Volume 1

Capítulo 8: Duelo

No dia seguinte a festa, a Marie se encontrava encolhida na cama, ela abraçava as pernas com força enquanto roía a unha do polegar. — Quem diabos era aquele cara? Por que um figurante veio atrapalhar o meu plano perfeito?!

Desde a festa, ela se trancou no quarto, evitando contato com qualquer um. Os personagens namoráveis respeitaram essa decisão, pensando que deveria ser por conta do choque de ser desafiada para um duelo de uma hora para a outra.

— Vai dar tudo certo. — Marie tentou se acalmar. — Não tem como aqueles cinco perderem. Além do mais, aquele cara é só um figurante. Ele não dever ser nada demais. Tenho certeza de que vão conseguir. Tsk, fico puta só de lembrar o rosto dele. Lembra muito o do meu falecido irmão.

Alguém bateu na porta, interrompendo seus resmungos sobre aquela coisa inútil que um dia ela chamou de irmão. Antes que pudesse responder, Kyle invadiu o quarto.

— E-ei. Pelo menos espere até eu falar que pode entrar!

Kyle soltou um suspiro. — Tudo bem, vou tomar mais cuidado da próxima vez.

— Você fala a mesma coisa toda vez que te aviso.

Se alguém visse a cena, o Kyle, que entregava o café da manhã que ele mesmo preparou, pareceria o servo perfeito. No entanto, havia um problema, a personalidade um pouco problemática que vinha junto. De acordo com a história do jogo, por conta de sua boca suja, os compradores sempre o devolviam em pouco tempo. O que o fez se tornar um produto defeituoso no mercado de escravos.

— Preparei uma refeição cheia de legumes hoje — disse Kyle.

— Eu odeio legumes...

— Espero que os coma mesmo assim. Você parece lamentável reclamando dessas coisas, mestra.

Ninguém iria acreditar que o Kyle era um servo se o visse falar dessa forma com a Marie. No jogo, ele sempre era impecável com seu trabalho, e passava aquela imagem de irmãozinho fofo, esses comentários rudes eram vistos como apenas um charme. Contudo, ouvir essas coisas todo o santo dia já estava começando a estressá-la.

“Bem, pelo menos ele é fofinho, então vou perdoá-lo”

Depois de ficarem juntos por algumas semanas, a Marie percebeu o quão bom era ter alguém tão diligente cuidado dela. Sua vida antiga teria sido muito mais fácil se também tivesse um homem que cuidasse das tarefas domésticas e a tratasse bem.

— O que aconteceu com o assunto do duelo?

Kyle colocou a bebida no copo e entregou para ela. — Parece que a Sua Alteza e os outros conseguiram permissão para usar a arena. A academia não queria aceitar no começo, mas o Jilk e o Brad conseguiram convencê-los depois de muita conversa. E, pelo que ouvi dos outros servos, as notas do daquele Leon não são lá grande coisa. Todo mundo está falando que isso nem vai poder ser considerado uma luta.

— Então é assim. — Marie se sentiu mais calma ao ouvir isso, ela então se sentou e começou a atacar o seu café da manhã.

— Você poderia ter me elogiado um pouco mais — reclamou Kyle. — Foi cansativo sair por aí caçando informações dos outros servos.

— É-é mesmo, obrigado pela ajuda.

Por algum motivo, o Kyle gostava de fazer favores sem que ela pedisse e, logo em seguida, exigir sua gratidão. Marie tinha que ficar se lembrando que o menino era competente, além de ser bonito, então valia a pena aguentar aquela estranha forma de agir.

“Eu sou muito boazinha. Qualquer outra garota já teria se livrado dele a muito tempo, mas meu coração é grande demais para fazer isso.”

Aquele figurante conseguiu atrapalhar um pouco os seus planos, no entanto, a queda da Angelica ainda era algo certo.

“Que idiota. Só precisei provocar um pouco para aquela mulher vir para cima de mim exigindo um duelo.”

Marie sabia que a Angelica tinha um pavio curto e, por isso, propositalmente a fez perder a cabeça durante a festa. Primeiro, se manteve o mais próximo possível do príncipe. Então, quando percebeu que a filha do duque não tirava os olhos dela, começou a ir para cima dos outros garotos, dando as mãos e flertando em voz alta.

Após o duelo, tudo que faltaria era fazer os preparativos para as férias de verão. Marie ficaria um bom tempo explorando as dungeons da capital para coletar itens e, após isso, seria hora de coletar as últimas peças que faltavam para completar o seu plano.

Claro, essas “últimas peças” eram os equipamentos que deveriam pertencer a protagonista. Itens de extrema importância para a continuidade da história do jogo.

“Mal posso esperar. Em pouco tempo, todos irão a me chamar de santa!”

