Volume Único

Capítulo 8: Teia de Aranha

ALGUÉM pisou em uma bolota.

Quem será que está atrás de você?

Alguém pisou em uma segunda bolota.

Quem será que está ao seu lado?

Alguém pisou em uma terceira bolota.

Quem será que segura sua mão? ♪

 

Lady Megan cantava enquanto descia as escadas da torre. Sua voz soava como pedras de gelo, claras como cristais, esfregando uma na outra. O assobiar do vento passado por uma caverna de gelo, como o estalar do endurecimento do gelo enchia a escadaria vazia.

Ela não tinha memórias da mãe que lhe deu à luz. Canto e dança foram ensinados por sua segunda mãe — a qual a criou.

“Adorável Megan, você é o maior tesouro no mundo.”

Sua madrasta era a única pessoa no mundo que lhe dava amor. Ela morreu sete anos atrás, deixando para trás apenas um buraco vazio. Sempre que Megan tentava, não conseguia preencher esse vazio.

 

Não, não! Ninguém está aqui.

Estou sozinha. Para sempre sozinha.

Sozinha na escuridão... ♪

 

Ao descer do último degrau da longa escada, Lady Megan abriu a porta. Um crânio de safira brilhava em seu dedo, mais branco do que as nuvens ondulantes do lado de fora. Brilhava sob a luz, pela abertura da porta, formando levemente um pequeno arco-íris.

— Estou de volta, Papai.

— Ohh, Megan! Minha preciosa pérola.

O Lorde Ardiloso Siegfried esperava por ela na sala do trono. Nesta sala com teto tão alto que poderia abrigar um carvalho de cem anos, cujas paredes eram tão largas de ambos os lados que poderiam abrigar vinte cavalos e um rebanho de ovelhas, ninguém estava ali além de seu pai, ao lado de suas ambições e filha amaldiçoada. 

Foi o próprio pai que amaldiçoou a filha. Para saciar a sede sem fim pelo trono, vendeu a alma de sua filha ao Diabo do Abismo.

— Alegre-se! A hora finalmente chegou! — gritou ele, seus punhos fechados de forma dramática e olhos brilhando. Sua voz em êxtase ecoou dentro da gigantesca sala vazia. — Finalmente a encontramos. Ela foi achada!

— Meus parabéns, Papai. — Lady Megan segurou a bainha de sua saia azul, curvou-se e reverenciou respeitosamente. Leve e silenciosamente, moveu-se para ir ao lado de seu pai. Uma luz prateada brilhava no centro do salão.

— Oooh, ela está aqui...

Diante de seus olhos, pontos de luz formaram linhas e se expandiram, ficando maiores à medida que se juntavam para tomar a forma de uma teia de aranha. Letras suspeitas foram habilmente tecidas no meio dos fios esticados.

Era um círculo mágico.

CLICK-CLACK! CLICK-CLACK! 

Sons mecânicos reverberaram pelo salão. Uma aranha gigantesca saiu do círculo mágico que apareceu no ar. Suas oito pernas eram como troncos grossos, e seu torso era maior do que o de um urso preto. Com um brilho semelhante às cores do arco-íris, ela parecia ter sido encrustada com fragmentos de joias coloridas.

Uma garota estava amarrada por um fio, pendurada na única perna que a aranha deixou erguida. Seu cabelo era ruivo, tinha olhos verdes e sardas espalhados pelo nariz e bochechas. Com sua boca coberta por fios espessos, impedindo que abrisse a boca, debatia-se com raiva. Lorde Ardiloso franziu a testa e acariciou sua barba, da qual tinha orgulho. 

— Ei, Bruxa, não acha que passou um pouco dos limites ao amarrá-la?

— Se possível, eu queria evitar fazer algo tão horrível, entende? — A voz veio de uma garota de cabelos prateados que estava elegantemente vestida nas costas da aranha. Pousou no chão como uma cachoeira caindo em um lago. — Esta Princesa se debateu e lutou tanto que acabei sendo forçada a aumentar a quantia de fios a todo momento... Awn, não olhe tanto para mim. Vou soltá-la agora mesmo.

A Bruxa estalou os dedos. CLACK! Com um barulho seco, a perna que segurava a Princesa baixou. Ao mesmo tempo, a teia foi soltando com gentileza, flutuando no ar enquanto desaparecia, antes de sumir por completo. Tudo o que restou na Princesa foi a teia presa ao redor de sua boca como uma mordaça.

