Reencarnação Através das Eras Brasileira

Volume 1

Capítulo 19: A Era de uma Fracassada, Parte 2

Maquinários operavam um paciente em estado grave. A tecnologia utilizava tudo ao seu alcance para manter o sujeito vivo, na companhia de uma jovem angustiada. Dias antes de sua competição nos Jogos da Folia, Proxie conversava com seu pai em uma visita na área especial do hospital.

— Você me assustou, pai. Já faz um tempo desde que passou por uma crise dessas. Aquele moleque deve ter falado algo indevido. Não se esforce muito, tudo bem?

Acoplado no cérebro do homem, um aparelho permitia a comunicação com sua filha, uma vez que palavras não podiam ser pronunciadas pela boca deformada.

— Quem… era…?

— Apenas um idiota que eu conheci recentemente. Não precisa se preocupar com ele.

— Ele… está no seu esquadrão…?

— Parecia ser o caso, mas, Falco o contou sobre a minha situação. Qualquer um desistiria depois de descobrir o meu ranque. Algumas coisas nunca mudam. 

— Proxie…

Dedos ansiosos coçaram a mente aflita, a qual tentava pensar nas melhores palavras para noticiar uma tragédia ainda não explicada. Lábios trêmulos tentaram aliviar a situação, a partir de uma expressão forçadamente positiva.

— Ah, eu quase ia me esquecendo. Enquanto pilotava, acabei sofrendo um acidente. Eu duvido que aquela lata-velha volte a funcionar novamente.

— O que…?

— Sem um meio de transporte, eu não consigo procurar por relíquias. Por isso, preciso pedir para te colocar em outro esquadrão. Dessa forma, você vai conseguir receber um tratamento ainda melhor!

— Proxie… desta vez… sou eu quem tenho que te fazer um pedido…

Surpresa com a frase que chegou em seus ouvidos, a garota questionou a integridade da própria audição. O apelo sincero do parente fugia completamente de qualquer expectativa já criada.

— Hein?

— Você pode… Consertar a nave por mim…?

— Está pedindo isso para mim? Sequer ouviu o que disse?

— Eu confio… Esse pedido a você…

— Confiar em mim? Isso não faz sentido!

— Eu simplesmente confio…

A ouvinte abaixou a cabeça, na busca de não olhar diretamente para quem a encorajava. Ombros tensionados não se permitiram relaxar perante a crença descabida de Hawk, cujas esperanças na filha a concediam um fardo que ela não poderia carregar.

— Eu não mereço essa confiança!

— Merecer…? Isso não existe, Proxie…

— Não é verdade!

— Há aqueles que chegam ao topo… e aqueles que se mantêm no chão… Isso é tudo.

— Eu não consigo fazer isso.

— Tudo bem… Eu confio em você da mesma forma.

— De onde vem essa certeza estúpida?! Durante todos esses anos, nenhuma ajuda que recebi fez sentido!

— Não precisa fazer…

Incapaz de levantar o rosto novamente, os olhos da garota se fixaram na sua perna protética. O metal marcava a pele de quem o vestia com cicatrizes permanentes, originadas de erros irreversíveis. Fracassos passados haviam culminado na observação deprimente das pupilas desacreditadas.

— Mesmo com todo esse apoio, nunca consegui retribuir com uma conquista sequer.

— Alguém que utiliza todas as suas falhas para ir mais longe… é capaz de alcançar o imaginável…

— Eu não entendo. Por que insistem tanto em acreditar em mim?

— Algumas coisas simplesmente são como são…

— Hein?

— Não importa quem você seja, ou o tamanho de seus fracassos… sempre haverão aqueles que estarão dispostos… até mesmo a morrer por você…

— É um desperdício.

— Não importa quantas vezes você caía, mãos continuarão sendo estendidas na sua direção. Tudo o que precisa fazer é escolher entre agarrar e se levantar… ou continuar no chão…

— Escolher?

— Quem você quer ser, Proxie…?

***

Memórias íntimas evidenciaram o clímax dramático. No ápice da competição, tremores fervorosos dominaram o embate próximo do fim. Os Jogos da Folia se aproximavam de um desfecho avassalador, quando restavam apenas três minutos para o amanhecer. Ao se segurar na prótese fincada no chão, Proxie ouviu as palavras desafiadoras de Falco.

— Uma eterna fracassada ou uma mera desistente. Qual dessas você quer ser, Proxie? 

— Agora eu entendo o porquê dessa pergunta soar tão estúpida.

— Tsc. Você nunca aprende.

— Não importa quem eu quero ser. Eu sou uma fracassada.

— Patética.

— É irrelevante pensar se vou cair ou não. Pois, quando cair, eu devo levantar, utilizando tudo ao meu alcance.

— Que seja. Isso logo vai acabar.

A vibração do piso de mármore impedia qualquer tentativa de aproximação à dupla favorita, através de abalos que tornavam impossível o simples ato de andar. Nenhum passo poderia ser dado pelos desafiantes, constantemente ameaçados a enfrentar a queda derradeira.

Proxie colocou todo o seu peso sobre a perna metálica, como um navio que se estabiliza no eixo de sua âncora. Determinada a se reerguer, a garota apostou as últimas forças no movimento ilógico, à medida que seu torso gradualmente se desdobrava em uma postura ereta. Seus olhos eram finalmente capazes de encarar os oponentes de frente.