***

— Não passou um dia e já conseguiram fazer essa bagunça. — Cruzei meus braços enquanto examinava o quarto destruído.

Quando olhei para cima, Luxion, que devia ter ficado invisível durante a loucura, reapareceu e começou a descer até ficar no nível dos meus olhos. Após isso, ele começou a projetar no ar um vídeo mostrando o que havia acontecido.

— Enquanto o mestre estava fora, alguns alunos invadiram seu quarto e vandalizaram o lugar — explicou Luxion. — Os culpados são do grupo com que o mestre sempre anda, mas as pessoas que estavam dando as ordens tinham um status superior.

No vídeo, havia um bando de nobres riquinhos dando ordens para alguns garotos com a posição mais baixa. Também vi o Daniel e o Raymond sendo feitos de lacaios junto a eles.

— Então os dois participaram disso — sussurrei.

— Parece que sua amizade não durou muito.

— Eles só priorizaram os próprios futuros. É só olhar para a cara deles, qualquer um pode ver que os dois foram forçados a fazer isso. Ninguém pode culpá-los. — Virei meu olhar para o Luxion. — Você é cruel demais.

Pareceu que isso o irritou — Não quero ter que ouvir isso saindo da boca do mestre. De qualquer forma, talvez você ache isso interessante, alguns alunos estão apostando para saber o resultado do duelo.

Vendo o vídeo que o Luxion mostrou, era fácil de perceber que todos pensavam que eu já havia perdido. Contudo, isso não era bom para os apostadores, ninguém iria colocar um único centavo em mim, o que tornava impossível começar as apostas.

— Parece que não sou muito popular.

— E estava esperando outra coisa? A propósito, já preparei o que você pediu. Ele chegará no dia do duelo. O que pretende fazer até lá?

Parei um pouco para pensar. — Pode preparar dez mil moedas de ouro? Espera, acho que quinhentas de platina vai ter mais impacto, não é? Bem, não faz diferença, só preciso apostar tudo em mim. Vamos deixar isso mais divertido para todo mundo.

— O mestre é mesmo uma pessoa cruel. Não teria sido melhor agir como um mediador ao invés de se enfiar no meio de um duelo que não tem nada a ver com você? Não vejo sentido em atiçar ainda mais o fogo.

Após um momento de silêncio, eu disse: — Então acha que seria melhor ficar sentado e assistir a Marie saindo com aqueles cinco? Sou do tipo que prefere resolver todos os problemas de uma só vez.

— Em outras palavras, o tipo que costuma falhar.

— Não quero ficar mais envolvido do que já estou. Então vou acabar com isso logo. Só entrei nessa porque senti vontade, nada além de um pequeno capricho... Ver aqueles caras agindo como se fossem o centro do universo simplesmente me deixou puto.

— Se você diz.

Mesmo não parecendo, eu ainda estava um pouco preocupado. A academia vivia em seu próprio mundinho e, por conta disso, todos os problemas eram resolvidos sem a interferência do exterior. Contudo, as notícias ainda podiam escapar, não demoraria muito para que história sobre o duelo entre a filha do duque e o príncipe chegasse aos ouvidos do resto da sociedade. E essa era a parte preocupante.

Levantei os ombros. — Depois de pegar essas moedas, vou achar quem ‘tá cuidando das apostas e colocar tudo em mim.

Dessa forma, os outros alunos poderiam começar a apostar no grupo do príncipe. E eu ter tanto dinheiro não deveria chamar muita atenção — provavelmente pensariam que o consegui durante a minha viagem.

Agora, se alguém descobrisse a facilidade com que o Luxion era capaz de produzir ouro e outros metais preciosos, essa pessoa não iria pensar duas vezes antes de tentar se livrar de mim para roubá-lo. E eu preferia evitar isso se possível.

Bem, deixando essas partes de lado, até que estava ansioso para o duelo.

— Então irei prepará-las imediatamente — disse Luxion. — Temos que ir até o porto para buscá-las. Ah, e parece que seus dois amigos estão esperando lá fora.

Quando sai do meu quarto, dei de cara com o Daniel e o Raymond parados, assim como Luxion havia dito, ambos olhavam para baixo e pareciam um pouco pálidos.

— D-desculpa. — As voz de Raymond mal podia ser considerada um sussurro.

— Eles mandaram a gente ficar longe de você...e só podemos obedecer — avisou Daniel, com uma expressão cheia de remorso.

Parecia que os dois podiam começar a chorar a qualquer segundo.

Dei um passo à frente, passando entre eles enquanto falava: — Só para avisar. Vocês podem conseguir uma boa grana se apostarem em mim nesse duelo. E... desculpa, acabei arrumando dor de cabeça para os dois.

Continuei a caminhar em direção a saída, sem dizer mais uma palavra.