— Melhor agora?

— Parece que tem mais ainda, não é? Amordaçar uma nobre Princesa é imperdoável! Poderia parar de ser tão vulgar!?

— Oh, meu bem, foi mal. — A Bruxa deu de ombros, os quais eram como obsidianas, sua pele negra realçava seu brilhante cabelo prateado. — No entanto, acredito ser melhor não remover essa última parte.

— Não te autorizei a me dizer o que fazer. Você só precisa obedecer suas ordens.

A Bruxa franziu as sobrancelhas prateadas e estalou os dedos mais uma vez. Os fios que cobriam a boca da Princesa caíram e tornaram-se névoa.

— Oh, Princesa Lala Lilia! Esperei ansiosamente por este dia! — O rosto do Lorde Ardiloso brilhava, correndo até ela com braços bem abertos. Sem demora, a Bruxa levantou sua mão direita.

SCREECH!

A aranha colorida veementemente fechou sua mandíbula, depois a abriu e avançou com suas pernas erguidas. Ela mostrava clara hostilidade, ousadia e ferocidade. Até mesmo o Lorde Ardiloso parou, seu rosto se contorcia.

— Desculpe por isso, mas você poderia fazer o favor de pagar o restante da recompensa?

O som de lábios incomodados e secos estalando ecoaram pela sala do trono. O Lorde Siegfried removeu uma bolsa de seu cinto e arremessou-a. A Bruxa Inez Mou esticou a mão com gentileza, pegando a bolsa com suavidade, trazendo-a para mais perto de si. Metal fazia barulho. Moedas de ouro enchiam a bolsa. A bruxa inspecionou com cuidado a qualidade e a quantidade. Alguns minutos depois, assentiu e guardou-a dentro de seu vestido.

— Obrigada pela preferência. Espero que contrate meus serviços novamente. — A bolsa desapareceu dentro de seu vestido sem fazer com que a roupa justa mudasse de forma. Para onde ela foi? 

— Agora, Princesa, venha até mim!

A Princesa, com medo, olhou sobre o ombro para a Bruxa. 

— Não, não me entregue a ele.

— Me desculpe, Princesa, mas este é o meu trabalho.

A aranha começou a se afastar. O Lorde Ardiloso foi até onde a Princesa foi deixada sozinha e agarrou com força o seu pulso.

— Vamos começar as preparações para a cerimônia de casamento agora mesmo.

— Não! Me solte! Me solte agora!

— Vamos mandar um comunicado oficial por todo o território!

— Já disse que não quero!

Debater-se não tinha tanto efeito quando se era uma garotinha com pouco mais de sete anos. Não havia como vencer contra a força de um homem adulto.

Observando-a ser arrastada, a Bruxa Inez Mou murmurou: 

— Felicidades ao casal.

Lady Megan deu um passo à frente no lugar de seu pai. Ela saiu das sombras em direção à luz. Embora seu pai tenha deixado a sala do trono com alegria, os olhos de sua filha o observando eram muito frios. Ela caminhou até o lado da Bruxa, sua saia sibilava.

— Tome as medidas apropriadas para que aquela coisa não entre aqui. Você tem alguma objeção? Outra coisa... — Uma luz azul brilhou. A mão branca de Lady Megan colocou uma bolsa na da Bruxa Inez Mou. — Esse espelho foi bem útil, obrigada.

Da mesma forma que fez antes, a Bruxa abriu a bolsa para inspecionar o conteúdo. Rubis, safiras, esmeraldas, âmbar e jades — as melhores pedras preciosas no mundo estavam dentro da bolsa.

— Obrigada pela preferência — respondeu ela. Então, quando Lady Megan virou-se para partir, A Bruxa Inez Mou a chamou de volta: — Com todo o devido respeito, minha senhorita... — Lady Megan parou e olhou sobre o ombro. — O Espelho dos Mortos é um brinquedo perigoso para humanos. Tenha muito cuidado ao usá-lo.

Lábios delicados como flores curvaram-se para cima, formando uma lua crescente. Foi um sorriso magnífico, apenas um mestre escultor seria capaz de esculpi-lo em um rosto de mármore através de batidas cuidadosas e gentis. 

— Não há necessidade de me avisar, já estou amaldiçoada.

