Volume I – Arco 2
Capítulo 6: Luz ao Sonho
Nas fazendas do território Aka, Yanaho terminou de cumprir sua pena. Com as advertências, o garoto voltava com novos objetivos. Graças à informação sigilosa que seu tio lhe revelará, ele ganhou novo vigor na fazenda.
Numa manhã fresca, o camponês acordou logo cedo para cumprir com sua rotina. Cruzou a varanda de sobressalto, onde seu pai sentava observando o horizonte, quando teve sua atenção chamada.
— Mais uma vez de pé tão cedo, já tomou banho?! — levantou da cadeira com um sorriso no rosto.
— Pensei em já adiantar as coisas pra ter mais tempo pra te ajudar. Foi meio complicado puxar a água do poço mas…
— Continue assim — interrompeu Yoroho, abraçando-o — Venha, você ainda nem comeu. Estava esperando por você.
O pai pegou o filho pelos ombros e o conduziu à mesa dentro de casa, onde sentaram-se juntos ao redor.
— Essa disposição toda foi outra noite mal dormida?
— Eu voltei a sonhar com aquilo de novo.
— Com o homem da capa branca? Filho, você já pensou em contar isso ao seu tio?
— Ele tem mais com o que se preocupar do que com os sonhos de um camponês.
— Não quando se trata de família. Sonhos repentinos como esses podem indicar algo importante. Quem somos ou de onde viemos não vale muito.
— Vou pensar sobre isso depois que resolver os problemas daqui — se levanta, indo à porta.
— Yanaho, espera — segurou novamente seu filho e olhou em seus olhos — Feliz aniversário, meu filho!
— Já é hoje? Sério? — coçou a cabeça — O-Obrigado, pai.
— Eu até queria te presentear como no ano passado, mas não consegui. Encare isso como se você já estivesse ficando grandinho.
— Tá tudo bem, eu entendo sua situação. Não seria justo ficar te cobrando.
— Ei, que cara é essa? — A expressão do garoto mudava — Esse desânimo é por conta da sua mãe de novo? Por favor, não seja isso, meu filho. Já conversamos sobre isso.
— Não é que me sinto culpado, mas me sinto responsável. Hoje também é o dia em que ela se foi. Se eu apenas viver, o que vai valer a morte dela? — perguntou tomando o arado nas mãos.
— É seu direito querer recompensar o que sua mãe fez por você. Só não fica na cabeça que precisa disso para que ela te amasse. Tenho certeza que sua mãe já se orgulha de quem você está se tornando. Então não ligue para como os outros vêem.
— Não é sobre o que os outros vêem, é sobre o que eu vejo — Yanaho olhou para os instrumentos percebeu que a lâmina da foice estava cega — Esquece… vou pegar os suprimentos para o dia. E consertar essa maldita foice.
Yoroho andou da porta a fim de observar o menino, que cruzou o campo, passando pela cerca em direção aos comércios.
“Você pode não entender o motivo, mas eu sei... Sei de onde vem todo essa vontade”, pensou ao tempo que se envolvia nas lembranças de um passado distante.
As recordações traziam uma noite à luz de velas para a cabeça de Yoroho. Na ocasião, ele estava num jantar a sós com sua amada, quando a moça se dirigiu para o lado de fora, onde procurava por um sinal em meio a noite estrelada.
— Você já está aqui de novo — chegava por trás.
— Enquanto não realizarmos nossos sonhos, não vou desistir de desejar — disse pegando na mão de seu homem.
— Orora, você sabe o quanto seu pai e sua família me rejeitam. Se falarmos sobre o que estamos planejando... Eu não posso concordar com algo que te faça mal.
— Estou aqui por isso, preciso acreditar que as coisas vão dar certo. Pedir por uma benção.
— Mas você viu o sinal passar tantas vezes. Deixe agora a energia iro trabalhar a nosso favor, e então faremos o possível com o que temos.
— Já estou fazendo o possível — disse sorrindo, enquanto apontava para as estrelas, esperando o sinal.