***

Cinco homens se reuniram na cantina da academia.

— O que a gente faz agora? Finalmente temos um duelo, mas não vai ter como pagar as apostas se ninguém colocar dinheiro no outro cara.

— Sim, mas todo mundo sabe que o time do príncipe vai vencer.

— Se pelo menos o outro lado conseguisse cinco pessoas... Calma, por que a gente não muda o jogo um pouco? Que tal fazer o pessoal apostar em quantos herdeiros aquele retardado vai conseguir derrotar antes de perder?

Essas eram as pessoas que iriam gerenciar as apostas para o duelo. Eu estava caminhando na direção deles enquanto puxava uma carroça. Os cinco ficaram perplexos quando me viram.

— Foi mal aí pessoal, por minha culpa, vocês estão tendo problemas para começar as apostas — falei, me enfiando na conversa. — Acho que fazer um jogo simples é melhor, não concordam? Só na minha vitória ou derrota. Ah, já que ‘tamo falando do duelo, eu gostaria de apostar tudo isso em mim.

Abri a caixa que estava em cima da carroça, revelando uma montanha cintilante de moedas de platina — muito mais valiosas que as de ouro. Eles ficaram paralisados quando viram aquilo.

— Agora vocês podem começar a aceitar as apostas dos outros alunos, não é?

Como ninguém queria colocar nada no meu lado, decidi trazer aquela enorme quantia para poderem começar os jogos. Todos estavam certos de que não tinha como eu vencer, então, quando perceberem que era possível fazer dinheiro fácil apostado contra mim, um monte de imbecis iria usar cada centavo que tinham guardado, ou pegar emprestado com alguém, para tentar tirar proveito disso.

Um deles se aproximou para olhar as moedas de perto. — Isso é tudo platina, não é? V-você tem certeza de que quer apostar tanto?

No meu mundo antigo, isso valeria por volta de um ou dois bilhões de ienes1. Muita coisa, não nego. Dinheiro demais para um aluno normal ficar carregando por aí.

— Mas é claro — respondi. — Sou o homem que capturou uma dungeon sozinho. O que tem de errado em apostar tudo que tenho em mim mesmo?

Os cinco engoliram seco antes de começar a verificar se as minhas moedas eram mesmo verdadeiras.

— Agora vamos conseguir fazer o pessoal começar a apostar!

— Temos que falar para todo mundo de uma vez!

— Esse vai ser um duelo divertido de assistir!

Era bom vê-los ficando animados.

De repente, uma voz surgiu atrás de mim. — Bartfort... Eu gostaria de falar um pouco com você.

Olhei por cima do ombro. Esperando que fosse o Nicks ou talvez a Jenna, mas, para a minha surpresa, foi a Angelica que me chamou.

A cantina ficou em completo silêncio.

***

Angelica me guiou para uma sala vazia, sem qualquer pessoa por perto.

“Acho que é uma das salas para os garotos fazerem as cerimonias do chá. Será que ela alugou só para conversarmos?”

— Quando falei para um professor que eu precisava de um lugar para falar com você a sós, ele me entregou a chave com um sorriso no rosto — explicou Angelica. — Parece que vocês dois são bons amigos.

Não acredito! O Shishou fez isso por mim? Bem, eu não podia esperar menos. Como a personificação viva do cavalheirismo, era apenas natural para ele mostrar tanta consideração para as outras pessoas. Mas, mesmo assim, fiquei tão tocado que uma lagrima escorreu pelo meu rosto.

— Bartfort, quero que você se retire desse duelo. — Angelica finalmente conseguiu dizer o que queria. Seu rosto havia ficado mais magro e estava marcado pelo cansaço.

— Fugir agora só iria piorar a minha imagem. — Não que me importasse com esse tipo de coisas. Eu queria participar, então não tinha porque parar agora.

Um sorriso vazio apareceu no rosto dela. — Você já está enfrentando as consequências disso, não é? Eles destruíram o seu quarto e tenho certeza de que planejam continuar fazendo esse tipo de coisa até o dia do duelo.

Pelo visto, “eles” iriam dar tudo de si para garantir que a gente não tivesse nenhuma chance de vencer. Eu tinha certeza de que a turminha do Julius não fazia nenhuma ideia do que estava acontecendo. Eram os seus lacaios fiéis agindo pelo bem deles.

“Nossa, é incrível ver tanta lealdade! ”

Infelizmente, aqueles idiotas estavam mexendo com o cara errado. Eu era apenas um figurante, mas isso não me impedia de ser uma pessoa mesquinha ao extremo. Eles iriam receber o que mereciam, com juros, é claro.

Nunca gostei de fazer esse tipo de coisa, preferia muito mais ficar quieto e só esperar a tempestade passar, mas eu já havia decidido que iria me mover daquela vez.