Lady Megan foi embora. Ela movia-se como se patinasse no gelo. A Bruxa observou-a até que a bainha de seu vestido azul desaparecesse pelas portas douradas. Logo após, suspirou e acariciou a cabeça de sua aranha. Baixou os ombros e um vinco formou-se em sua testa.

— Você encontrará um fim doloroso caso se deixe levar, Princesa...

A fraca cantoria de Lady Megan desapareceu à distância.

 

Alguém pisou em uma bolota.

Quem será que está atrás de você? ♪

 

A Bruxa e sua aranha desapareceram em um clarão de luz prateada. Ninguém estava na sala trono para testemunhar sua partida.

 

*   *   *

 

QUANTO tempo faz que não coloco uma cota de malha? Meu corpo ainda se lembra da sensação, apesar do tempo que faz. Não passou um dia sequer que eu não treinei com minha espada, mas a armadura pesada não era necessária para viver na floresta, pois era inconveniente. Mas agora, a Barreira Feérica foi quebrada. Não tenho escolha a não ser vestir o metal e empunhar o aço para me proteger.

“Por meio da espada, meu corpo se torna um escudo.”

Recitei internamente enquanto vestia a armadura. No passado, devotei meu corpo ao Rei e à vida dos fracos, cujos nomes nunca soube. Hoje, faço isso pela Princesa. 

Terminei de colocar a cota de malha sobre um colete acolchoado, depois coloquei meu casaco preto, peitoral de couro, luvas de couro e manto. O único brasão impresso em minha armadura era o de Caçador da Estrela Invernal no meu escudo. 

Saí da floresta usando o mesmo traje de quando cheguei. Seria este um sinal de que “a hora chegou”?

Coloquei o meu chapéu de aba larga favorito que, milagrosamente, sobrevivera às chamas em minha cabeça e o abaixei. Pó preto caiu da aba. Será que ficou um pouco queimado? Bem, não deve ser grande coisa. O escudo estava em minhas costas, a espada embainhada em minha cintura. Por fim, mas não menos importante, peguei o arco, as flechas e a faca que vem nos ajudando nesse estilo de vida no último ano. Com isso, terminei meus preparativos. Era o turno dele agora.

— Opa. — Havia algo que eu precisava fazer primeiro. Coloquei minha mão na parede, na Árvore Milenar. — Obrigado por tudo até agora. Desculpe por abrir um buraco em você. Ele estava desesperado para me salvar... hm?

Brotos já surgiam ao longo das beiradas do buraco queimado. Uma árvore extraordinária. Não passou muito tempo desde que o fogo foi apagado.

— Você é forte, né? — elogiei a árvore com sinceridade, os cantos de meus lábios levantaram-se levemente.

Que interessante, eu consigo sorrir?

— Ainda consigo continuar, sem dúvidas.

 

*   *   *

 

O QUE achou da alça?

Envolvi um cinto ao redor da base do pescoço do dragão e o prendi. Para fazer isso, usei todas as cordas e panos que tínhamos. Usei todas as cordas e tecidos que tínhamos para alongar os arreios do Botão-de-ouro, transformando em um arreio para dragão e uma sela improvisados. Foi o dragão que teve a ideia.

— Será um voo longo. É necessário diminuirmos a pressão sobre você. Preserve sua força para a batalha à frente.

— Éééé, o que quero dizer é... não está raspando em nenhum lugar estranho ou está muito apertado, ou qualquer outra coisa...?

— Não há problemas. Quer conferir?

— Não... — Eu estava prestes a perguntar se estava irritando seus ferimentos, mas engoli as palavras que chegaram à minha garganta. — Está tudo bem contanto que não atrapalhe seus movimentos.

Minha ressonância com os cinco sentidos do dragão ficou mais forte. Experimentei isso em primeira mão durante toda a preparação. Não havia como não ficar conectado a ele. A conexão estava muito mais profunda do que antes... nem mesmo podia ser comparada a quando não tinha a escama presa à minha carne. Apenas ao me concentrar, consegui sentir a folha que caiu no seu ombro e o galho quebrando sob sua garra.

— Ei, dragão, por que você não conseguiu sentir quando a Princesa acordou? 

— O que você percebe de mim só é possível através de seus próprios talentos, Gideon.

— Não entendi.

— Seus sentidos são o que decifra e interpreta a informação referente a mim. É neste momento que suas habilidades entram em cena.

