Princesinha na Floresta Feérica Japonesa

Tradução: Taipan

Revisão: Taipan


Volume Único

Capítulo 11: Uma Saída

EXISTEM muitas coisas a respeito de tochas, mas o que mais gosto é que elas não apagam de imediato quando caem no chão.

— É agora.

Corro direto para um problema quando estou quase saindo do túnel úmido e mofado. Sheesh, nem sequer me deram tempo para relaxar um pouco.

 

Alguém pisou em uma bolota ♪

 

Banhada pela luz de minha tocha está uma tropa de homens silenciosos e sem sombras. Avistei seus pés antes de qualquer coisa. Eles se aproximam de mim, a luz iluminando dos joelhos até as cinturas, os estômagos aos seus peitos, antes de por fim revelar cada rosto. Eu conheço todos eles. Os aliados em quem confiei para proteger minha retaguarda. Agora eles não falam ou respiram, sequer sofrem como eu no frio do túnel. Bato minha bota contra o chão para quebrar o silêncio.

— Eu sabia...

Os cantos de meus lábios se elevaram. O som ecoando entre as paredes e os pilares me informa que esta passagem não deixa muitas rotas de fuga. A saída está logo à frente — isso se eu conseguir passar por esses caras!

Levanto a tocha. No total são nove cavaleiros, separados em cinco linhas de frente. Um está liderando o grupo, enquanto os outros oito estão alinhados em duplas. Formaram uma parede de defesa bem densa. O cavaleiro da vanguarda possui o papel de segurar o inimigo desde o começo.

— Isso mesmo. É assim que são as coisas.

Lutar uma batalha prolongada com um inimigo que não sente dor nem se cansa é problemático. Eles também sabem disso, então optaram por adotar uma formação defensiva de propósito.

— Não é mesmo, Capitão Robert?

Corro. Brandindo a tocha, disparo ela contra eles. Com minha mão direita agora livre, agarro minha espada.

 

*   *   *

 

ROBERT repele a tocha com sua espada. Mesmo depois de cair no chão, o fogo não se extingue. Gideon aproveita a chance para deixar sua espada em um alcance apropriado.

— Oorah!

Segurando sua arma desembainhada com ambas as mãos, o Cavaleiro Gideon corta. PAM! Lâminas feitas de aço colidem umas contra as outras, faíscas voam a cada impacto. Embora pareça estar equilibrado, Gideon tem uma pequena vantagem por empunhar sua espada com ambas as mãos. Bom, os livros didáticos diriam que o próximo passo de Gideon seria um avanço ou um recuo! Em seguida, deveria lançar dois ataques rápidos para controlar a distância e enfraquecer seu oponente. Bem, isso aconteceria se ele alguma vez tivesse dado valor a treinamentos ou se seguisse regras.

— Urrah!

Gideon se prepara para avançar. Mantendo sua espada travada contra a de Robert, usando todas suas forças, o Cavaleiro Negro levanta o pé e chuta seu oponente com toda sua força. É um verdadeiro ataque surpresa. Mas isso só funciona em um combate frontal. É um movimento errático, mas não é jogo sujo. Robert cambaleia para trás e acaba caindo.

O restante dos cavaleiros logo atrás começa a agir devido à ofensiva absurda de Gideon. É nesse ponto que um cavaleiro vivo acabaria surpreendido e passaria a suspirar com desdém antes de revelar um sorriso amargo.

— Oorah! Oorah! É galera, vocês estão lentos demais! — Algumas de suas lembranças e experiências passadas prevaleciam, mesmo depois de terem ressuscitado? — Que dureza bizarra! Vocês estão levando tudo muito a sério, mas eu continuo aqui!

Gideon investe para cortar seus inimigos antes que possam passar da defesa para o ataque. Mas o túnel é muito estreito e ele não consegue dar um golpe bom o bastante para transformar seus oponentes em pó. Empurrar todos com uma série de golpes rápido é de longe a técnica mais adequada para lugares assim, mas é complicado demais fazer isso com a espada. Tudo o que pode acontecer em espaços confinados assim é crítico.

Segurando a espada pela base da empunhadura, Gideon faz pleno uso dos músculos de seu cotovelo ao golpear para baixo, sempre com todo seu peso por trás das estocadas. Ele está dando tudo de si. Os oponentes podem até não sentir dor, mas não conseguem segurar uma espada se não tiverem dedos. Se seus pulsos não estão estáveis, então não podem sequer balançar suas espadas.