— Já não tenho nenhum poder, não mais — confessou Angelica. — Não sei o que esperava de mim, mas não tem nada que eu possa fazer por você.

Soltei um suspiro. — Deixa eu adivinhar, sua família te mandou um aviso, não é?

Ela colocou os braços em torno de si mesma, apertando com força. — Falaram que fui muito imprudente por exigir um duelo. Mas eu... eu tinha que fazer alguma coisa! Qualquer coisa! A única coisa que queria era tirar aquela mulher do lado do príncipe. Não conseguia pensar em mais nada. Quando disse isso para minha família, eles me mandaram ficar quieta e não fazer mais nada. Agora acabou tudo. Se tiver sorte, vou ser enviada a alguma região fronteiriça para ficar em prisão domiciliar. E se tiver azar...

Ela seria forçada a acabar com a própria vida. Suicido para pagar pelos seus erros. Não que eu fosse deixar as coisas chegarem a esse ponto.

— Parece que ainda não entendeu — falei. — Nunca me importei com o fato de que você vinha de uma casa de duques.

Angelica ergueu a cabeça e começou a olhar para mim, surpresa.

— Então porque diabos se enfiou no meio disso?! Você é um idiota?! Não, você com certeza é um idiota! Escuta, mesmo que saia vitorioso, a sua vida já acabou. Nossos oponentes são o futuro rei e 4 grandes nobres. O que planeja conseguir provocando eles?! — Angelica falou até ficar sem ar.

Dei um pequeno sorriso antes de responder: — E quem liga pra isso? Nunca me importei com status ou influência. Você ao menos faz ideia de como as coisas funcionam para nós que estamos na base dessa pirâmide? Coloquei sangue, suor e lagrimas para conseguir me tornar independente, mas agora tenho que ficar todos os dias puxando o saco de um monte de garotas pau no cu. Já ‘tô cansado de disso. Se é assim que a minha vida vai ser, acho que é muito melhor encher os caras que odeio de porrada e ir embora daqui.

— E como fica a sua família?!

Levantei os ombros. — Já sou um cavaleiro independente. Mesmo que seja algo provisório. De qualquer forma, a minha família é considerada uma casa diferente.

— P-provisório? — falou Angelica, um pouco preocupada, mas parecia que estava conseguindo entender onde eu queria chegar.

— Você quer manter a Marie longe do príncipe. Eu não gosto dele nem dos outros grandes nobres, então quero meter porrada neles. Simples, não é? Nós formamos uma dupla perfeita.

Sendo honesto, assim como a Angelica, eu também não gostava daquela menina.

Ela deu alguns passos para trás antes de responder. — Você é louco? Seus oponentes são os melhores do nosso ano.

Aquilo não seria um problema. Se estivéssemos no terceiro — não, até mesmo no nosso segundo ano — a história podia ser diferente. Porém, do jeito que eles estavam, eu poderia cuidar dos personagens namoráveis sem nem suar.

— Vai dar tudo certo — assegurei. — Sei que não parece, mas até que sou bem forte.

— Acha mesmo que vou acreditar em você?! — gritou Angelica. — P-parando para pensar, ouvi dizer que vários aventureiros ficam com alguns parafusos a menos depois de explorar tantas dungeons. Você deve ser um deles!

— Ei! Precisa ofender? Não sou um idiota. Só entrei nessa por que sei que tenho uma boa chance de vencer. Além disso, foi você que começou esse duelo!

Ela desviou o olhar. — É-é por isso que estou falando para você sair! Desculpa por ter feito isso, irei me responsabilizar pelas minhas ações. Mas você pode continuar na academia. Não precisa se envolver ainda mais... Além disso, se oferecer para ser meu representante durante a festa já foi mais que o suficiente para mim.

Do ponto de vista dela, eu dei um passo à frente para ajudá-la, sem nem pensar nas consequências, enquanto todos a viam como um inimigo. Talvez me visse como algum tipo de herói. Mas um figurante nunca conseguiria ser um.

Nah... já cheguei a esse ponto. Fugir agora seria meio... vergonhoso.

— Você percebe que o Greg e o Chris também serão seus oponentes? Aqueles dois são fortes, sem brincadeira.

Ela não estava mentindo. E não era só os dois, o resto do grupinho do príncipe também estavam muito acima dos outros no nosso ano. Contudo, a parte do “no nosso ano” era um detalhe muito importante.

— E mais uma coisa — disse Angelica. — O que pensa que está fazendo, apostando todo aquele dinheiro em si mesmo?

Podia explicar que, na verdade, eu odiava apostas, mas, ao invés disso...

— Por que não faz o mesmo também? — Um sorriso sarcástico se formou no meu rosto. — Dá para conseguir uma fortuna desse jeito.

