Projeto Corrompido Brasileira

Autor(a): IDK Lyly


Volume 2

Capítulo 11: Matsuda 8

Xxx, Khaoz

4 de agosto de 1052, 04hrs

Rebeca Matsuda

 

O céu noturno de Khaoz era lindo. Claro, o de Ayumi também era maravilhoso, mas só até certo ponto do monte Yama, como o topo. As luzes lá eram tão fortes que às vezes não dava pra ver as estrelas. Mas ali o céu era tão limpo, sem nada para atrapalhar.

Estávamos em um pequeno morro isolado num deserto. Nosso grupo consistia em Rachel, Moni e eu. Geki havia nos levado até ali com seu poder, mas era o máximo que podia fazer, então saiu assim que nos deu mais algumas informações.

Fomos ali por um motivo: entregar uma cópia do pen-drive para os filhos de Esame, lembro dele ter falado sobre seus filhos antes de morrer. Os mesmos estavam a caminho de Khaoz e era previsto que nos encontrássemos na cidade vizinha.

 

– Então, vamos? – chamou Rachel.

 

– Sim, senhora! – bati continência.

 

– Você tá tão de boa, Beca – comentou Moni.

 

– Bom, cê sabe, depois de alguns minutos com o Akin eu fiquei assim – soltamos uma gargalhada e começamos a descer o morro.

 

Durante os dias que permaneci na casa tive tempo para descobrir um pouco sobre o plano de Akin e me situar. Primeiro, precisávamos de uma cópia do pen-drive e como não tínhamos uma máquina boa o suficiente para isso na casa, a levaríamos para os filhos de Esame para termos a cópia. Haviam estudos bem precisos que o velho doutor queria continuar, então deixaríamos por lá.

Houveram mudanças em mim e Rachel também: nos tornamos parecidas com o povo de Khaoz, praticamente irreconhecíveis. A garota com poder de criar ilusões modificou totalmente minha aparência, fazendo com que fosse mais fácil nos camuflar ali. Seria cansativo para ela, já que estávamos distante dela, mas ela disse que aguentava. Até mesmo Moni teve mudanças em seu visual para não ser tão fácil de a reconhecer.

 

– A cidade que vamos encontrar eles é a uns 5 quilômetros de distância, então vamos andar muito, meninas – Rachel tomava frente usando um GPS. – Que bom que comi antes de sair.

 

O caminho era praticamente areia e terra com algumas elevações e nenhuma alma viva além de nós. Suspirei.

Era um pouco frio como eu imaginava que um deserto a noite seria, mas não se comparava com as instalações. Ugh… Lembranças daquele lugar voltaram à tona. Tremi um pouco e fiz uma cara de nojo, mas continuei a caminhada olhando ao redor. 

 

– …

 

O silêncio estava me incomodando.

 

– Então, meninas… – murmurei sem jeito. – Como vocês estão? Não conversamos muito desde que voltamos, né?

 

Uhm, é – respondeu Moni. – Eu estava muito ocupada ajudando a reformar a casa, então não vi vocês.

 

Ah, eu vi! Não sabia que você era forte daquele jeito carregando tanto peso! – comentei.

 

Ela me olhou com raiva. Abaixei a cabeça com medo.

 

– Bom, é, somos Corrompidos, então somos bem fortinhos quando chegamos no limite das nossas Auxiliares. 

 

– Quantas vezes você já usou a sua? – perguntei.

 

– Não lembro, mas já tô um pouco no limite. Acho que mais uns 10 usos e eu quebro de vez.

 

– Isso… – Olhei para Rachel à minha frente. – Quantas vezes você já usou, Rachel? 

 

Ela não respondeu, mas notei que diminuiu seu ritmo por uns segundos.

Abaixei a cabeça novamente.

 

– Ei, loira! A garota tá te perguntando!

 

– Por que essa pergunta do nada? – Seu tom era sereno.

 

– Bom, é… Quando você me salvou eu fiquei um pouco assustada…

 

– Não lembro disso, mas é, eu devo estar perto do limite também. Minha Auxiliar não é das mais potentes como a da Moni ou do Eloah, mas ainda assim meu número de usos não é extenso como o seu.

 

– Bem balanceado – completei.

 

– É, tipo isso.

 

Parece que aquele assunto não agradava tanto ela, então evitei.

Moni coçava sua cabeça incessantemente e ficava olhando para nós duas. Eu apenas sorri de maneira desajeitada e dei de ombros. Ela tá com raiva de algo?

 

– Cara, namoral, eu preferia vir com um papagaio – Moni disse num tom emburrado.

 

– Foi mal, eu não sou tão boa em desenrolar um assunto, hahaha Sou tão estranha.

 

– Que tal falar um pouco sobre você, Rebeca? Estamos bem distantes do ponto de encontro, então temos tempo – sugeriu Rachel.

 

Uhm, realmente, acabei de perceber que não nos conhecemos tanto. Então… – pensei um pouco comigo mesma. – Ah, sim! Eu descobri meus poderes quando eu tinha 7 anos!

 

– Caramba, foi bem tarde – comentou Moni.

 

– Ué, quando foi que você descobriu o seu?

 

– Assim que criei consciência, acho que com uns 4 anos. Mas continua o teu, tá na tua vez.

 

Uhm, ok…

 

Vi um enorme avião voar no céu. Mesmo distante ainda parecia tão grande. Me distraí enquanto falava.

 

– Era uma gincana na escola. Na minha vez havia um jogo de abrir cadeados. Eu estava bem confiante já que tinha as mãos ágeis, então fui correndo sem nem prestar atenção em nada.

 

– E…? – perguntou Moni focada no caminho.

 

– Eu perdi o molho de chaves que era pra usar.