Quer dizer que recebemos o dobro de informação, mas temos dois conjuntos diferentes de sentidos para examiná-las? Consigo detectar e ver as coisas que ele não consegue. E o contrário também é possível, pelo menos é isso o que entendi.

— É assim que funciona?

— Sim, isso mesmo.

Percebi que conseguíamos chegar ao ponto de nos entendermos com menos palavras agora. Ou talvez estivéssemos lentamente ficando assim com o passar do tempo. Mas só agora percebi isso.

— Por exemplo, você tem algo no bolso do peito agora, não é?

— Acertou. Tenho sim.

— É... bebida?

— Consegue ver até isso?

— A suposição vem de minhas observações sobre seu comportamento.

Dei de ombros e puxei uma garrafa. Era lisa, quadrada e de vidro, servia na palma da minha mão. Tamanho e forma perfeitos para carregar secretamente por aí, já que era feita com esse propósito. Tomar um bom gole todas as noites antes de dormir tem sido um pequeno prazer meu.

— Isso irá animar as coisas antes de começarmos. — Ergui a garrafa. O dragão assentiu.

Tirei a rolha e tomei um grande gole. O gosto doce e saboroso da cevada fermentada, seguido pelo amargo e forte calor, tomou conta da minha boca. A água enriquecida de vida queimou minha garganta, fez cócegas em meu nariz e desceu até meu estômago.

— Ufa... essa foi boa... — exalei lentamente. — Dragão, diga-me uma coisa...

— O que foi?

Aproveitando do estimulo do álcool, fiz uma pergunta que sempre quis fazer, mas que não tinha coragem:

— Você salvou a Princesa Lala Lilia por causa do que aconteceu com a outra Princesa?

O som de chuva ecoou em meus ouvidos. Ela caiu sobre meu chapéu, armadura e escudo, emitindo tons musicais distintos. Vapor aparecia de onde as gotas tocavam o corpo do dragão.

— Nop, acho que é bem o contrário, na verdade. — Ele abriu uma de suas asas até a metade, então fechou-a — Decidi naquele dia que nunca mais me envolveria com o mundo humano novamente.

Uma sombra opressiva arrastou-se sobre meu coração. Um caroço ficou preso em minha garganta. Ele ainda tinha algo mais a dizer. Estava hesitando. Então eu só precisava meio que fazer aquilo sair.

— Mas você o fez — incitei.

— Tem razão. — Suas longas pupilas verticais expandiram-se em um círculo no centro de seus olhos dourados. — Naquele dia chuvoso, há mais de um ano, mudei de ideia no momento em que ouvi a voz da Princesa Lala Lilia. Decidi então que faria a chuva parar de molhá-la ao cobri-la com este meu corpo. Eu não deixaria aquela Princesa ficar ainda mais encharcada por causa da chuva... só isso.

Por esta simples razão, ele parou uma batalha com um cavaleiro, seu inimigo mortal. Depois, até mesmo permitiu que este mesmo cavaleiro montasse em suas costas até a torre do autoproclamado Rei Daemônio, e então voltou e viveu junto do cavaleiro por um ano inteiro — tudo isso por causa desta simples razão.

E, agora, estava prestes a atacar o Castelo do Lorde Ardiloso.

Sem contar que, pela forma brutal que foi traído, não possuía nem sequer um pingo de ressentimento contra a Bruxa. Ódio e fúria também não existiam. Quão amável ele consegue ser?!

Dirigi o olhar para a garrafa em minhas mãos. Ainda restava metade do líquido âmbar.

— Que tal tomar um gole?

O dragão virou seu longo pescoço na direção da garrafa.

— Ficarei grato.

Sua boca vermelha se abriu. Presas brancas alinhadas ficaram à mostra. Cada uma delas era mais afiada que uma adaga. Derrubei todo o resto da cerveja dentro da boca dele.

— Hmm... tem um sabor um tanto... profundo. 

— Gostou?

— Não é ruim.

Este é o maior elogio que qualquer coisa vai ganhar dele.

— Pois é, acabou.

Recuei meu braço, justo quando estava prestes a jogar fora a garrafa e nossa má sorte com toda a força, de repente, o dragão colocou sua perna dianteira na minha frente.

— Hm? O que foi?

— Empreste-me aqui.

— Pegue.

Coloquei a pequena garrafa entre as duas garras de sua perna estendida. Ele era uma criatura ágil. Impressionado, observei-o aproximar a boca, juntar os lábios e soprar com cuidado dentro dela.