— Eu não preciso disso! Por acaso parece que estou desesperada atrás de dinheiro?

“E é por isso que essas garotas mimadas são...! Quer saber, deixa pra lá”

— Essa perseguição não vai durar muito tempo. Faltam só alguns dias para o duelo. — Me virei para a saída ao dizer essas palavras.

***

E, finalmente, o dia do duelo havia chegado.

A arena da academia era enorme. Uma barreira magica protegia os espectadores para garantir a sua segurança. Inúmeros alunos haviam lutado naquele local. E só de pesar nisso eu... não sentia nada, para falar a verdade.

Troquei de roupas na sala de espera e comecei a me olhar no espelho.

— Caiu bem em você — disse Luxion. — Mas isso era o esperado. Afinal, fui eu que a preparei para o mestre.

O tom cinza escuro do traje combinava com a cor da armadura que eu estava prestes a pilotar. A parte de baixo era um tecido que parecia grudar na minha pele e, por cima disso, vestia uma calça e um colete. Ele chegava até o pescoço, oferecendo uma proteção extra. Contudo, não fiquei muito feliz de usar uma roupa de lycra que mostrava cada centímetro do meu corpo.

— Não pensei que fosse ser assim — reclamei. — Vai fazer outra.

— Me recuso. — Luxion respondeu no mesmo segundo. — O design e a cor podem ser diferentes do que você pediu, no entanto, isso não muda a performance do traje. Não me faça ter mais trabalho apenas por que não gostou desses pequenos detalhes. Só aceite o que já está feito.

“Essa coisa realmente me vê como seu mestre?” Abri a porta enquanto pensava nessas coisas, apenas para encontrar a Olivia esperando do outro lado.

Ah! — Ela desencostou da parede e correu para minha direção, chegando tão perto que quase não havia espaço entre nós. — Hm, então... não tem nada que eu possa fazer para ajudar, mas vou estar torcendo por você, Leon! Pode ter certeza disso!

Era estranho ter a protagonista do jogo torcendo por mim. Para falar a verdade, ela deveria estar do outro lado, cercada pelo príncipe e os outros personagens namoráveis.

— Será que você colocou dinheiro em mim? Se esse é o caso, foi uma ótima escolha. Vamos conseguir uma fortuna quando isso acabar. — Levantei meu polegar para ela e comecei a me virar.

Hm? Eu não coloquei dinheiro em nada. Fazer apostas é errado.

Congelei na mesma hora. — A-ah... entendi.

Ela me olhava com aqueles olhos inocentes e eu comecei a me lembrar de todo o dinheiro que coloquei naquela aposta. De repente, senti vergonha de mim mesmo.

“Será que esse é o verdadeiro poder da protagonista?”

A inocência dela era radiante demais para aqueles de coração sujo como eu. Era quase como se o sol estivesse brilhando em suas costas.

Nós saímos da sala de espera e fomos em direção a arena. Cinco pessoas esperavam ao lado do rinque. Mostrando suas Armaduras com orgulho, tentado aparecer para a audiência. Sendo sincero aqui, elas pareciam muito mais mechas do que qualquer coisa, ainda mais com àquela altura de quase três metros. E até podiam voar.

— Olha só, quantas cores chamativas — falei, tendo certeza de mostrar a minha falta de interesse.

As Armaduras estavam alinhadas, começando com a branca do príncipe, cada uma coberta por mais enfeites chamativos que a outra.

A audiência começou a vaiar no momento em que coloquei os pés na arena. Olhei em direção a arquibancada e encontrei as figuras do Daniel e do Raymond misturadas na multidão. Os dois tiveram certeza de que ninguém estava olhando antes de me mostrar os papeis vermelhos que carregavam — a prova de que apostaram em mim. Quem colocou dinheiro no grupo príncipe tinha um azul.

— Esses dois... — sussurrei. — Bem, acho que vou ter que dar o meu melhor agora.

Angelica veio correndo em minha direção no momento em que apareci, não mostrando mais nenhum autocontrole. — Ei! Por que não vejo a sua Armadura?! Você entrou fazendo tanta pose, então é melhor não me dizer que veio aqui sem preparar uma!

Não havia teto na arena, então quando olhei para cima, foi possível ver um lindo céu azul. Apontei para lá, atraindo o olhar dela para o ponto negro próximo as nuvens. — Não se preocupa. Ela acabou de chegar.

Luxion, que estava se escondendo dentro do meu colete, falou em uma voz baixa que apenas eu podia ouvir. — O Arroganz chegou.

Um enorme container caía em alta velocidade acima da arena. Desacelerou apenas no último segundo para fazer um pouso suave. Logo em seguida, o painel superior começou a abrir junto aos laterais, revelando a majestosa armadura escondida em seu interior.

