforescente. 

— Então… o que é isso? — perguntou o meu amigo. 

— Esfera de Lu'ir — Vendo a confusão estampada em nossos rostos, ela continuou. — É o item que pode, em potencial, interagir com a mana. Parece vidro, muitos pensam isso, mas é de um material achado em Alrofys. 

— Não enche os moleques, Briar. Eles só querem fazer o teste e ir embora.

— Fica na sua, Alvís. É importante saber de detalhes assim.

João prosseguiu para o pequeno espaço com chão de tatame após Alvís ordenar e começou a alongar. Eu olhei para Briar, que estava guardando a esfera. 

— Espera. E eu?

— Você é o Sem Magia. Por que deveria? Está escondendo um poder oculto de toda a nação? 

— Eu quero tentar — revirei os olhos. — Vai que tem um poder oculto em mim.

Com um revirar de olhos tão falso quanto o meu, ela estalou a língua e pegou a esfera novamente. 

Eu pus a minha mão no elemento azul, mas nada aconteceu. Briar me encarou com um ar de deboche e eu apenas olhei para o início do teste de João com o rosto quente.

Meu amigo projetou um chute coberto de ar para a cabeça do avaliador, que apenas esquivou inclinando a cabeça para o lado. João, ainda com a perna no ar, usou um segundo chute girando por trás. 

Alvís se inclinou para trás, e seu olhar de tédio se encheu de emoção. João estava sorrindo enquanto preparava uma enxurrada de socos cobertos por mana e ventos. 

Incrível, incrível, incrível!

João ficou muito forte. 

Alvís ficou na defensiva, mas seu olhar e o suor em sua testa… ele estava se esforçando mais do que esperava para desviar dos golpes de João. 

— Sabe, eu sou incrível. Não tem problema não ter chances contra mim — disse o avaliador um tanto ofegante.

Até que ele afastou o punho para trás e o cobriu com uma camada grossa de magia. João girou novamente e voltou mirando um chute na altura do golpe do avaliador. 

E tanto eu quanto Alvís e Briar nos impressionamos quando a perna do menino ardeu em chamas e criou uma corrente de ar quente para todo o ambiente. 

Hein? Chamas? Dois elementos?

— João Sato'ir, hoje, foi encabido a você o título de Penumbra por mim, avaliadora Briar.

Alvís repetiu as mesmas palavras enquanto meu amigo vinha sorrindo até mim.

— Eu consegui! Viu só!? — João abriu os braços e gritou.

— Eu vi tudo! Você usou dois elementos! — Andei até ele, batendo em suas mãos. — Como?

— É meu truque para vencer de Bruno.

— Sem Magia, você pode vir — disse Alvís.

— Certo, certo.

Por que me acostumei a ser chamado por esse apelido? Até que soa único.

— Bem, só ataque. Se eu atacar, posso acabar quebrando você — disse Alvís, antes de dar um longo suspiro desanimado.

— Você pode tentar me acertar — falei, meu olho focado nos meus punhos. 

— O que disse?

— Você ouviu, avaliador. Eu sou bom em esquivar.

— O que um moleque enfaixado que nem se recuperou dos machucados acha que pode fazer? — Com um sorriso escárnio, ele continuou. — Eu mudei de ideia, vou mostrar um pouco do que é dor.

— Porque todo mundo cisma em me bater… — falei baixo demais para qualquer um ouvir.

Sua aura logo se espalhou pelo corpo, mas antes dele conseguir erguer o punho nós ouvimos a porta se abrir. Todos se ajoelharam perante o grande homem que entrou acompanhado de dois guardas. 

Eu fiz o mesmo, já havia chamado atenção demais hoje. 

Fique anônimo, Lumi, como uma pedra

— Sua Majestade, é uma honra. Tem algo que possamos fazer para termos a honra de estar em tua presença? — disse Alvís.

Seu comportamento abusivo se esvaiu rápido demais. 

Impressionante o que a diferença de posição podia fazer.

Mas…

Era um rei. 

Ele estava aqui. Meu coração instintivamente bateu mais forte.

— Levantem-se, por favor — Todos fizemos conforme ele disse. — Meus guardas alertaram sobre Lumi Kai estar por aqui. Eu vim pessoalmente para ficar responsável pela avaliação dele.