Músculos rompidos; pele rasgada. Os sons de dedos caindo são semelhantes a gotas de chuva. Um braço fica caído no meio do caminho após ser decepado. Dois Cavaleiros Sem Sombra da vanguarda soltam suas espadas. O som de metal raspando contra metal continua soando.

Gideon gira e bloqueia um atacante que estava chegando por suas costas. Cavaleiros Sem Sombra só podem reproduzir e imitar habilidades que o indivíduo possuía enquanto vivo. Não dá para esperar que mantenham a nobreza de um verdadeiro cavaleiro.

— Foi mal, Greg. — Ele dá um passo para trás e pega impulso ao bater o pé na parede do túnel, usando o recuo para se manter de pé e ganhar força. — Poupe-me de ficar defendendo minhas costas de novo e de novo.

Gideon conhece todos os oponentes. Eles parecem exatamente os mesmos de quando se separaram há um ano. Suas aparências são idênticas às lembradas, até mesmo as roupas eram iguais às daquela fatídica noite em que fugiram do castelo.

— Estou feliz por poder ver suas caras feias de novo... mas... — Ele agora era capaz de ser sarcástico por ter mudado? Ou estava só fingindo para poder suportar essa reunião macabra? Os mortos modem ser chamados quantas vezes quiserem, mas é vida que segue. — Não posso viver no passado para sempre.

Sua mão direita brande a espada enquanto a esquerda vai em direção de uma bolsinha em seu cinto.

Ele puxa uma garrafa quadrada de cerveja. Isso foi cheio até a borda com a respiração do dragão; a garrafa parece até que brilha. É como se a respiração estivesse viva, girando dentro da garrafa transparente.

— Há alguém esperando por mim.

Gideon com certeza não vai pedir desculpas. E também não vai reclamar ou lamentar. Assim que ele começar a falar, não poderá parar. Então, em um piscar de olhos, tudo que está bem pode explodir e começar a destruí-lo de dentro para fora. O luto pode ser pago em qualquer outro momento. Mas agora não é a hora certa.

 

Gideon, que fora um cavaleiro neste mesmo castelo, fica ereto no meio de seus oponentes. Ele tira a rolha da garrafa com os dentes e despeja o líquido na boca. Logo após isso, inclina a garrafa ainda mais.

Sua barba por fazer é banhada pelo líquido; ele aperta os molares com força. Seus olhos, dos cantos internos aos externos, e a pele ao redor de suas órbitas se retrai. Seu pomo-de-adão se move para cima e para baixo enquanto ele engole a respiração do dragão.

 

Em um instante, seus olhos se abrem até os limites mais distantes. Suas pupilas se contraem, deixando seu olhar completamente branco.

De repente, ele sacode o pulso e joga a garrafa de vidro no chão. Sem qualquer resistência, o objeto se destroça em fragmentos minúsculos.

SWISH! RUGIDO! WHOOSH!

Seus cabelos grisalhos e sua capa preta bordada com prata começam a se agitar.

Fogo irrompe.

Empurrando a enorme espada de dois gumes contra o chão, o Cavaleiro Gideon cai de joelhos.

E, ao redor de seu corpo, tudo acaba banhado por chamas carmesins.

Isso parece espiralar ao redor da garrafa quebradas e engole todo o túnel de pedra. As chamas lambem as paredes gerando um calor incrível.

Sendo completamente engolidos pela ferocidade desencadeada pela respiração do dragão, os Cavaleiros Sem Sombra acabam desintegrando e virando pó. Todos, exceto um.

Gideon não se segurou em momento algum, então o corpo do Capitão Robert acabou indo parar lá nas profundezas do túnel. Lá, o redemoinho de chamas não conseguiu chegar.

RUGIDO!

Chamas escarlate surgem bem na frente dos olhos de Robert enquanto ele tenta se levantar.

 

— Urrah!

Ele é abatido sem aviso prévio — por uma espada mundana, que não tem qualquer inscrição nela, lenda para seu nome ou decorações bonitas; pelo aço, forjado com a labuta de um mestre ferreiro dedicado; pelas chamas, que habitam na lâmina cortante. Em uma varredura da esquerda para a direita, Gideon colocou todo seu impulso em um único golpe, liberando o aperto da mão esquerda e focando todo seu peso na mão direita, em um giro corporal suave...

As chamas se arrastam fazendo uma hélice atrás de sua lâmina, seguindo o seu giro.

Do verde profundo da floresta até à cor púrpura da aurora, até mesmo o ocasional rosa claro das flores, os olhos água-marinha do Cavaleiro Gideon refletem cores variadas de tudo que ele já viu.

