O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 1: O Melhor do Mundo

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Nunca me considerei alguém sortudo, bonito ou inteligente. Na verdade até achava essas características superficiais.

Alguém era sortudo por nascer rico?

Alguém era bonito quando se comparado a outro?

Alguém era inteligente por ter boas notas na escola?

Tudo baboseira.

Somente a realidade poderia dizer a verdade.

Um desabrigado se diria sortudo por achar um lugar para dormir.

Um feio diria que é bonito quando comparado a alguém deformado.

Um idiota poderia governar um país.

Então quem poderia medir a realidade e distinguir os melhores dos piores?

Por isso me perguntei repetidamente:

 Como cheguei até aqui?

Apesar de não me enquadrar em nenhuma dessas características, eu alcancei o topo!

Meus olhos se viraram para frente.

Caminhei lentamente pelo tapete vermelho. Alguns poderiam dizer que havia uma aura majestosa pairando acima da minha cabeça e a cada passo dado os meus inimigos estremeciam. 

Melancólicos demais.

Meu destino era o assento um pouco mais na frente. Um trono feito dos ossos de uma das criaturas mais poderosas que pisaram na terra e um dia voaram pelos céus, um dragão.

Sentei devagar e com cuidado no luxuoso, mas nem um pouco confortável trono.

Senti alguém se aproximar em seguida. Era alguém que eu conhecia bem. Minha serva pessoal.

Meus olhos caíram sobre a sua pele de cor verde brilhante e vívida. Eles então circularam pelo seu corpo escultural e desciam então para o par de cipós que desfilavam de ambos os lados da sua cintura.

Ela comumente os usava como membros auxiliares adicionas que a ajudavam nas suas tarefas diárias.

Uma dessas tarefas era ser um colírio para os meus olhos, mas seu papel verdadeiro era entregar notícias e servir um pouco do seu chá especial.

O chá que ela fazia tinha um sabor especial e eu o adorava. Era uma mistura de doce e salgado.

Chegando do meu lado, ela abriu um sorriso enorme, mostrando todos os dentes. Tocou meus ombros com suas mãos macias e deslizou para minhas costas, massageando devagar.

— Mestre — disse com uma voz suave, macia aos ouvidos, que chegou a acelerar o meu coração. — O ataque já está sendo realizado. Alguns milhares morreram, mas nossos Chefes de Andar tem confiança na vitória. Meus parabéns.

Um sorriso me escapou, embora não fosse um sorriso de satisfação, estava mais para uma inevitável aceitação daquilo que eu já havia previsto. Nada de gratificante.

Fiz um gesto com a mão, chamando-a para mais perto de mim e carinhosamente passei a mão pelo seu lindo rosto, deslizando para perto dos seus lábios.

Acabei por me sentir um pouco infeliz no processo.

Sabe... a sua pele era macia. Passar a mão me enchia de sentimentos indescritíveis, tão real! Mas eu sabia. Aquele sentimento me fazia infeliz.

Talvez fosse um problema meu, mas não sei dizer; esse sentimento nunca ia embora.

Esse salão majestoso, essa serva fiel; o ouro, a prata, tudo era falso.

Eles eram apenas dados dentro de um servidor. Vários zeros e uns. Uma programação avançada; mas, ao mesmo tempo, robótica em toda a sua essência.

Ela parecia real, mas, é claro, eu sabia que não era; eu a criei. Uma existência digital. Feita apenas para ser atrativa, feita exclusivamente para me amar, feita dessa forma porque eu quis dessa maneira.

Ela não poderia fazer escolhas, e eu não poderia tirar dela o que ela não tinha.

Eu a criei.

Ela sorriu puxando minha mão de volta para o seu rosto e descendo-a até seu queixo. Seus olhos brilharam e ela deixou escapar a luxúria.

Entretanto me afastei, soltando um longo suspiro e voltando para os meus pensamentos.

Tédio...

Desde quando abandonei meu entusiasmo? Minhas paixões? Eu era uma pessoa tão entusiasmada; tão proativa e curiosa, um verdadeiro aventureiro. Desbravei tanto... apenas para chegar nesse ponto de incertezas.

Nada ao meu redor era como antes. Apesar de nunca ter realmente sido. Sempre havia aquele sentimento terrível.

O mundo tão maravilhoso em que eu estava não passava de uma simulação. Em suma, uma Realidade Virtual, um VRMMORPG.

No entanto esse não era simplesmente um joguinho; ele era o maior de todos, o mais jogado e acessado do mundo!

E eu? Bem... não querendo me gabar. Sou o maior jogador do mundo, Kayn.

