Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 1

Capítulo 10: O último segundo

Disparei uma série de socos enquanto João usou uma sequência de chutes. O mascarado usou uma mão para cada um, manteve um ritmo defensivo e andava para trás enquanto evitava ser acertado pelas rajadas de ar de João. 

Ele mirou um soco bem em minha traquéia, mas fui salvo por um pequeno círculo de água que se formou naquele exato instante. 

João conseguiu tocar sua barriga com o punho. O inimigo grunhiu e abriu os braços, e sua energia havia se tornado mais opaca. Ele tentou esmagar o crânio do meu amigo, mas eu o protegi levando a água até os lados de sua cabeça.

Nós três demos um passo rápido para trás. 

Por um momento, notei faíscas de fogo se formarem na perna esquerda de João. Pisquei duas vezes. 

Impossível, ele era elementar de ar. 

Voltei meu foco ao indivíduo mascarado, que estava com as mãos na cintura. Segurar ele aqui significava… Se de fato conseguíssemos, o reforço poderia nos ajudar. E se eu falhasse, não alcançaria Lumi…

Ergui os braços, coloquei a mão esquerda na altura do meu abdômen e realizei um movimento circular com o braço direito. João me olhou confuso, mas logo entendeu. 

Fechei os olhos, me deixei sentir cada partícula de água que vinha dos céus, cada mínima gota que tocou as minhas vestes. Inspirei calmamente, e logo minha aura branca surgiu cobrindo o meu corpo enquanto eu imbuia meu elemento.

Ataquei novamente, só que, desta vez, ele usou as duas mãos para bloquear o meu soco, e o chão estremeceu. João pulou por cima de mim e, enquanto girava, acertou um chute no ombro do inimigo. 

Eu precisava atacar mais. 

Sem dar tempo para ele respirar, eu acertei um soco no seu estômago. O inimigo reagiu bloqueando o próximo chute de João. Ele girou o meu amigo no ar e o bateu contra o chão, enfiando uma adaga vermelha na perna dele em seguida. 

João berrou e não conseguiu se levantar. 

Tentei socá-lo, mas uma energia cobriu suas costas e repeliu o meu ataque. Eu, por um instante, fiquei com os braços apontados para o ar, e o mascarado acertou um chute giratório em meu estômago.

Bati contra a parede de um edifício, e ele surgiu na minha visão. Eu podia ouvir sua risada maníaca enquanto ele me afundava na parede, cada soco que colidia com o meu corpo era mais pesado que antes. 

Minha visão começou a escurecer, meu corpo estava fraco, minha aura sumia e meu reservatório de energia se esgotava. Tentei cruzar os braços para minimizar o dano, mas parece que ele podia afetar até os meus ossos. 

Utilizando uma energia mais densa, ele afundou o braço em minha barriga. Vomitei sangue sem parar e me senti indo ao chão. 

Ele cobriu o outro braço com energia e acertou em cheio o meu olho direito. Gritei enquanto caia de joelhos. A dor me fez chorar, parecia que era impossível reagir. 

Droga, droga. 

Apoiei os braços para vê-lo andar em direção ao meu amigo. O mascarado segurou ele pelo pescoço e virou o rosto para mim. 

— Sabe… Eu realmente considero você uma ameaça em potencial, Agraciado. Preciso admitir que esse seu amigo — Ele virou o rosto para João — me surpreendeu também.

— Por que veio aqui? Não tem nada a ganhar em Karin — Tempo, Bruno. Ganhe tempo.

— Só precisa saber que eu queria encontrar alguém forte, mas essa cidade ridícula não tem ninguém capaz de arranhar a minha máscara — Ele resmungou em tédio. — Há missões chatas e há missões legais. Está, no caso, é a primeira opção. 

Uma rajada de fogo veio dos céus, fazendo um estrago no braço que segurava o meu amigo. Ele grunhiu, pude sentir a frustração crescer dentro dele. 

A menina de olhos amarelos, Kashi, posou entre ele e o João. Ela estava segurando duas espadas em chamas, seus cabelos amarelos soltavam faíscas de fogo, seu corpo parecia emanar uma espécie de vapor em aura. 

— Talvez eu seja capaz de machucar você — Seu tom feroz. — Para trás, ou você vai passar na enfermaria antes de ir para a prisão.

Esperança, foi a primeira palavra que veio à minha mente. O braço do inimigo estava sangrando, o cotovelo dele — outrora protegido por energia — foi reduzido a carne viva. 

A menina analisou o estado de João e logo o meu. Os olhos dela tinham uma tonalidade de amarelo e vermelho combinados, talvez fosse… como uma espécie de transformação. 

— Consegue se levantar? O reforço está a caminho — Ela direcionou o olhar para o mascarado, que, novamente, cobriu o braço com energia. — Leve seu amigo daqui, enquanto eu faço ele pagar. 

Gesticulei positivamente com a cabeça, mas meu corpo estava exausto. Fui incapaz de reagir, meus braços pesavam como pedras, meu olho ardia e pulsava mais e mais a cada segundo. 