— Eu te amo — afirmou sorrindo.
O abraço dos dois era acompanhado de um feixe de luz que atravessava o céu, para a alegria da mulher.
“Lembro bem do quanto estávamos felizes naquela noite. Foi o que acabou por resultar na surpresa nos próximos dias, seu mal estar e vômitos precisavam ter alguma justificativa. Você estava grávida. Queria poder ter ficado feliz naqueles dias, mas sabíamos que de alguma forma, isso iria mudar nossa história para sempre.”
— Você está com uma cara horrível — reparou Orora.
— Pensando em como vamos enfrentar isso juntos. Seus familiares provavelmente vão surtar com isso.
— Temos que ir preparados, é o momento perfeito para propormos nosso plano. Eu sei que tem receio da impressão dos meus pais, mas eles também me querem feliz. Vai dar certo!
— Só você para me tranquilizar em um momento como esse.
— Fique tranquilo. Nós dois vamos realizar nosso sonho, você de ter uma família e eu com "Yana" — disse colocando a mão dos dois sobre a barriga. — Na verdade, nós três.
— Orora — Yoroho riu — Sei que pediu muito por isso, mas não se empolgue, você ainda nem sabe se é menino ou menina.
“Suas palavras me fizeram acreditar por um segundo que as coisas seriam diferentes. Nós rimos e nos divertimos com a ideia de realizar o que sempre sonhamos juntos. Mas nos próximos dias, minha amada, tínhamos que encarar a realidade da forma que ela era”, lembrava de seu confronto com a família de Orora.
Ela abria a porta de sua antiga residência junto a Yoroho. Todos os parentes olhavam, alguns surpresos, outros com julgamento desde o primeiro contato.
— O que significa isso, Orora?! — sua mãe perguntava.
— Tire esse sujeito daqui! — ordenou seu pai.
— Viemos para propor um plano de negócio próprio para vivermos em paz. Você pode ver por si mesmo — ela arrastava os papéis sob uma mesa.
— Orora me contou que você produz madeiras diferenciadas para carpintaria. Já trabalhei quando era mais jovem com isso. Se só puder oferecer material para que eu possa montar meu próprio negócio com sua filha. Conseguimos sustentar muito bem nossas vidas, e claro de seu neto.
Após quase um minuto em silêncio, dando uma breve olhada nos documentos, o pai de Orora balançou a cabeça negativamente.
— Sem chances.
— Mas… por que? — perguntou incrédulo.
— Eu já disse não, podem se retirar.
— Sua filha está grávida e você simplesmente vai dar as costas pra ela?! — suplicou Yoroho.
— Cala a boca seu fazendeiro golpista! Pensa mesmo que vai ficar com parte da herança do meu negócio? — respondia a altura.
— Nunca se tratou disso! Eu e sua filha nos amamos! Seu comércio é famoso por toda região do sul, tenho certeza que não lhe fará falta fornecer esse material para…
— Chega! — Interrompeu Orora com lágrimas em seu rosto. — Vamos embora — terminou puxando Yoroho para fora do local.
“A decepção tomou conta de nossos corações. Você mesmo não conseguia tocar no assunto sem derramar uma lágrima. Mas para nossa surpresa, meses depois, seus pedidos foram ouvidos. Seu pai decidiu dar uma chance ao nosso plano. Seu sorriso naquela época me mostrou que o lugar de paz que tanto buscamos juntos poderia ser feito. Até o dia em que encontrei você desmaiada.”
Yoroho recordou da visita de Orora ao médico, que passou o seu diagnóstico:
— Ela melhorou, mas senti que houve uma demora para a energia iro voltar ao fluxo normal. Isso pode ser só uma coincidência, mas pelo o que você me relatou pode ser um caso de um problema de gravidez mais sério.
— Que tipo de problema?
— Orora pode estar desenvolvendo uma doença rara, no qual a praticidade da energia iro entre a mãe e o feto, desregula. Basicamente o bebê puxa mais energia que o necessário para si, deixando a mãe sem forças.