Até que mudam para vermelho — o vermelho vívido das chamas violentas.

Sua mão direita acaba unida à direita no último momento, enquanto seu corpo completa o giro de 360 graus, aproveitando toda a sua força e o momento perfeito da virada para uma mudança inteligente e hábil — uma integração perfeita seguindo a rotação de seu corpo por trás do peso da espada. Usando cada grama de sua força, ele balança a espada diagonalmente da parte superior esquerda para a direita. É um corte sem hesitação.

— Não vou esquecer de vocês. Jamais.

A lâmina atravessa a testa, o rosto, o peito e o tronco de Robert. Por um breve momento sob a lâmina inclinada, aquele que cortou e aquele que foi cortado trocaram olhares.

— Mas... você... não é ele.

Consumido pelas chamas, o Capitão Robert desmorona, desintegrando-se e deixando seu crânio rachado cair enquanto ele sucumbe.

— Volte quantas vezes quiser. Não importa mais... — Agitando sua espada agora livre, Gideon brande ela mais uma vez e a empurra contra seu velho amigo. — Vou te fatiar sempre.

É um juramento para si mesmo. Um para distanciá-lo de seu antigo eu.

Uma única gota líquida brilha em meio ao incêndio.

Em oposição a suas bravas palavras, Gideon permite que as lágrimas caiam livremente. Sujando seu rosto, ele fungou incontrolavelmente, derramando lágrimas incessantes. Uma a uma, elas desaparecem nas chamas e viram vapor.

Por ter tomado a respiração do dragão, sequer um único fio de cabelo em sua cabeça foi chamuscado.

"Ah, entendi... não é mais parte de mim quando sai de meu corpo..."

Observando até que considere que até mesmo as últimas partículas de seus inimigos esvaneceram, ele balança sua espada e prende-a novamente a sua capa. Gideon quase usa o punho para enxugar o rosto. Em seguida, ajusta o chapéu para tampar os olhos e dá um passo à frente, continuando antes que as chamas iluminando seu entorno se apaguem.

— Pela Princesa.

CLAAAAANG! Ele abre a porta pesada e entra no castelo que mantém sua Princesa cativa.

 

*   *   *

 

LADY Megan está olhando para o espelho em sua torre, onde reuniu lindas e belas coisas para uma princesa. Suas sobrancelhas bem tratadas se uniram, formando vincos em sua testa de porcelana.

— Que deselegante... — No instante seguinte, um turbilhão de chamas envolveu a superfície do espelho e foi até atrás dele. — Não! Como assim?!

O espelho elíptico, emoldurado por ouro e prata conectados a um crânio de safira — O Espelho dos Mortos — deforma de dentro para fora. Lady Megan acha isso apenas perturbador, acha que tudo vai dar certo, assim como da última vez.

Mas o subterrâneo do castelo é o campo de batalha da vez. Um local muito mais próximo dela do que o esconderijo na floresta.

CRACK! CRACK! CRACK!

— O que? O que está havendo?

Soltando um grito ensurdecedor, o espelho estoura por uma lateral — a rachadura fina de antes agora se dispersa em centenas de direções, disparando por todas a superfície do espelho em um piscar de olhos! Lady Megan empurra seu anel sobre o objeto, tentando conter o poder — mas não consegue fazer nada a tempo.

Sons agudos, doloridos, claros e nítidos soam enquanto o Espelho dos Mortos se quebra impiedosamente em inúmeros pedacinhos.

— AAAH!

Estilhaços voam e atacam Lady Megan. Seus braços esguios e seu vestido fino não podem a proteger; ela não tem como fugir. O maior fragmento perfura sua testa branca e imaculada. E nem mesmo um pedaço do espelho cai no chão. Como se os estilhaços tivessem vontade própria, como se fossem criaturas vivas, um após o outro apunhala Lady Megan como se estivessem sendo atraídos. Por mais assombroso que pareça, eles perfuram suas mãos, pés, rosto, boca, garganta e olhos.

 

Ela grita pela primeira vez em sua vida, por causa de uma dor inimaginável. Mas não importa o quanto grite, nenhuma voz sairá e ninguém aparecerá em seu socorro.

 

*   *   *

 

QUANTO mais eu subo as escadas, mais a umidade diminui. As pedras molhadas dão lugar às secas e a pressão do ar aumenta a cada passo.

Saindo do túnel subterrâneo, volto para o solo. Ali, as escadas acabam em uma laje plana de pedra selando a saída. Agachando-se no degrau mais alto, pressiono o ouvido e ouço atentamente.

Não há qualquer sinal de movimento. Assentindo para mim mesmo, desço quatro degraus.

