Volume 2
Capítulo 63: Inventário Interno
— Xiiiii… o negócio foi feio aqui.
— Caralho, isso vai dar uma dor de cabeça pra limpar. Quem você acha que foi?
— Sei lá, pouco me importo também, mas a galera do instituto vai ficar zangada, é melhor procurarmos o culpado.
— E os corpos…?
— Depois alguém aparece pra limpar.
Os dois garotos olharam uma última vez para os três corpos e seguiram em direção à praça de Eragon, deixando o cenário horrendo das fazendas intocável.
Kurone cambaleava em meio à escuridão da madrugada. Se não bastasse o fato do fluxo de mana desordenado no corpo, alguém apareceu quando ele chegou próximo à rua da catedral…
— Você parece bem cansado, por que não dorme, talvez eternamente, aberração? — A voz irritante de Annie perturbou sua audição.
Ele não sabia se era apenas alucinações por conta da falta de remédio ou a verdadeira deusa, mas ela o irritava sem parar.
O jovem carregava em uma das mãos a Boito .20 e, na outra, a máscara que pertencia ao supervisor morto pelas flechas. Por sorte, ninguém andava pelas ruas escuras, então ele conseguiu andar sem causar alvoroço, mas para aonde iria?
A visão turva não permitia nem mesmo saber onde ficava o caminho para o instituto, sem falar que havia um Duque solto por Eragon, ele não podia baixar a guarda.
E para complicar ainda mais, a máscara não estava se dando bem com o sangue de Santo, ela queimava impiedosamente a mão, querendo se libertar dele.
— Por que não se mata logo? — Mais uma vez, a deusa Annie sussurrou palavras provocativas em seu ouvido e desapareceu em seguida.
Kurone até tentou acabar com ela com tiros da Boito, mas foi uma tentativa em vão, ela desaparecia e logo retornava com palavras irritantes. Era algo muito pior que as provocações de Rory.
Em breve amanheceria e uma multidão de moradores com expressões mortas causaria um tumulto ao ver o jovem naquela situação deplorável. As roupas estavam imundas, sangue e suor se misturavam em seu rosto e o pior de tudo: ele carregava uma máscara de Duque na mão.
O garoto parou para descansar por alguns minutos e deixou o corpo cair encostado na parede. O rosto ardia e os pulmões estavam trabalhando com força total. Ao sentir um formigamento, o garoto olhou para a mão que segurava a Boito.
"Que porra tá acontecendo…?"
A espingarda se desmaterializou lentamente, tornando-se pequenas partículas azuis no ar, era um fenômeno semelhante àquele que Rory fazia com o fuzil.
Em instantes, a arma desapareceu da mão, fazendo-o arregalar os olhos ocultos pela franja. Apesar de não ter mais ela em mãos, ele podia visualizar perfeitamente o formato da Boito .20 em sua mente, como se ela estivesse guardada ali dentro, em um inventário.
"Não é possível!" Uma cena horrível passou pela cabeça de Kurone ao tomar ciência do que acontecera.
Reencarnados se matando, um a fim de tomar a "Arma Lendária" do outro. Se o condicionante para que o objeto passasse de um usuário para o outro era a morte, nada impedia alguém de portar vinte, trinta ou até cem armas.
O jovem roubara a arma que pertencia ao supervisor e, aparentemente, não havia volta. A espingarda estava presa em sua mente, e para invocá-la só era preciso…
— Ah! — Ele espantou-se ao ver a Boito se materializando em sua mão e, em seguida, sumindo novamente, conforme sua vontade.
"Então é assim que esse negócio funciona." O jovem lembrou-se da maneira como Rhyan manipulava a AWM rapidamente, de como Kawaii escondia a Ingram e de Rory perdendo a M16A2 quando ficou sem mana. As "Armas Lendárias" funcionavam de acordo com o estado de mana no corpo do usuário.
Havia também o cajado estranho de Inri, a sacerdotisa chefe, mas aquilo era outra história. Se comparado com os outros reencarnados, o supervisor falecido e Inri eram os únicos que sabiam da existência de Cecily, assim como o significado por trás de "Lolicon Slayer".
Eram muitos questionamentos para pouco tempo, o amanhecer se aproximava e ele ainda não se movera. Já tinha forças o suficiente para continuar a andar.
— Agora, o que vou fazer com você? — O garoto olhou para a máscara queimando sua mão.
O objeto branco, com uma cruz negra no centro, era algo que precisava estudar mais tarde. "Eu já não tenho mais nada a perder mesmo."
Com as mãos trêmulas, Kurone pôs o acessório no rosto e sentiu a face arder ainda mais. A máscara o rejeitava, mas ele ignorou o aviso flamejante e afundou o objeto ainda mais em seu rosto.