O que? 

— Oh, si-sim, claro. Ele está ali — Briar Apontou para mim, implicando ainda mais com o meu nervosismo. 

Por que fiquei tão nervoso na presença de um rei? Se eu queria ficar forte a ponto de sobreviver aos Ritualistas, eu precisava encarar ele de frente. 

— Levante-se. 

Ficando de pé, encarei com firmeza os claros olhos verdes do homem robusto de barba. 

O manto vermelho tinha detalhes brancos ao redor dos pulsos e do pescoço — onde também caíam seus longos cabelos castanhos —, a coroa de ouro tinha uma jóia vermelha e nove espaços vazios, e em sua cintura havia uma espada curvada embainhada em uma capa de metal e um livro protegido por uma camada de aura branca. 

Aparência digna de um rei. 

— Eu vi as notícias. Um pequeno menino, do time de coleta, sobreviveu a diversos casos de anormalidade. Quero ver pessoalmente qual é o seu nível, fiquei curioso com o que você pode fazer. Por isso, Bofo, meu guarda, irá avaliá-lo hoje. Você concorda com isso?

Eu respondi casualmente:

— Sim, eu concordo, Majestade. 

Alvís e Briar se entreolharam, parecia que queriam soltar as palavras, mas as deixaram presas em suas gargantas. O avaliador saiu do tatame enquanto Cyrus andava até sua posição, ficando de frente para mim. 

Ele era alto, seus olhos calmos exibiam um cinza claro e seu cabelo preto caía sobre os seus ombros. A roupa dele era uma armadura de um couro resistente que continha magia. 

Havia apenas algumas partes de tecido preto nos joelhos e nos cotovelos, eu achei o visual dele bem legal. 

Os lábios dele se curvaram em um leve sorriso enquanto ele colocava a mão no seu bastão de madeira protegido por magia. 

Puxei meu pedaço de adaga da cintura e me olharam confusos e curiosos.

— O arsenal daqui possui uma incrível variedade de armas, fique à vontade para trocar — comentou o rei.

— Não, estou bem — respondi sem tirar os olhos de Cyrus. 

— Eu, Rei Alud Enguerrand, permito a avaliação de Lumi Kai através do meu guarda, categorizado como Fulgor, Cyrus. Que o duelo de inicie. 

Nos cumprimentamos, e rapidamente fui recebido pelo bastão mágico dele. 

Que velocidade.

Usei minha adaga para bloquear, mas mesmo assim precisei forçar as pernas para evitar ser arrastado no chão. Cyrus lançou uma série de golpes com a ponta de sua arma, os quais eu defendia enquanto recuava em curtos passos. 

Chegando na beira do ringue, me impulsionei para o lado, evitando o golpe que me derrubaria. Cyrus estava bem calmo, em nenhum momento seus olhos desfocaram dos meus. 

Fui incapaz de achar alguma brecha, seus passos eram perfeitamente alinhados com o seu bastão, enquanto o controle de magia condizia com a velocidade e o movimento que ele realizava. 

Isso era um Fulgor. 

Então que ele deu um ataque mais forte. Ele bateu no meu punho com o bastão e por um momento eu larguei a minha adaga. 

Eu comecei a ver o quão leve ele estava pegando comigo quando enxerguei o número imenso de brechas que eu deixei. 

Cyrus puxou seu bastão para trás e mirou na boca do meu estômago. Largando a minha adaga para cima, agachei e vi o seu bastão passar rente ao meu nariz. 

Dei um giro e, por um único segundo, ficamos de costas um para o outro. Peguei minha adaga que caia velozmente do ar e bloqueei o golpe por um triz, ficando a um dedo do meu olho. 

Ele estava pegando leve mesmo?

Pulei para trás e fiquei em posição de ataque. Cyrus girou o seu bastão e o posicionou pelas suas costas, segurando ele de uma maneira peculiar. Avancei, pulando no ar com a adaga mirada em seu peito. 

Cyrus segurou o bastão com as duas mãos e se preparou para me bater como se eu fosse uma bola. A arma dele veio com pressão até mim, mas eu cravei minha adaga quebrada nele e consegui girar no ar, mirando meu calcanhar no queixo do guarda do rei. 