— Se minha memória não falhar, deve ser por aqui...

Apalpo a parede e alcanço o que estou procurando, visto que sempre soube o que era e onde estaria. Bom, não sabia exatamente onde nem o que, mas está valendo. Torço a única pedra diferenciada que está embutida entre milhares de outras pedras.

THUMP! CLIQUE! CLIQUE! DESLIZA! DESLIZA! DESLIZA!

Algo gira dentro da parede, fazendo barulhos incessantes. Posso ouvir correntes sendo puxadas, algo pesado se movendo para cima e para baixo. Muitas coisas parecem estar batendo. Então, a pedra desliza para o lado, um raio de luz começa a surgir ficando cada vez maior. O movimento é cronometrado, não é muito lento nem muito rápido, sua velocidade é adequada para acostumar os olhos à luz. Depois de confirmar que a pedra saiu do caminho, eu avanço.

Assim como pensei, estava logo atrás do altar da catedral. Puxo dois castiçais alinhados para baixo. Eles se inclinam, estendendo as correntes escondidas. Os mecanismos giram novamente, fechando a laje de pedra.

O luar banha o santuário da catedral, que está tão imóvel quanto a morte. Não há qualquer vela acesa para fazer orações ou incensos para purificar o local. Em vez disso, há algo que não deveria estar no lugar.

— Whoa! — Minha exclamação acaba escapando, ecoando pelas paredes e pilares que sustentam vários arcos. Rapidamente coloco a mão sobre minha boca. O padre devia estar por perto. Até mesmo os sons mais suaves deviam ressoar nos cantos mais distantes da sala, já que a estrutura é feita exatamente para que assim aconteça.

Um fio de aranha prateado cobre todo o altar. Isso é um problema sério, mas a coisa verdadeira só está começando. A teia enorme está, na verdade, colocada por toda a sala, abrangendo não só o altar, como também o teto, o piso e as paredes. Apenas qual é o tamanho disso?

Eu me aproximo com muito cuidado. A água acabou cristalizando na teia de aranha enquanto escorria. Um sentimento estranho brota em mim quando me aproximo. Minha capa é atraída por isso, é puxada para a teia de aranha como se houvessem dedos invisíveis me empurrando.

Este é um daqueles casos em que as coisas feitas pelo mesmo poder se atraem?

Corajosamente toquei a teia de aranha com as pontas dos dedos. Todos os fios prateados dela reagiram. Umas luzes prateadas passam pelas brechas, indo direto para o meio da teia. Lá, não há nenhuma aranha, mas sim um orbe, brilhando um pouco, colocado bem no centro e apoiado por um fio cristalino.

"Olhe para mim. Não me esqueça."

Encontrei. A luz pulsa dentro do orbe como se estivesse respirando, tendo seu meio iluminado por luzes vermelha, verde, amarela e com um pouquinho de branco quase transparente. Juntando todas as cores, elas se alternam o tempo todo e formam um arco-íris instável que não deveria existir. Parece que o orbe é pequeno o bastante para caber na palma de minha mão.

"Posso tirar o arco de minhas costas e dar um jeito nisso. Estaria cometendo um sacrilégio caso disparasse uma flecha na catedral. Mas é o melhor a se fazer. Peço perdão depois, faço uma oração, alguma caridade, sei lá. Agora tenho de fazer o que é necessário."

O orbe está posicionado em um lugar onde jamais poderia agarrá-lo com as mãos sem usar algum apoio. E não dá para dizer que é um alvo grande. Mas, por ter vivido na floresta por mais de um ano, melhorei minhas habilidades com arco e flecha em mais de dez vezes.

Toco na teia de aranha de novo. Desta vez, encosto o fio prateado de minha capa nela. A onda de luz criada é muito mais forte que a outra. Pego a flecha, miro e preparo o arco, esticando a corda até o limite. A envergadura da arma se dobra, sua forma fica parecida com o terceiro ou sétimo dia do ciclo lunar.

Para tudo só precisei de uma flecha. Inalei em silêncio, prendi a respiração... e disparei a flecha contra o centro da luz. A corda do arco solta e faz barulho enquanto a envergadura volta ao normal. A flecha voa, fazendo uma curva suave, depois perfura a parte de baixo do orbe em um piscar de olhos.

A tensão da teia acaba. Não errei na mira. Um arco-íris começa a vazar do orbe. Mas não há qualquer som.

"Não vai acontecer nada?"

Meus ouvidos doem.