— Leve-a com você. É um presente de agradecimento pela bebida.

— Ah, obrigado.

Peguei-a de suas garras. Pude sentir o calor, mesmo usando luvas grossas.

— Certifique-se de tomar um pequeno trago antes de lutar. Não se esqueça.

— Tudo bem.

Coloquei a rolha e guardei a garrafa na bolsa pendurada em meu cinto.

 

*   *   *

 

— Botão-de-ouro, Margarida e vocês duas, galinhas, vou deixar a porta aberta para vocês. 

Decidi deixar o cavalo, a cabra e as galinhas para trás. A Barreira Feérica desapareceu, mas a bênção da Árvore Milenar continuava forte. Se fossem viver suas vidas na floresta ou fossem adotados por alguém, ainda seria melhor do que ficar ali.

— Obrigado por tudo até agora... Boa sorte a vocês.

Não tive coragem de insistir confiantemente que nos encontraríamos de novo. 

 

— Está pronto para partir, Cavaleiro?

— Quando quiser, dragão.

Já faz algum tempo desde que montei em suas costas. Acho que a última vez foi quando invadimos a torre do Autoproclamado Rei Daemônio, não? A Princesa montava com bastante frequência, no entanto.

— Então, partimos... pela Princesa.

— Pela Princesa.

Pressionei meus joelhos contra seus flancos e segurei as rédeas. Entendi, é fácil.

O dragão correu, a terra tremia abaixo dele. Suas quatro pernas chutaram o chão e suas asas se abriram. As membranas flexíveis pegaram o ar e se expandiram.

“Uou?”

O peso sobre meus braços desapareceu. Suas patas dianteiras flutuavam no ar. Ao bater as asas uma vez, saltou com força usando seus quadris. Vento assobiava em meus ouvidos enquanto meu corpo era segurado por braços invisíveis.

Ao bater suas asas ainda mais, subimos na diagonal. As copas das árvores se aproximaram, mas logo desapareceram abaixo de minhas pernas. 

A grande floresta, que nos cercava e cobria, agora era um carpete verde estendido abaixo de meus olhos.

Suas asas totalmente abertas pegaram a corrente de vento. Com um bater delas, a pressão sobre meu corpo se foi. O vento uivante e os sons de suas asas desapareceram.

Por um momento, o tempo parecia ter parado.

O límpido céu azul ia até muito longe. Era muito sereno. Não havia nada para bloquear minha visão. Eu conseguia ver tão longe que o horizonte estava fora de vista. Era demasiada liberdade. Mas não senti medo. Não existia nada para me apoiar, mas não estava nem um pouco preocupado com uma possível queda.

“Ah, agora entendi.”

Eu olhava para o mundo pelos olhos de uma criatura que nasceu com a capacidade de voar. Estes eram os sentidos do dragão. Ele conseguia fazer isso, por isso não tinha medo, mesmo nas maiores alturas do céu.

Sons de batida e assobio!

Os sons de suas asas eram semelhantes ao de uma barraca de couro rebentando. Então, o fluxo de tempo voltou.

Só preciso me dirigir ao sudoeste, correto?

— Sim, isso mesmo.

O dragão sabia a direção do castelo. Talvez seja o resultado de seu grande conhecimento sobreposto ao meu.

Para o sudoeste voamos — apenas para o sudoeste.

Pastos de um verde vibrante estavam logo abaixo de nós. Aquelas manchas eram pessoas ou rebanhos? Pude ver os tetos de Attegrune quando passamos rapidamente. Antes que eu pudesse ver direito, já estávamos longe.

Para o sudoeste voamos — apenas para o sudoeste.

Os pastos verdes deram caminho a um longo trecho de deserto. Abaixo estava a estrada pela qual viajei conforme perdia amigo após amigo. Agora seguíamos a direção oposta. Mesmo que meu coração doa, não tenho tempo para perder com sentimentalismo. De quem me despedi pela última vez aqui? De quem foram os momentos finais que me marcaram aqui? Já tinha passado, não tive tempo para lembrar. Os lugares que possuíam tantas memórias já estavam muito distantes atrás de mim, ficando cada vez mais longe. Qual é a diferença agora? Não importa o que digam, meu objetivo ainda é o mesmo.

Tudo é pela Princesa.



Comentários