Mas eu vi o rosto do meu ex-líder ali. 

Levei um golpe nas costelas que contorceu o meu corpo e me arremessou contra a parede. Grunhi de dor e cuspi um pouco de sangue, e as palavras do rei chegaram abafadas nos meus ouvidos. 

— Fim! 

João veio até mim e me ofereceu a mão, em seguida passou o meu braço sobre o seu pescoço e me ajudou a andar até o centro do tatame. 

— Você foi incrível — sussurrou ele.

— Quero que um cartão de nível Sombra seja feito para ele. Coloquem também permissão para aventureiro — disse o rei. 

A desaprovação estava explícita no olhar dos avaliadores, mas apenas concordaram e seguiram as ordens dele. 

— Lumi Kai, creio que isso seja o suficiente. Por favor, prossigam com a avaliação.

Todos nos curvamos novamente quando o rei se foi ao lado de seus guardas. O silêncio permaneceu no ambiente por quase um minuto inteiro. 

Ele realmente veio aqui me ver. 

Me testar.

Quando foi que as coisas começaram a cair na minha mão? 

João levantou os braços e gritou:

— Você passou! Ainda conseguiu permissão para se aventurar. Tudo bem que foi o rei Enguerrand te avaliou… mas você ficou famoso. É… Fez sentido quando eu pensei.

Íamos sair, mas ouvi Alvís dizer, irritado, do canto da sala:

— Sua sorte irrita as pessoas, moleque. Os nobres com certeza vão mostrar o nada que você é. 

— Talvez não seja sorte, Alvís — falei sem olhar para ele. — Estamos de saída. Então, com sua licença. 



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Senti a brisa quente bater no meu rosto. Talvez a piscina de Karin já estivesse aberta. Sentamos em um banco próximo a entrada da guilda após comprar dois copos de açaí. 

— Como você consegue ser tão ágil? Da última vez que te vi lutar você fez a mesma coisa. 

— Eu que devia perguntar, João. Como você usou outro elemento em menos de um ano? Um mês atrás você só usava ar. 

— Meu amigo, você ia gostar de saber do meu treinamento secreto para ficar bonitão — Meus lábios se curvaram fracamente em um sorriso, coisa que eu não fazia há tempos.

— Com licença, senhores. Eu poderia dar uma palavra com você, Lumi Kai?

Meus olhos encontraram os do homem que segurava uma xícara que ainda expelia fumaça. Ele vestia um terno preto, seus cabelo era loiro e estava penteado para trás e seus olhos tinham um belo tom de verde com traços azulados. 

Um nobre? Sou reconhecido pelo pessoal que tem dinheiro?

Ficamos um longo minuto nos encarando, até ele falar:

— Perdão… Eu estou incomodando? 

— Não, é que eu ainda não me acostumei com pessoas desconhecidas chamando pelo meu nome. Pode falar.

— Haverá um evento amanhã que trará alguns nobres da região e do reino dez, seria bom que você fosse. Dito isso, aqui está o convite que eu formalmente entrego a você — Ele estendeu a mão com elegância e eu fiz o mesmo para pegar o convite. — Há alguém que gostaria de ver-te, tenha certeza que, caso decida ir, não irá se arrepender. 

— Obrigado pelo convite. Qual é o seu nome?

— Você saberá em breve, Kai. 

O homem foi embora, eu e João nos entreolhamos.

— Bem, agora você vai no evento. Tudo bem que um desconhecido te convidou, mas ainda é um convite. E considerando que a Ellie vai e você está famosinho, é melhor a gente ver um terno. 

Deixei um suspiro de derrota escapar e segui o meu amigo rumo a uma loja enorme de roupa. 

Talvez eu devesse ir, com pessoas importantes lá eu poderia ter a chance de ficar um pouco mais forte. 

E finalmente eu vou ver ela. 

Coloquei em prática o que ela me ensinou e… um sorriso se expôs em meus rosto, levando embora, por um momento, o clima negativo dos últimos dias. Não iria negar essa carga de felicidade. Não agora.

Vou ficar o mais bonito que posso.



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