Segundo após segundo, as chances de sucesso da equipe de ranque mais baixo diminuíam drasticamente, conforme o horário noturno se preparava para ceder ao nascer do sol. Apenas um minuto separava Falco e Kazo da vitória definitiva, no despertar iminente da Relíquia do Amanhecer.

— Alguém disposto a morrer por mim? Em condições específicas, talvez essa idiotice seja mesmo possível — murmurou a jovem consigo mesma, enquanto relembrava o discurso do pai.

— Está quase na hora de dormir, escória.

— Falco, você vai pagar por tudo o que fez!

— É isso o que vamos ver.

Apta para gritar no auge de sua determinação, aquela com a letra F estampada em seu traje proferiu uma ordem para os ouvidos atentos do companheiro loiro. O momento de decidir a disputa havia enfim chegado.

— Moleque, me leve aos céus!!!

— Hehehe… Claro!

Portais se conectaram para abrir um caminho místico até o teto da caverna. Sob os pés de Proxie, uma passagem concedeu a travessia pelos ares, originada pelas mãos habilidosas de Roccan. Dezenas de metros de distância separaram a garota do chão, em uma ocasião perfeita para o uso do planador preso em suas costas. O dispositivo se abriu em duas asas, permitindo-as rasgar os céus com a velocidade do percurso aéreo.

— Já é tarde demais para acordar, pirralha. Qualquer esforço agora é inútil! — declarou o alvo da investida.

— Senhor Falco, ela está vindo atrás de você. Prepare-se.

— De onde veio essa preocupação, Kazo? Ela apenas se rendeu ao desespero. Aproveite a brecha e derrube aquele moleque idiota!

— Isso não será grande coisa.

Tremores abalaram intensamente os arredores de Roccan, no objetivo de atacar seu breve momento de vulnerabilidade. Ameaçado a cair, o rapaz voltou a utilizar seus poderes de maneira defensiva, enquanto partículas rosas o impediam de encostar no piso estremecido, ao formar passagens místicas que sempre o reposicionavam no momento crítico.

Direcionada até Falco, a garota com o planador pairou sobre a cabeça almejada, quando as asas do dispositivo se recolheram para proporcionar a descida derradeira. A perna metálica foi erguida para frente, posicionada para atingir o oponente durante a queda iminente. Proxie despencou pelos ares, rumo ao golpe final contra o adversário de longa data.

— Aqui vou eu, Falco!!!

— Tsc. Você realmente nunca vai mudar.

— É isso o que eu também costumava pensar.

— Acha que agora vai ser diferente?

— Não importa se as coisas vão ser as mesmas desta vez. Tudo o que eu preciso fazer é continuar tentando amassar essa sua cara!

— Essas são, sem dúvidas, as palavras de uma fracassada.

Um desvio inesperado colocou a garota em cheque. Após errar o chute decisivo, Proxie despencou rumo ao chão. Prestes a entrar em contato com a superfície que decretaria a sua derrota, ela conferiu uma última vez a expressão de quem a enfrentava.

Ombros relaxaram depois de um suspiro aliviado, à medida que o líder do esquadrão favorito podia finalmente abaixar a guarda. O medo de perder a dignidade se esvaiu, conforme o resultado esperado se aproximava da concretização. Os segundos finais do combate pareciam conduzir a atacante fracassada para um destino já conhecido. Mais uma vez, a derrota se preparava para assombrá-la. Reflexões infelizes tomaram a figura em queda, a apenas alguns metros do piso de mármore.

“Se eu não derrotar esse desgraçado aqui, a Relíquia do Amanhecer vai ser ativada, e o moleque vai cair logo depois de mim. A nave vai ser perdida para sempre”, pensou a mente em apuros.

Berros fervorosos evidenciaram os ânimos da torcida, cuja crença na vitória do esquadrão de maior popularidade atingiu o seu ápice. Dando sequência ao alarde da plateia, luzes verdes iluminaram a arena, ao conceder o passe livre para a conquista dos mais fortes. Contrária às expectativas da multidão, Proxie também se animou com o brilho da iluminação.

— Os gritos! É a nossa chance!

— Do que está falando? Você já perdeu, escória.

— Moleque, mais uma vez!

— Claro! — respondeu o convocado.

Antes que a garota pudesse encostar no chão, um portal se abriu sob seus pés. Postergando a conclusão da disputa, Roccan reposicionou a companheira com uma passagem que a levou aos ares uma outra vez, bem acima da cabeça do oponente distraído.

Em resposta imediata, Falco ergueu ambos os braços para bloquear o chute da adversária determinada, mas qualquer força era incapaz de conter o impacto daquela que despencou contra ele. 

— Impossível! Eu nunca vou perder para você, pirralha atrevida!

— Tire as mãos do meu presente, Falco!!!

Uma colisão avassaladora. O homem foi esmagado pelo peso da perna metálica, após receber o golpe da oponente. O rosto atingido foi ao chão, caindo inconsciente. Quietos, os torcedores mal conseguiam acreditar no que acabara de ocorrer, quando faces boquiabertas encararam a jovem triunfante.

A partir de uma pausa repentina na ação, o solo se estabilizou, em um fenômeno que enfim permitiu ao apresentador do evento voltar para a arena. Perplexo, o profissional reuniu todo o ar que restava em sua garganta para fazer o anúncio alarmante.

— M-Meus olhos só podem estar me enganando! Falco é o primeiro eliminado da disputa!!!