Pequenos tremores começaram a se espalhar do centro paras as pontas da teia, uma onda crescente de vibrações acaba causando uma aflição sonora.

Meus ouvidos doem.

— Merda...

No segundo seguinte, a teia de aranha se desintegra, criando uma música bonita e ao mesmo tempo sinistra.

Respirando aliviado, me movo mais para dentro do santuário, agora livre. Normalmente, o local fica sempre aberto e poucos notam a porta escondida, que se confunde com as paredes. Quando alguém acaba sabendo sobre a existência disso começa a procurar sem parar. Sei porque passei várias noites bêbado com alguma mulher me fazendo companhia enquanto vagava pelas várias passagens secretas do castelo em meus tempos de jovem. Era uma excelente forma de escapar da atenção das patrulhas.

Abro a porta rapidamente, deslizo para dentro e me escondo na passagem estreita que apenas aqueles responsáveis pela limpeza do santuário conhecem. Ou, então, apenas aqueles que possuem a confiança do papa, seus seguidores e do Rei.

Do outro lado da parede, posso ouvir os fios se rompendo e caindo no chão. Logo após isso, as portas duplas da entrada são abertas e batem com toda força nas paredes, sacudindo-as. Um bando de idiotas incivilizados... não que eu possa falar qualquer coisa.

Passos pesados soam, esmagando fragmentos de cristal sob os pés. Conto seis homens equipados com armadura e usando botas de metal.

— O que houve?

— Isso parece ruim.

— Merda.

— Alguém informe isso ao capitão agora mesmo!

"Merda, isso não é bom", os músculos de meu rosto ficam tensos.

— Não, não! Espera, espera aí! As coisas ficarão ainda piores se não fizermos nenhum barulho. Vão culpar a gente!

— "A gente" não, você!

— Não me enche! Acha mesmo que pode jogar toda a culpa em mim?!

— O santuário não é de sua responsabilidade?

— Sua também!

— Ei, espera aí. Fica calmo. Não seremos punidos se não dissermos nada.

— Mas vão fazer o inferno quando descobrirem.

— Não vai ser problema nosso se isso acontecer quando nosso turno acabar, né?

— Hmm, boa ideia... Só temos que jogar a culpa para os caras do próximo turno.

Os passos soam se afastando e logo depois as portas são fechadas.

Ótimo, agora é hora de ir. O medo deles me garantiu algum tempo. Eu saio, agora de costas para o santuário. 

— Só mais um!

 

*   *   *

 

OLHANDO para o seu trono, o Lorde Ardiloso sussurra com uma voz vertiginosa:

— Em breve... Logo mais tudo será meu! Tudo, todos os meus sonhos, tudo mesmo... logo, logo!

Sobre o trono, faltando alguém digno o bastante para ocupá-lo, está uma almofada de veludo vermelho. Uma coroa de ouro repousa sobre ela. Com uma única pedra, vermelha, no centro, a única decoração, a coroa brilha com uma majestade vermelha enquanto reflete as luzes das lâmpadas.

Lorde Siegfried estende a mão para a luz brilhante.

— Em breve. Logo será meu: o reinado, a coroa, o castelo, o reino... tudo isso... vai ser tudo meu...

Só então ele escuta o barulho de vidro quebrando — ou talvez seja uma criança pequena gritando. Girando, ele olha para onde está o terceiro item da magia negra protetiva. A menor, mas melhor teia de aranha suporta o terceiro orbe, que parece ter quebrado. Perde sua cor, o brilho e desintegra feito cinzas. Ou, para ser mais exato, vira cinzas de verdade e flutua pelo ar antes de desaparecer.

— Oh? OH, NÃOOOOOOOOOOO!

A cara do Lorde Ardiloso convulsiona; ele puxa o cabelo. No entanto, não adianta de nada, então arranha as têmporas e bochechas, depois arrasta a mão furiosamente até o queixo. Sem perceber que está bagunçando sua preciosa barba, arranca uma parte dela, coçando a pele até fazer feridas.

— Não vou deixar ninguém entrar em meu caminho... NUNCA!

E então ele sai correndo. Um cavalheiro de status senhoril aparece pelos corredores, jogando seu cabelo, que está na altura dos ombros, em total desordem. Os oficiais, soldados particulares e criados ou olham por cima dos ombros e ficam boquiabertos ou desviam os olhares do espetáculo bizarro e tremem de medo.

O destino de seu trajeto enlouquecido; o quarto da Princesa Lala Lilia. O Lorde Ardiloso pega um molho de chaves pendurado no cinto, suas mãos trêmulas e suadas atrapalhando-se.