A última vez que a usei foi em um test drive para fazer alguns trabalhos na minha ilha, porém, naquela arena, ela passava a sensação única de perigo que uma arma deveria ter. Comecei a me sentir meio mal por tê-la usado para cavar buracos.

— Parando para pensar, qual é o significado de “Arroganz”? — perguntei ao Luxion em voz baixa. Senti como se já tivesse ouvido aquela palavra antes... Mas parecia um nome legal, então meio que gostei.

— É uma palavra perfeita para o mestre — respondeu.

— Sério? Hm. Acho que até você pode fazer umas coisas legais de vez em quando.

As Armaduras modernas costumavam ser mais compactas e leves. Arroganz, por outro lado, foi construída para ser resistente — tendo o dobro do tamanho de uma normal. Como era feita para combate, não possuía os enfeites chamativos que cobriam as outras. Em outras palavras, era bem simples. Além disso, enquanto o príncipe e dos outros grandes nobres usavam robôs pequenos, feitos para serem rápidos, o meu era lento e coberto por blindagens.

A plateia começou a rir em voz alta no momento em que viram o conteúdo do container.

Aquele era um evento enorme, com a presença de alunos de todos os anos. Todos foram testemunhar o nosso majestoso príncipe herdeiro em ação. Milhares de pessoas ocupavam os acentos, contudo, a arena ainda podia acomodar muito mais, então era possível ver várias áreas vazias.

— Você vai mesmo lutar naquilo? — perguntou Angelica, parecendo um pouco cética. — Esse é um item perdido? Mas você sabe que isso não significa que ele é necessariamente forte, não é? O motivo do nome é porque não conseguimos replicá-los nos dias de hoje e não por serem melhores que a tecnologia atual.

Olivia colocou uma mão na bochecha enquanto inclinava sua cabeça. — Mas até que é fofinho!

— Você deve ter um gosto estranho nesse caso. — Angelica discordou. — Pode até não ser totalmente sem graça, mas ainda é um modelo inadequado para batalhas.

Táticas de batalha moderna favoreciam mais o ataque, focando em destruir os inimigos antes de receber qualquer dano. Então, colocando de forma simples, Armaduras pesadas, como a minha, já estavam ultrapassadas.

“Mas eu ainda prefiro elas.”

— Vai ficar tudo claro quando você a ver em ação. — Deixei as duas para trás e comecei a caminhar pela arena, me aproximando do Arroganz.

Um robô roxo pousou no centro do ringue. Ele era um modelo mais leve e carregava várias lanças em suas costas. Graças a cor escolhida, eu sabia muito bem que aquele era o Brad.

A escotilha no peito se abriu, revelando o narcisista em pessoa. — Tenho que confessar, você até que tem coragem para aparecer aqui, mas acha mesmo que consegue me vencer usando esse ferro velho? Minha Armadura foi criada por um dos melhores artesões do reino. Faz ideia de quanta platina eu paguei?

Ele começou a discursar sobre como a Armadura dele era incrível enquanto eu abria a escotilha da minha, entrava e mexia nos controles, que pareciam com joysticks. Então o peito se fechou e minha visão do mundo exterior foi cortada.

— Arroganz, ativar — ordenou Luxion, inicializando o robô.

A tela na minha frente ganhou vida, mostrado uma imagem tão perfeita, que me fazia pensar que ainda estava lá fora. O interior se ajustou para proteger meu corpo, prendendo minha cabeça, pescoço e torço no lugar. Quando de todas sequencias de ignição foram concluídas, olhei para frente para ver o Brad, que, pelo visto, ainda não havia terminado de se gabar.

— Será que ele vai para algum dia? — perguntei, incomodado.

— Segundo as palavras dele, aqueles objetos em suas costas são drones — informou Luxion. — Devo preparar uma contramedida para isso?

— A gente não precisa disso para ele. O carinha roxo quase sempre é destruído com apenas um golpe. — Sério, ele me deu tanta dor de cabeça durante o jogo.

Quando Arroganz deu um passo à frente, Brad pareceu ficar irritado. Talvez seja porque eu não estava prestando atenção no seu discurso.

“Não se preocupa. O Luxion ouviu tudo, então já sabemos todos os segredos da sua Armadura.”

— Você realmente me deixa nervoso — alegou Brad, fechando sua escotilha e entrando em posição de batalha.

Já era hora de preparar a minha arma também. — Bem... Vamos começar com a melhor lâmina.

Infelizmente, o que saiu do container de armazenamento nas minhas costas foi... uma pá. Bem, eu estava cavando buracos da última vez que usei essa Armadura, e esse era o melhor equipamento para aquele serviço. Era enorme, já que foi feita sob medida para o Arroganz. Mas, não importava o quão impressionante fosse, não deixava de ser apenas uma pá.