— Ahhhh! Porra! Tá ardendo!
Mesmo em meio à dor, ele não tirou, iria até o fim com aquilo e, como que percebendo a resistência do garoto, a máscara diminuiu a ardência.
Porém, o que veio a seguir foi um inferno pior que a sensação de ter o rosto queimado. A visão do jovem ficou turva, na verdade, ele não via nada além de sombras negras desfocadas e vozes misturadas que reverberavam na cabeça.
Uma voz era sobreposta a outra, gerando um tipo de idioma desconhecido. A velocidade em que passavam na cabeça era absurda, fazendo ele gritar em agonia.
As únicas palavras conhecidas que conseguiu captar foram "Leviathan ford Ingrid", "Raifurori", "Cecily", "Besta Negra"... Cada uma vinha de um interlocutor diferente, mas, em meio àquela bagunça, elas se misturavam às outras.
— Ahhhh! — Chegando ao limite, ele arrancou a máscara rudemente.
A visão voltou gradualmente, mas a dor de cabeça não desapareceu…
— Ei mano, encontramos nosso culpado.
— Cuidado, o desgraçado é um daqueles Duques do Inferno.
Duas vozes ecoaram do telhado de uma das casas. Kurone rapidamente voltou à sua pose defensiva, olhando com hostilidade para os dois garotos.
O primeiro garoto tinha cabelos vermelhos espetados e o outro, cabelos alaranjados curtos. Era o padrão daquele mundo: cabelos coloridos, porém, julgando pelas vestimentas, eles provavelmente eram crianças do instituto, ou seja, reencarnados.
O movimento seguinte confirmou a teoria dele, nas mãos do ruivo apareceram duas Desert Eagles prateadas e o outro sacou uma espada maior que o próprio corpo do nada… não, Kurone sabia que aquelas armas estavam cravadas em seus "inventários" internos.
— Deixa que eu cuido dele. — O dono das pistolas disse, saltando para o centro do local.
Claro, aquilo era algo comum entre todos os reencarnados: eles eram arrogantes. Rhyan Gotjail era o auge da arrogância dos humanos de outro mundo, mas tudo não passava disso.
"Bang! Bang!" Dois tiros consecutivos seguiram em direção a Kurone, mas não era nada que o Aprimoramento Físico não desse conta.
Os olhos do garoto ruivo se arregalaram quando não puderam mais captar a figura do adversário, porém o de cabelos laranjas foi mais rápido e saltou em um beco escuro. A espada cortou o ar, extinguindo toda vida, mas o inimigo não estava ali.
Como alguém podia desaparecer na frente de seus olhos? Simples, bastava se misturar ao cenário! Quando o garoto percebeu, foi tarde demais, um jovem saltou e o agarrou pelo pescoço.
— Mano! — O portador das pistolas fez menção de atirar, mas Kurone usou o garoto de cabelos alaranjados como escudo. Baixaria!
— Desgraçado, tá achando que vai conseguir fugir? Você já perdeu! — praguejou o garoto, o rosto dele estava vermelho por conta da falta de ar.
Não era apenas Kurone que tinha truques sujos. Em segundos, os sentidos aguçados captaram algo se aproximando. "Droga!"
O garoto enforcado jogou a espada para longe sem que o jovem percebesse e ela voltou, como um bumerangue.
Porém, ao invés de desviar, ele enrolou o manto no braço direito e o jogou em direção à espada, dando um soco no metal.
— Você é louco!? — berrou o garoto que teve o pescoço livre.
Era uma investida aparentemente suicida, mas eles não conheciam o poder do tecido daquele manto. Ao entrar em contato com ele, a espada bateu e produziu o som de um galho quebrando, mas não passou disso. A arma mudou de curso e fincou-se em uma parede.
O custo por aquela manobra foi ter o braço quebrado, mas a AutoRecuperação daria conta.
— M-mano, esse cara é maluco. — O dono das pistolas disse assombrado.
Um braço estava incapacitado momentaneamente e o outro segurava máscara, o estado dele só piorava a cada minuto decorrido, mas o jovem não dava um passo para trás. Continuaria avançando até não poder mais.
A diferença entre eles era clara, quem já matou uma vez não hesitaria em matar novamente, o difícil era apenas a primeira vez. Mesmo que seu adversário fosse uma criança, ele não teria piedade, pois, apesar da aparência, eles eram reencarnados.
"Bang! Bang!" As Desert Eagles investiram outra vez contra o louco, mas ele mergulhou nas sombras de Eragon mais uma vez. Apesar de usar branco, Kurone conseguia apagar completamente sua presença.
— Saí daí! — o garoto ordenou ao companheiro.