— Qual é? Qual é agora? ARGH! Para que esse monte de chaves?! — Riscos e traços de uso marcam o buraco da fechadura enquanto ele empurra cada uma das chaves para dentro até encontrar a correta. Parece que alguém tentou abrir o maldito buraco de fechadura com uma faca pequena. — ONDE ESTÁ A PRINCESA?!

Ele abre as portas, chutando com violência a tela de partição que está logo adiante. Além da tela está uma empregada e uma costureira, assustadas e congeladas... e a Princesa Lala Lilia. Elas estavam fazendo o vestido de noiva; o processo já levava uma noite inteira. Vasos sanguíneos minúsculos enchem os olhos da empregada e da costureira, e seus dedos estão cobertos de furos e cortes. Com pressa, tentando fazer o bordado sob a luz de velas, isso só pode ser feito por alguém bem experiente.

A Princesa tinha acabado de tirar o vestido e estava lá, usando apenas uma roupa de seda, branca e sem manga, de bainha curta. Em suas pernas, meias brancas finamente tecidas. Decorando seus pés, sapatos brancos de bicos prateados com uma costura bem firme, terminando em um salto fino e inadequado para uma criança de sua idade.

A empregada se apressa e abre os braços tentando tampar a visão. 

— Você não pode fazer isso! Por favor, saia do quarto agora — exige com a voz trêmula. — Sua Majestade está trocando de roupas.

— Mova-se! — O Lorde Ardiloso balança suas mãos. Seu soco pesado bate no rosto da empregada, fazendo com que ela caia e solte um grito. — Venha comigo, Princesa.

Ele atravessa a sala e agarra o pulso da Princesa rudemente.

— NÃO! ME SOLTA!

Jogada no chão, a empregada agarra o tornozelo do homem que está arrastando uma Princesa protestante à força.

— Você... não pode... ao menos... deixar ela se vestir...

— Vadia maldita!

O Lorde Ardiloso perdeu toda a paciência. Ele levanta a perna e pisa no corpo, rosto e mãos da mulher, chutando-a e fingindo que não escuta os gritos dela.

— NÃO fique no meu caminho! NÃO ME ENCHA! Você acabou de ser rebaixada a empregada da cozinha! Vá para lá e viva o resto de sua vida miserável de joelhos sobre os pisos oleosos, sua peste inútil!

— PARE! — grita a Princesa. Jogando seu cabelo vermelho, solto e ondulado, voando pela roupa branca que usa, batendo com os pés no chão. — Eu vou com você. Então pare de chutar ela — ordenou.

O Lorde Ardiloso balançou a cabeça para trás, sem jeito, tentando encarar a Princesa. Seus olhos são como o de um homem vendo seu sonho de uma noite de verão; embora existam muitos sonhos, na verdade também podem ser pesadelos. Seus olhos a devoram, fazendo um buraco através da garotinha.

— OOH! OOOH! Minha Princesa! Você virá comigo? — Sua boca se contorceu em um sorriso complacente, seus lábios levantam até que todas as gengivas acabem à mostra, de modo que quase divide seu rosto em duas metades. — Boa garota. Boa garota. Vamos lá então. Por que não vamos direto para a sala do trono? Você simplesmente não aguenta mais esperar pela cerimônia de casamento, não é? Ooh, que Princesa adorável...

 

*   *   *

 

PUXA! Minha capa puxa em uma direção específica, como se dedos minúsculos estivessem agarrando sua bainha. A força é tão pouca que eu não teria notado se não estivesse muito concentrado.

— Por aqui?

Mover-se pelo castelo sem ser visto é bem trabalhoso, mas não impossível. Às vezes me movo pelo espaço entre uma parede e uma tapeçaria pendurada. Em outras ocasiões, escorrego por corredores estreitos entre duas paredes ou pego um dos corredores de serviços.

Considerando aquilo que vi no santuário, neste castelo, quanto mais distante do topo da cadeia alimentar está um indivíduo, mais querem esconder qualquer coisa problemática possível. Quanto pior for sua situação, mais provável que tente esconder os problemas. Isso me ajuda muito.

Progrido pelo castelo, deixando a capa me direcionar com seus puxões. A força fica mais fraca. Quebrar um dos orbes deslocou toda a carga para o outro?

"Se eu me lembro bem, logo à frente está..."

Vou seguindo pelo corredor da cozinha, onde os pilares começam a ficar mais desprotegidos. Cheiro de carnes e pães recém cozidos flutuam por todos os lados. Abrindo a portinha, espio o local. Como pensei, é o salão de banquetes. A luz ofuscante das velas penduradas no teto e nas paredes me cega.