— Como assim?! — gritei.

— Quando usou o Arroganz da última vez, o mestre registrou a pá como a melhor lâmina — respondeu Luxion,

— Me dê uma espada!

— O mestre pediu a melhor lâmina.

“Essa coisa ‘tá fazendo isso de propósito.” 

Quando entrei em posição, com a pá em mãos, a plateia, mais uma vez, caiu na gargalhada.

Brad, por outro lado, ficou enfurecido. — Maldito, está querendo me fazer de idiota?!

A voz do juiz ecoou pela arena. — Lutadores, antes de começar, vocês devem dizer seus votos...

Era tarde demais, o Brad já estava avançado e seria difícil pará-lo. Ele voava em minha direção com a lança apontada para o meu peito, deixando clara a sua intenção de matar. A ponta da lança brilhava pela circulação da magia.

Luxion se impressionou. — Essa até que é uma boa investida.

— Mas você é um... — sussurrei irritado.

O lado de fora não podia ouvir a nossa conversa. Já que eu não podia deixar ninguém saber da existência do Luxion.

O Arroganz se moveu seguindo meus comandos. Mesmo que parecesse pesado, ele facilmente deu um passo ao lado para desviar do ataque e segurou o braço do Brad.

— Me solta! — bradou o roxinho.

— Tudo bem, mas tenha um pouco de calma — pedi enquanto soltava seu braço. — Primeiro temos que fazer nossos votos, amigo. Vamos fazer tudo direitinho para que isso não vire uma enorme dor de cabeça depois.

***

Enquanto o Arroganz se movia, a Angelica conseguia sentir suor frio escorrendo por sua testa.

Oliva estava do lado dela, batendo palmas enquanto torcia pelo Leon. A protagonista não sabia nada de Armaduras, muito menos como uma funcionava. — Olha só Angelica, parece que o Leon vai conseguir fazer isso!

Tudo que a filha do duque conseguiu fazer foi acenar sem jeito com a cabeça. Ela ainda não conseguia acreditar no que acabou de ver. “O que foi que aconteceu? Como ele se moveu tão rápido? Isso não deveria ser possível, não com tanto peso. Quanto mais pesada a Armadura, maior é a dificuldade que o piloto tem de controlá-la. Então como isso pode acontecer?”

Não foi só a velocidade que a deixou surpresa, a forca também fez o mesmo. Ela ficou pasma ao ver a Arroganz segurar o Brad com apenas uma mão.

“A Armadura do Brad foi feita sob medida pela Casa dos Field para seu herdeiro. Não é como uma qualquer produzida em massa. E o Leon ainda consegui pará-la com uma mão?”

Angelica assistia os dois fazendo seus votos como representantes no duelo, basicamente concordando que não deveria haver rancor mesmo que alguém acabasse morrendo durante o combate. Ela não conseguia desgrudar os olhos da armadura do Leon, contudo, ainda era possível ouvir a multidão conversando ao redor.

— Anda, começa logo.

— Coloquei tudo que tinha no príncipe, é um ótimo jeito de ficar rico rápido.

— Eu te entendo, até peguei dinheiro emprestado com a minha família para isso!

Todos queriam ver o Leon perdendo logo. Alguns até pegaram empréstimos para apostar na vitória do grupo do Julius, pensando que iriam conseguir uma graninha extra.

Um sorriso apareceu no rosto da Angelica. — Ah ha... hahaha!

Surpresa e, talvez, um pouco assustada, Olivia olhou em direção a Angelica. — A-aconteceu alguma coisa?

— Eu só posso rir dessa situação — confessou Angelica. — Esse homem é mesmo muito cruel.

Olivia respondeu no mesmo instante. — Ele não é! O Leon é uma pessoa muito gentil!

— Sim. Você tem razão. — Angelica apenas concordou para acalmá-la.

“Mas, por que o Leon decidiu ficar meu lado? Consigo entender de onde vem toda aquela confiança, mas ainda não há nada a ganhar se aliando a mim. E tenho certeza de que ele sabe disso.

***

Brad entrou em pânico.

O interior da armadura era muito estreito, estava difícil de respirar, era como se o ar quente que ele expirava queimasse a sua pele — O que diabos foi isso?

O revestimento de sua Armadura estava com marcas em forma de dedo onde Arroganz havia segurado. Ela era feita de um metal resistente, reforçado com magia para aumentar a proteção. A maioria dos ataques não conseguiria deixar um arranhão. Então não tinha como apenas um agarrão ter feito aquilo.

E, para piorar, quando Arroganz segurou, o Brad não conseguiu se mover. Mesmo dando tudo de si para se soltar, parecia que o Leon não precisou suar para imobilizá-lo.