 

Até Rachel que estava bem dispersa bateu a mão na testa. Por favor, eu sou sensível. Queria chorar naquele momento por algo tão besta.

 

– Aí do nada, no meio do nervosismo, uma chave brilhante apareceu na minha mão. Sério, eu ganhei aquilo e fiquei com aquela chave por uma semana inteira até ela desaparecer – Um feixe de luz surgiu daquele avião e viajou para longe. Que estranho.

 

– Uma semana? Que doideira.

 

– Mas e você, Moni? Como foi o seu?

 

Uh… – Ela travou e olhou para o outro lado. – Sabe, quando uma Auxiliar é algo como dois lança-chamas extremamente potentes, você não costuma perguntar pro Corrompido como descobriu isso.

 

Oh, foi mal…

 

– Mas digamos que queimei minha casa toda – coçou a cabeça.

 

– Deve ter sido complicado. 

 

Fiquei em silêncio por um tempo. Perdi o jeito. Talvez aquela conversa não fosse a melhor a se ter. Pensa, pensa. Não quero ficar 5 quilômetros inteiros calada desse jeito. O complicado era que as duas aparentavam passar tanto tempo presas naquele lugar que qualquer pergunta parecia insensível. Tentei continuar uma conversa:

 

– Uma vez…

 

Ah, eles chegaram – disse Rachel olhando o celular. – Pediram desculpa pela demora, parece que mandaram Caçadores atrás deles.

 

– Tomara que não mandem nenhum atrás de nós – falou Moni.

 

– Por que tanta preocupação? Até eu consigo lidar bem com um ou outro soldado se estiver preparada, com vocês não é diferente – falei. – Além do mais, com a nossa ilusionista não vamos ser facilmente encontradas.

 

Elas desaceleraram e me olharam de canto. Senti certa pena da parte delas, como se eu fosse uma criança inocente.

 

– Beca, querida, ninguém te falou nada sobre os Caçadores? – perguntou Rachel.

 

– Passei muito tempo com o Akin descobrindo o plano dele – falei.

 

Elas se olharam. Rachel encarou Moni com um olhar sério como uma esposa que faz o marido contar algo difícil para o filho. Moni suspirou.

 

– Os caçadores são mais que soldados, Beca – ela veio ao meu lado para explicar. – Os caçadores são coisas feitas de Khaoz. Acho que foram criados um pouco antes da Era do Gelo lá em Unsheld. São monstros feitos para nos matar.

 

– Mas para isso já não existem os generais? – questionei.

 

– Os generais são a última linha contra os Corrompidos. Mas no fim, seu foco é cuidar do alto escalão do VGM. O motivo deles terem ido na instalação naquele dia foi por uma emergência, mas ainda assim apenas o Honda ficou e os outros dois tiveram que ir rápido para seus postos em outros países. Os Caçadores são diferentes – Moni pôs a mão no meu ombro. – São cerca de 10 Caçadores, todos maníacos perigosos. O trabalho deles é recuperar Corrompidos perigosos ou grupos grandes como os nossos.

 

Eu travei ali no caminho. Encarei o abismo novamente. Ninguém me conta nada. Eu vou morrer, e quem vai me matar é meu próprio grupo.

 

– Mas relaxa – deu um tapa nas minhas costas. – O Akin explicou que da última vez que ele voltou no tempo demorou bastante pro VGM liberar os Caçadores, e eles normalmente atacam sozinhos ou em dupla, já que não sabem onde estamos. Se alguém aparecer, a gente cuida de você.

 

Soltei uma risada sem graça. Bom, no fim acho que podia contar com aquelas duas.

Por causa do caminho arenoso e repleto de pedras, meus pés já estavam doendo. As meninas já deviam estar cansadas de mim, mas eu continuava a suspirar e bufar a cada passo dado. Foi quando finalmente vimos o primeiro raio de luz vindo de longe, sinalizando que chegamos na cidade devida: Custos, uma área enorme e bastante iluminada com prédios significativamente grandes, próximos dos 6 andares. Soltei um enorme sorriso ao ver aquilo, e as duas riram aliviadas que eu iria calar minha boca.

 

– Vamos logo – disse Rachel seguindo em frente.

 

Ela nos guiou pelas ruas até chegarmos num pequeno, mas extenso, prédio. Olhamos ao redor, não haviam muitas pessoas pelas ruas devido ao horário, então não tivemos que dar uma de detetives e se esgueirar por aí, no máximo evitar um bêbado ou outro. Essa parte de Khaoz é tão… tem algo errado aqui. Subimos as escadas do prédio, eles estavam no segundo andar. Senti algo me vigiar. A sensação não me deixava em paz há alguns dias, mas eu tentava ignorar. 

 

Uh! – Dei de cara com as costas de Moni.

 

Antes que eu dissesse algo, ela segurou a minha mão. As duas estavam olhando para uma porta, a porta do apartamento onde estavam os filhos de Esame. Engoli seco, Rachel também antes de bater na porta, e quase que instantaneamente, como se já estivessem de prontidão na maçaneta, um dos filhos abriu a porta, ou pelo menos era o que eu queria acreditar que era um filho humano normal. Um homem alto e magro, próximo dos dois metros de altura; seu cabelo era enorme e bagunçado, passando dos seus ombros e cobrindo seus olhos, mas não seus enormes óculos. Ele estava usando uma jaqueta preta e luvas também. Ele falou com sua voz rouca e ameaçadora:

 

– Foram seguidas?

 

– Não – disse Moni. – Trouxemos o objeto, vamos logo.

 

Ele assentiu, abrindo a porta do seu escuro apartamento para que pudéssemos passar, e assim que eu entrei senti pela última vez aquela sensação de ser observada por algo assustador.

 

– Devo estar imaginando coisas.



Comentários