Pratos, facas, garfos e copos estão colocados numa mesa enorme, que está imponentemente colocada no centro do salão. Inúmeras flores decoram todas as paredes. Os preparativos para o banquete estão andando em um ritmo acelerado.

Sobre a cadeira do Rei há uma tapeçaria bordada com a paisagem do reino, com o brasão da família real no centro.

— Hm...? — Eu esfrego meus olhos.

Que engraçado — há algo de errado, não parece com o que me lembro. Objetos estranhos estão colocados aqui e ali — estão flutuando, tudo fora de lugar. A diferença entre minhas lembranças e o que está à frente machuca meus olhos, rasgando-me de dentro para fora. É bem desconfortável. É o mesmo sentimento que tive quando olhei para o castelo de longe.

— Eu sabia, tem algo de diferente aqui. — Outro padrão surge como se fosse uma ilusão fantasma na mesma hora em que falo. É uma teia de aranha. Uma teia de aranha prateada foi tecida acima da tapeçaria. Pulsando em seu centro está o último orbe arco-íris. — Sorte grande.

Agora, como devo lidar com isso? Ao contrário do último, este é meio complicado. Acho que uma flecha voando pela tapeçaria acabaria se destacando.

"Bom, tenho um truque na manga."

Permanecendo escondido, espero segurando a respiração por um tempo, aguardando por uma pausa no fluxo constante de servos ocupados entrando e saindo por um corredor. Estão preparando o banquete, mas são todos homens e mulheres que estão exaustos, mancando e cambaleando; nenhum deles está sem qualquer lesão. Dado qualquer tipo de oportunidade, deve que correm para fazer uma pausa.

E definitivamente haverá um momento oportuno em que isso acontecerá — veja, já está acontecendo.

Abro a porta e coloco metade de meu corpo pelo vão dela. Tiro o escudo das costas, seguro ele e...

Em que ângulo e com que força devo jogar? A pausa me dá tempo mais que o bastante para focar em meu alvo.

Eu jogo isso... O escudo voa, girando na horizontal, direto na tapeçaria, bem onde mirei! Ele quebra o orbe, bate contra a parede atrás dele e ricocheteia de volta. Pego o equipamento quase quando cai no chão, arrancando-o do ar antes que caia, isso acaba por enviar uma vibração agradável pelo meu braço todo.

 

— Ha! — Observo o orbe até que ele se desintegre por completo, então corro de volta para o corredor da cozinha.

"Uau."

Vejo alguém mais à frente. Escondo-me atrás de um pilar com bastante rapidez.

É uma mulher. Ela parece estar com muita dor, mesmo sendo tão jovem... está arrastando a perna, seu andar está instável. Em suas mãos trêmulas, carrega um jarro com vinho até a borda. A luz bruxuleante das velas ilumina seu rosto e eu respiro fundo. Seu olho esquerdo está bem inchado, que doloroso. Alguém bateu nela.

"Que crueldade!"

Em contraste ao salão de baquetes, o corredor da cozinha é escuro e mal iluminado. Além disso, uma vez que este lugar não fica à vista, usam isso como uma desculpa para deixar lixo jogado por todos os lados. Jogaram lixo no chão e deixaram manchas de comida derramada e poças de óleo e sopa no piso.

— AH!

O pé da mulher escorrega e ela perde o equilíbrio. Sua mão dispara em direção da parede e a agarra, mantendo-a em uma posição vertical. Infelizmente, a mão esquerda sozinha não suporta o peso do jarro e ele cai no chão e se destroça. O vinho respinga por todos os cantos, feito sangue jorrando de uma veia cortada. O cheiro de uvas ricas enche o corredor. Sério, eu iria ajudá-la, se não fosse o problema de tempo e local.

— EI! O que você fez, sua bruta desmiolada?! — grita um homem que vem esbravejando. — Como você se atreve a desperdiçar este vinho caro?! Sua vida não vale sequer uma gota desta bebida! Morra! MORRA! Aceite a sua morte!

Ele levanta a mão gorda, que está segurando um porrete tão gordo quanto. A mulher grita e cai sentada. Ela joga as mãos na frente do rosto em uma última tentativa de se proteger.

— MORRA, sua puta maldita!

Meu corpo se move mais rápido que meus pensamentos.

CLANG! Metal bate contra metal. Vibrações do impacto correm do escudo para minha mão. A cabeça dela teria sido esmagada feito um ovo caso tivesse sido acertada pelo golpe.

— Você tem o hobby de bater em pessoas indefesas?