Agora que a partida estava prestes a começar, Brad não possuía mais a calma e confiança de antes. — Parece que vou ser forçado a usá-los...

Várias lanças sem haste estavam presas em suas costas, pareciam cones longos e estreitos. Ele podia fazê-las voar usando magia. Brad queria derrotar o Leon usando apenas sua arma principal para se mostrar para Marie, porém, sabia muito bem que não tinha talento em combate corpo-a-corpo, por isso preparou as lanças.

“Eu vou acabar perdendo se não fizer alguma coisa. Isso não pode acontecer... Não na frente da Marie!”

Seu talento com magia era a melhor saída para aquela situação. A técnica que criou com essas quatro lanças o permitia atacar o oponente de todas as direções ao mesmo tempo.

— Agora, lutadores... comecem!

No momento em que o juiz deu o sinal, Brad liberou as quatro lanças.

— Mesmo que essa Armadura seja poderosa, não tem como ela aguentar um ataque simultâneo pelos quatro lados — sussurrou Brad.

Contudo, assim que essas palavras saíram de sua boca, a Armadura cinza cortou o ar e apareceu bem na sua frente. Ele só conseguia olhar enquanto a Leon balançava aquela pá gigante.

?

***

Um som agudo de metal batendo contra metal ecoou pela arena enquanto Brad voava para a parede do ringue.

— Nossa, foi bem mais forte do que pensei — comentei.

A enorme diferença entre nossas Armaduras fez a batalha terminar antes que o Brad pudesse lançar qualquer ataque. Apenas um golpe da minha pá havia sido o suficiente para esmagar aquele capacete pontiagudo na cabeça dele.

— E esse nem é todo o potencial do Arroganz — disse Luxion. — Estou impressionado com a habilidade dos novos humanos de mover Armaduras com magia, no entanto, essa é a única coisa que merece atenção. Não posso levar a sério alguém que usa tantos ornamentos inúteis.

“Será que ele ‘tá bravo porque riram do Arroganz?”

Bem, até que fazia sentido, já que Luxion era o seu criador.

Me aproximei do robô roxo que deitava destruído na borda da arena. De alguma forma, ele ainda conseguia se mover, então pisoteei com forca, o empurrando contra o chão. Sua Armadura começou a ranger sob a enorme pressão.

— P-para! Isso dói! Alguém me ajuda! — gritou Brad.

A Armadura dele estava naquela situação, mas a minha pá ainda não tinha um arranhão. “Talvez essa coisa seja mesmo boa para lutas.”

Ignorando os gritos do Brad, eu disse: — Toma cuidado, posso acabar te esmagando. Só fala logo que você desiste para acabar com essa luta.

— Dominar completamente seu oponente e ainda forçá-lo a desistir... Não podia esperado menos do mestre. A palavra “covardia” nunca serviu tão bem em uma pessoa até você aparecer.

— Você me odeia por acaso?

—Claro que não, estou apenas lhe elogiando — assegurou o robô. — Chamar alguém de covarde em uma batalha é um elogio. O mestre só luta quando pensa que pode vencer. Espero também ser assim algum dia.

Isso era verdade. Só me voluntariei para participar do duelo porque sabia que podia vencer.

Coloquei a pá no meu ombro e apertei com ainda mais força o retardado roxinho abaixo de mim. Para falar a verdade, queria mesmo era dar um socão na cara dele. As memorias da minha vida passada não paravam de gritar: “Acaba de uma vez com a raça desses moleques irritantes!”

Fui colocando cada vez mais peso até que ouvi um som estranho abaixo de mim, o peito da Armadura havia começado a entortar.

— A gente não tem o dia todo. É melhor se apressar e falar que desiste ou você vai acabar morrendo.

— Eu desisto! Eu desisto! Então para, por favor! — gritou Brad, com uma voz de choro.

Tirei o meu pé com cuidado de cima dele enquanto olhava para o resto do ringue. As quatro lanças forma lançadas no começo da partida haviam caído, cravando-se no solo.

A plateia inteira estava em silêncio.

Me virei para o juiz. — O Brad já desistiu da luta.

Aquelas palavras o trouxeram de volta para a realidade, então o juiz exclamou: — O-o vencedor é Leon Fou Bartfort!

O som de aplausos era baixo, vindos de apenas algumas pessoas.

— Olha só, parece que tem um pessoal batendo palmas — comentei surpreso.

Conseguia entender o porquê da Angelica e da Olivia aplaudirem, no entanto, para a minha surpresa, tinha mais algumas pessoas fazendo o mesmo. Enquanto olhava para a multidão através da câmera principal, encontrei o shishou aplaudindo de pé com a cabeça erguida.

“Até no meio de um duelo, esse homem continua sendo o cavalheiro perfeito.”


Notas:

1 – Entre 50 e 100 milhões de reais.



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