Foca, Bruno, você ainda precisa encontrar o seu amigo. 

Kashi cravou suas espadas na adaga vermelha dele, o baque foi tão forte que um zumbido alcançou os meus ouvidos. Eles iniciaram o combate, mas nossa amiga tinha muito poder ofensivo. 

Cada golpe dela trazia uma rajada de fogo capaz de torrar o chão, mesmo com a reação do mascarados de tentar cortá-la foi ineficaz. 

Por que? 

Parecia que os cortes eram repelidos por uma defesa instantânea no meio do fogo. 

Ela esticou o braço enquanto mirava no pescoço, mas ele se abaixou, jogou os joelhos para frente e inclinou a coluna para trás. 

Era uma armadilha

Ele pôs a mão no chão para se posicionar e mirou a adaga no peito dela. A feição de Kashi era repleta de desespero, ia ser um golpe fatal. 

Porém ele esqueceu de mim.

Estiquei o braço, abri as mãos e forcei-me a sentir as poças de água nos arredores. Veio uma dor de cabeça horrível, mas funcionou. Cerrei o punho e uma barreira se firmou na frente da minha amiga, bloqueando a adaga dele. 

Ela aproveitou a chance e se afastou. Pela forma como a respiração dela estava pesada, eu podia dizer que usar essa quantidade de poder era demais. 

De pé, analisei o cenário por um momento. 

Isso iria me esgotar por dias. 

Manter ele aqui e esperar o reforço era o foco principal, e ele com certeza percebeu isso. 

O que me levou a pensar que podíamos estar sendo enganados. A energia dele está longe de acabar e mais distante ainda de chegar ao máximo. A dor de cabeça e o meu olho latejar fizeram-me cambalear, mas me recompus. 

Ele só queria ganhar tempo, por quê? Eu deixei passar algo? 

Um pesar atingiu o meu peito quando considerei a possibilidade dele estar envolvido com o incêndio na floresta onde o meu amigo estava. 

Engoli seco, minhas mãos formigavam e o sangue pulsando no meu ouvido ficou mais alto. Porra. Ver o inimigo com a espada atrás da minha amiga me trouxe de volta a realidade.

— Kashi! — Gritei, enquanto via ela levar um corte nas costas.

Ela caiu de joelho, e — como antes — eu sabia que ele iria continuar. 

Preparei novamente meu feitiço, mas uma flecha que veio dos céus destruiu a adaga de magia dele. Kashi caiu de joelhos e uma outra pessoa entrou em sua frente. 

Cabelos pretos, usava uma calça legging e uma camiseta escura. Ela segurava uma lança de madeira com a ponta de metal. 

Eu nunca vi ela. 

— Fique longe da minha irmã! — Ela disse em um tom ameaçador, pude sentir sua aura acompanhada de frustração. 

João ficou de pé apoiado sobre uma única perna. Havia sangue e hematomas por todo o seu corpo, mas ele estava ali. 

Kashi se levantou e deu um fraco sorriso para a irmã, logo apontou suas duas espadas para o inimigo e posicionou as pernas; porém, o fogo de suas armas havia cessado. 

Uma outra garota surgiu do telhado de uma casa com um pulo, ela entrou no campo de batalha e apontou o arco para o inimigo. 

Ela tinha lindos olhos azuis claro, seu cabelo preto liso escorria pelos seus ombros. Seu arco e flecha era de madeira branca e sua aljava de couro continha três flechas azuis. 

Dei tudo de mim para ficar de pé. Agora estávamos em cinco. Ele permaneceu estático, aguardava calmamente nosso próximo movimento. Me perguntei o quão forte de verdade ele era… 

Era uma informação importante para quando eu fosse caçá-lo. 

Sua máscara bisonha se virou para mim. Ele ergueu o braço e apontou o dedo indicador. 

Merda. 

Mas, diferente do que eu esperava, ele riu. 

— Salazi Gót — disse o sujeito, seu tom calmo. — E você, Bruno Lewis… você perdeu. 

Salazi virou as costas e correu. Me vi incapaz enquanto ele fugia, meu corpo se recusou a persegui-lo. Com exceção de João, os outros correram atrás dele. 

Áki lançou uma flecha capaz de criar um rastro no chão, mas o inimigo a segurou com a mão sem nem mesmo olhar para trás. Cerrei os dentes ao pensar nele. 

Covarde. Eu iria matá-lo, ele não sairia impune. 

Foi quando eu finalmente me toquei, um rastro de energia chegou ao meu radar, como uma pequena formiga enfrentando um elefante. 

Novamente, senti meu coração pesar. Analisei a energia com mais clareza; Era familiar, era uma pessoa incapaz de acessar magia… e ela estava sendo atacada. 

Ouvi João me gritar quando disparei na corrida. Eu podia ceder a qualquer instante, mas nada disso importava. Ele estava ganhando tempo para outra pessoa matar o meu amigo. 