Entre todos que já jogaram, sou o mais qualificado; seja em poder, riqueza e números. Entre todos, sou o melhor.

Contudo percebi algo muito tarde. Apesar de já ter amado esse mundo, ele não era de forma alguma a realidade.

 O mundo real tendia a ser entediante aos meus olhos, mas ele ao menos era... real. A Realidade Virtual era maravilhosa, mas falsa.

— Mestre, os Chefes de Andar conseguiram! — gritou a serva, entusiasmada. Acabou por chamar minha atenção e me tirar dos pensamentos.

Rapidamente estendi a mão para o ar. Uma esfera azul surgiu nela e dela algumas imagens começaram a surgir, cobrindo todo o meu campo de visão com uma tela azul.

Milhões de monstros andavam em direção a uma gigantesca torre. Carregavam com eles os espólios de uma dura batalha.

Eu realmente venci.

O jogo em que estou chama-se Vangloria. Diferente dos concorrentes — se é que podia chamar os outros assim — ele tinha um realismo surreal e era criado por um supercomputador que controlava o sistema deste mundo.

Dentro do jogo, era possível fazer quase qualquer coisa. Ele era dezenas de vezes maior que a terra; mesmo após anos do seu lançamento, os jogadores conheciam apenas um continente desse vasto mundo.

O computador também criou os Npc's; estes que possuíam uma Inteligência artificial surrealista.

Logo esse jogo dominou todo o mundo, como se fosse uma segunda vida. As pessoas quase que abandonaram a realidade e tudo se baseava no jogo. A economia se voltou para o jogo, a cultura, esportes, tudo!

Os melhores jogadores eram celebridades. Reis eram ricos, imperadores; milionários. E, entre todas as milhares de pessoas, eu era o melhor.

O melhor do mundo!

Isto, porém, outra vez, me fez pensar naquilo, outra... vez? Aquela pergunta que sempre me fazia ao acordar: Como cheguei até aqui? Eu mereço tudo isso?

Por ora, decidi continuar levando as coisas como eram. Usando de um coloquialismo comum: empurrando com a barriga.

 — Emita uma ordem! Todos devem retornar para Masmorra. A missão foi cumprida — proclamei para a serva ao meu lado.

Por um segundo, a emoção me percorreu e abri um sorriso que ia de orelha a orelha.

A serva desapareceu no ar; foi cumprir minhas ordens.

Alguns segundos se passaram e logo uma tela cheia de mensagens surgiu na frente dos meus olhos.

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Monstros retornaram à masmorra

A conquista ao continente foi bem sucedida. Os espólios estão sendo entregues. Parabéns ao usuário por ser o primeiro jogador a destruir um continente.

[Emblema de Fogo] Adquirido

[Emblema da Morte] Adquirido

[Emblema Élfico] Adquirido

[Uso do Caldeirão] Adquirido

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Após um início difícil quando comecei a jogar, consegui uma classe raríssima que me ajudou muito.

O sistema do jogo havia sido criado para que os jogadores pudessem gerenciar tudo sozinhos, ou seja, cidades, reinos e impérios poderiam ser administrados por usuários.

Vários jogadores montaram clãs com o objetivo de subjugar os demais, mas eu, completamente sozinho, fui o único a concluir esse feito.

Todos que me enfrentaram morreram em batalha, ou fugiram para o outro continente recém descoberto.

Assim que pensei neste novo continente — meu novo parque de diversões — a serva retornou e a observei com cuidado.

Ela sempre tinha um sorriso no rosto. Era muito realista, mas os pequenos detalhes; quase imperceptíveis, eles me faziam perceber que, apesar de tudo, ela não era um ser vivo.

— Mestre — chamou ela.

— Pode falar — falei com desinteresse.

— Alguns Chefes morreram. Nossos danos foram imensos, mas com os espólios recebidos, poderemos reconstruir tudo em cerca de três meses, e, em mais três, as forças irão triplicar!

— Entendo... — Ainda com tédio, comecei a planejar os meus planos subsequentes. Meu próximo objetivo era dominar o restante desse falso mundo. — Serva, prepare o meu caldeirão. Sinto que hoje poderei avançar nas minhas experiênci...

De repente, minha visão começou a ficar turva. O chão começou a tremer, como se um terremoto acontecesse dentro da minha cabeça.

Percebi que era apenas comigo, pois a serva se mantinha de pé tranquila.

— Mestre! O que houve?! — soou a sua voz pelo enorme salão.

Não estava conseguindo entender minha situação. O mundo inteiro tremia, mas era apenas para mim. A serva continuava de pé, como se nada estivesse ocorrendo.