Os olhos sujos dele se arregalam e o homem começa a mover a boca sem som algum. Ele tem um bafo de bêbado. Não é de se admirar que esteja tão familiarizado com o quão caro é o vinho.

— Então, que tal tentar bater em mim? — Faço um convite.

Depois de parar o golpe, dou um passo à frente, sacudindo o porrete enquanto balanço o escudo de um lado para o outro. O homem cai só com isso, a diferença entre ele e as abominações que enfrentei no túnel do subsolo é chocante.

"Não vale a pena nem cortar isso."

O Homem do Porrete cambaleia para trás tremendo feito vara verde. Aperto meu punho direito e soco o sujeito.

— GUAAAAAGHH!

O homem bate na parede e desliza pelo chão, sue porrete rolando para longe de sua mão estendida e mole.

— Você está bem?

A mulher acena com a cabeça, mesmo enquanto trêmula. Eu lhe ofereço a mão e ajudo-a a ficar de pé. Mas que diabos foi isso? Ela está coberta por ferimentos, até mesmo nas pontas dos dedos.

— Este tratamento ultrajante acaba hoje. Vou acabar com isso.

— O Caçador da Estrela de Invernal... — Seu olhar se fixa no meu escudo. — Gideon?

— O quê?

— Você é o Cavaleiro Aguilhão, Gideon, não é?

Ela diz isso exatamente como a Princesa o faz. Desde as mudanças em sua voz até às vogais enfatizadas enquanto fala.

— Como você sabe disso?

— A Princesa falou sobre você.

Está confirmado: ela é uma aliada.

— Onde a Princesa está?

— Na sala do trono. Ele disse que a cerimônia de casamento será feita lá.

A sala do trono, hein? Isso é perfeito para que meu caminho seja lendário. Espera, ela falou sobre uma cerimônia de casamento?

— COMO SE EU FOSSE DEIXAAAAR! — grito.

O sangue ferve em minhas veias. Mesmo sabendo que esse sempre fora seu objetivo, ouvir uma coisa dessas em voz alta me irrita!

— Hum... Sir Cavaleiro?

Calma, Gideon. Você está na frente de uma dama. Respire fundo e acabe com essa intenção assassina desnecessária.

— Você tem a minha gratidão. — Seguro a mão dela mais uma vez. Envolvendo as minhas mãos ao redor de sua palma, dou um beijo na ponta de seus dedos. Não consegui pensar em outra maneira de expressar minha gratidão e respeito por sua coragem.

— Por favor... salve a Princesa.

— Com certeza o farei.

— Deus esteja contigo, Sir Cavaleiro.

— Obrigado.

Me separo dela e sigo pelo corredor da cozinha. Ótimo, finalmente consegui um pouco de espaço para respirar.

— Descobri onde a Princesa está, parceiro. — Falo com a escama embutida em meu peito enquanto ando em um ritmo acelerado. — Ela está na sala do trono, no andar mais alto do castelo. Seria mais rápido se você voasse para lá... — Nenhuma resposta. — Oi? Escamas Bravias, você está me escutando?

Eu paro.

Impossível. Não tem como aquele dragão sério e alarmado não ter nada a dizer nessa situação.

— Está me dando um gelo? Isso não é legal. — Concentro o fluxo de energia em meus olhos, mas minha visão não muda. Não consigo usar os olhos do dragão. — De forma alguma... Oi, não pode ser... será que... Isso é uma piada maldosa, não é?

Eu quero acreditar que nossa conexão está meio enferrujada, mas minha mente já entendeu o motivo da falta de contato. Há apenas um motivo para eu não escutar a voz do dragão ainda... A barreira que devia ter sumido ao destruir o segundo orbe ainda... prevalece.

Por quê? Eu já acabei com os dois itens de magia negra. Então, por que não funcionou?

— O que está havendo aqui...?

Suor frio está cobrindo minhas mãos.

O que devo fazer? O que posso fazer? Oi, e aí?!

Cerro meus punhos e dentes. A resposta é óbvia. Se eu ficar perdendo meu tempo, perdido em pânico, a Princesa será forçada a se casar com aquele desgraçado! Eu tenho que impedir! Não, vou impedir, com certeza. Definitivamente vou evitar esse desastre! Sem dúvidas!

Movendo minhas pernas já duras, me preparo para correr para o perigo.

— Qual é o problema? — E digo para mim mesmo: — Você sabe para onde ir.

Agora só preciso me mover. Não é fácil? Vamos, vamos logo fazer isso, Gideon Aguilhão.

— A Princesa está esperando.



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