Como eu deixei isso passar? 

Virei em um corredor escuro, uma rua antes do chafariz, onde eu senti a energia.

Esses mascarados iriam pagar, eles sentiriam a minha fúria. 

O peso do cansaço me atingiu como uma rara magia de gravidade, e senti a minha cabeça ir em direção a parede. Forcei minha perna para continuar de pé. 

Força, Bruno

Antes de sair do corredor, eu fui ao chão, a escuridão pouco a pouco consumia meu único olho aberto. 

Saí do corredor e, naquele instante, senti a gota de suor que descia sobre o meu rosto, o tempo estava mais devagar que o habitual e o silêncio cessou o latejar em meus ouvidos. 

Lumi acabara de levar um corte de uma espécie de arma escura. O homem de capuz verde ergueu a sua arma e rapidamente se posicionou para cravá-la no peito do meu amigo já semimorto. 

As batidas do meu coração se tornaram o único som presente, e o arregalar dos meus olhos foi como levar um soco graças ao dano anterior. Minha visão embaçou com as lágrimas que se formaram, e eu chorei quando fechei os olhos. 

O tempo, a situação, o perigo, o mascarado, ele. 

Nada mais importava. 

Até que o encapuzado virou para mim, seus olhos vermelhos emanando puro ódio. Eu apertei tão forte a minha mão que minhas unhas perfuraram a palma. O escudo de água havia se formado ao redor de Lumi. 

Caralho, eu consegui. 

Mas aquele olhar fixou-se em mim. A pressão da sede de sangue portava uma enorme aura assassina, o fato de estar na presença dele fez minhas pernas balançarem; ele era pior que o outro. 

Ele mirou sua adaga sombria e a balançou, causando uma pequena barreira de poeira. 

Lascou. 

Peguei o sinalizador e apontei para cima. Era minha única chance, lutar estava fora de cogitação. Mas nada aconteceu quando apertei o gatilho. 

Ele se aproximou com um único passo enquanto eu tentava desesperadamente acionar esta merda. 

Abaixei-me para esquivar do seu ataque, mas meu corpo estava fraco e foi direto ao chão. O sinalizador quicou até perto do chafariz, minha única esperança se afastou de mim. 

Rolei para desviar de seus chutes. Pareciam estar carregados por um tipo diferente de mana, algo próximo a magia sombria com mais densidade. Um golpe desse podia destruir minhas costelas. 

Então Lumi…

Fiquei de pé e tentei acertar-lhe um soco. Apesar dele ter desviado facilmente, eu consegui manter um golpe a cada desvio. Meus ferimentos tornaram tudo mais complicado, mas a água estava me ajudando… sem que eu tivesse que usar mana. 

Sua adaga raspou em minha barriga, e foi como se ele tivesse acertado a superfície de uma lagoa. Girei o corpo e acertei um chute giratório em sua barriga — foi o suficiente para ele se afastar, mas minha perna parou de reagir. 

Ele quebrou a distância em um único passo rápido e deu um soco recheado de sombras direto no meu estômago. Voei até estar a dois metros de distância do chafariz —  e a um metro do sinalizador. 

Eu sabia que iria perder em uma luta, mas eu vim com outro objetivo. 

Ele desfez a adaga e começou a andar em um ritmo lento. Fiquei de pé apoiado em uma perna e deixei um sorriso escapar, sua expressão confusa me deu confiança para realizar o meu plano — ergui os braços e abri o máximo que pude os meus dedos. 

Eu estava com uma perna inativa, um olho sem funcionar, meus cabelos caíram e grudaram por causa do suor e do sangue e eu podia sentir algumas costelas quebradas. 

Hahaha.

— Você esqueceu… — Ofeguei. — O meu elemento é água.

Toda a água do chafariz se formou em uma enorme onda atrás de mim. Ele tentou perfurar a barreira que protegia Lumi, mas seus punhos foram ineficazes contra meu escudo circular. 

Lancei a onda como uma serpente no inimigo, isso o fez cruzar os braços e canalizar uma quantidade absurda de energia negra nas pernas. Com o tempo que consegui, agachei e peguei a porra do sinalizador. 

Atirei para cima sem pensar duas vezes, e, de joelhos, vi o inimigo se aproximar. 

— O Epílogo deveria ser aqui, Agraciado pelo Dom — Foram suas últimas palavras antes de sumir da minha visão que estava escurecendo.

Bati o rosto contra o chão, se levantar estava além da minha capacidade. O escudo ao redor de Lumi se desfez, e ele parecia tão péssimo quanto eu. 

Ouvi várias vozes gritarem o meu nome, acho que era algum cavaleiro real do reino dez. 

Que bom. Eu realmente tentei. 

Que apelido é esse de “Agraciado pelo Dom”? Oh, talvez eu devesse pensar nisso quando…

Sentindo minhas forças me abandonarem, eu dei um último suspiro antes de ceder a exaustão.



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