Logo em seguida, uma dor de cabeça destruidora, igual mil agulhas chocando-se contra minha cabeça e descendo, abateu meu corpo até os pés.

Rapidamente sai do jogo, vendo pela última vez o rosto da minha serva.

Ao desconectar, abri os olhos devagar e vi o maior dos pesadelos. A luxuosa cápsula, dita como um avanço no campo que foi criada, tal item que gastei uma enorme fortuna para obter, tremia por inteiro e tinha fumaça saindo pelas laterais.

A cada tremor, balançava de um lado ao outro, jogando o meu corpo junto e girando em todas as direções.

A pior parte? Eu estava dentro dela e trancado!

Este tipo de cápsula era revestido de um vidro resistente. Trazia o mais alto realismo ao jogo, portanto o corpo inteiro do usuário ficava dentro.

Sem pensar direito, comecei a bater enlouquecido. Bati e chutei, tentando desesperadamente fugir.

Quando a circulação de ar cessou e a fumaça começou a entrar, senti que meu coração sairia pela boca.

O vidro blindado não permitia fuga.

Meus gritos de socorro ressoaram pela casa, mas sabia que ninguém viria. Eu morava sozinho.

Droga! Droga! DROGA!!!

A máquina que me permitiu subir ao topo do mundo, tornou-se uma armadilha mortal. Eu cai nela.

Diziam que ao morrer por intoxicação de dióxido de carbono, você simplesmente apagava, porém comigo foi diferente.

Meus olhos pesaram, minhas mãos tardaram a bater contra o vidro, que já estava ensanguentado a este ponto, e minha mente ficou confusa.

Realmente morrerei assim...?

Era tarde demais para arrependimentos.

Ao menos...

Eu me apeguei naquele orgulho que, apesar de tudo, mantinha até o fim.

Quando meus pulmões se encheram de fumaça e meus olhos finalmente cansaram de tentar segurar o peso, pensei:

Sou o Melhor do Mundo!

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Um homem de meia-idade estava de pé em uma sala escura. Alguns fios de cabelo caíam sobre a mesa e outros brancos estavam surgindo, mais do que o normal para a sua idade.

Ele tinha uma expressão séria no rosto.

— Ele foi eliminado? — perguntou com um olhar de raiva.

O Alvo 03 foi eliminado com sucesso

Uma voz mecânica soou junto ao brilho verde que piscou do vazio.

— Ótimo... Continue com a expansão do jogo. Inventarei que a máquina dele estava com problemas. Salve os dados que obteve e os armazene para que isso nunca mais ocorra.

Houve um problema. Todos os dados de monstros, itens, habilidades e estatísticas relacionadas ao Alvo 03 foram completamente excluídos

— O quê!? Revise tudo outra vez!

Um brilho verde piscou e, meio segundo depois, a voz voltou a soar.

Eles não foram excluídos...

O homem suspirou; sentiu-se aliviado, mas apenas por um curto período de tempo, pois a voz logo concluiu a sua fala.

Aparentemente uma parte da minha matriz de comando inteira; um pedaço de mim, foi excluído junto da eliminação do Alvo 03

— Isso é impossível! Revise tudo! Aquele desgraçado! Mesmo morto consegue acabar com todo o equilíbrio que montei!

De repente, toda a sala escura se iluminou com milhares de luzes verdes. Aquele era o supercomputador que controlava Vangloria; o homem era o criador desta máquina e do mundo que havia dentro dela.

Uma imagem desceu do teto, a foto de um jogador, Kayn. Ele havia destruído o equilíbrio do jogo e, consequentemente, destruído tudo que o administrador chefe construiu. Na imagem estava um número e uma palavra.

“Alvo 03: Eliminado”

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Era muito estranho essa sensação de inexistência. Eu não conseguia sentir nada, minha consciência vagava em um vazio sem pensamentos, sem tato. Não era uma sensação triste ou solitária, era apenas... o nada.

E então algo mudou. O espaço ao redor se abriu e minha consciência voltou a racionalizar. Na minha frente, uma gigantesca parede se apresentou imponente.

 Ela era difícil de descrever — já eu não conseguia ver — mas sabia que ela estava ali, enchendo todo o infinito daquela existência singular.

Uma estranha força me dizia para não me aproximar daquela parede, porém um sentimento instintivo me fazia querer ir.

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[Procurando mundo com similaridade]

[Mundo Encontrado...]

[Iniciando processo de renascimento]

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Aquela voz no vazio, que ressoou em minha mente, lembrou-me da primeira mensagem importante que recebi ao entrar no jogo. A mensagem que me fez alcançar o topo de Vangloria.

[Classe: Mestre da Masmorra] Adquirida



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