— Mas o que isso significa para o bebê? E para ela?
— Nessa doença as coisas só tendem a piorar. Minha recomendação é que se nossas suspeitas forem confirmadas, a gravidez deverá ser interrompida para preservar a vida da mãe. Quanto mais a gestação avança, mais perigosa fica. Podemos acabar perdendo os dois.
“Eu queria poder acordar daquele dia. Cruzar a porta do hospital, abrir os olhos e encontrar você do meu lado, em um outro lugar longe dali. Mas você só piorou mais e mais. Menos de um mês depois, já estava presa a uma cama. Ainda assim, nada a fazia mudar de ideia”
— A culpa é sua! — os parentes apontavam para Yoroho — Você envenenou ela!
— Como pode me acusar disso?!
— Você é um aproveitador! Um fazendeiro que só quer dinheiro fácil às custas de nossa irmã — discutiam pressionando Yoroho contra parede.
— Chega… Por favor... — a voz fraca de Orora mal cruzava o quarto para chegar aos ouvidos dos parentes.
“Os últimos meses, certamente foram uns dos momentos mais difíceis da minha vida. O pior de tudo foram os desmaios. Todos pareciam ser a morte chamando você antes da hora.”
— Escute bem, se foi você ou não, pouca diferença faz agora. Mas se você a ama de verdade, tem que convencê-la a seguir os procedimentos médicos! Ela precisa abortar!
— Desculpe, mas você sabe que não posso fazer isso por ela. Pensa em como ela ficaria se soubesse que matamos o filho no ventre contra a vontade dela? Quer viver com sua filha odiando você pelo resto da vida?
— Ao menos ela estaria viva e não dando a luz a um filho inútil!
“Essas foram as últimas palavras de seu pai para mim e eu não podia culpá-lo. Não tirava da cabeça que o egoísta da história era eu. Depois disso eu não sabia mais bem o que fazer. Precisava tentar mudar aquela sua teimosia”
— Como se sente?
— Você sabe como estou, mas e você? — perguntou Orora.
— Eu estou com você! — disse pegando na mão dela.
— Parece que nosso lugar de paz está um pouco mais distante não é? — sorria tentando disfarçar seu rosto pálido e repleto de olheiras.
— Ainda podemos consertar isso, você sabe.
— Do que está falando?
— Eu acho sonhamos alto demais. Talvez essa seja nossa última chance de fazer o que é certo. Deixarmos de ser irresponsáveis, e encarar a realidade.
— É você quem diz isso, ou o meu pai?
— Nós dois estamos dizendo! — lágrimas caem do rosto de Yoroho — Eu e você poderíamos planejar algo melhor após isso. Por favor, não tem lugar de paz sem você...
— Eu te amo, Yoroho. Mas você se engana. Se não permitir que essa criança viva, não haverá paz em lugar algum que eu vá. Mas se ela sobreviver, vocês dois podem continuar esse sonho juntos.
“Naquela noite eu pensei ter entendido. Pensei que isso minimizaria a dor quando você fosse embora. Foi então que acordei na madrugada como de costume e só então notei que você havia fugido.”
Ele se lembrava dos rastros de sangue que seguia naquela madrugada fria, apenas para encontrar sua amada estirada no chão ao tempo que um bebê chorava.
— Orora! — gritou em lágrimas — Alguém me ajuda! Por favor!
Berrava em desespero, pegando a criança no colo, se aproximou da mãe que utilizou o que restava das suas forças para estender sua mão pela última vez em direção a sua família para dizer.
— Viva pelo nosso... sonho, Yana-ho.
— Não, não, assim não — o pai chorava junto ao filho que acabara de nascer. — Fica comigo… Orora.
“Você se foi. E junto com isso, minha relação com seus parentes. Divulgaram a história por toda região sul, a mentira de que eu a envenenei. Fui perseguido e precisei voltar para cá, minha vila natal. Se não fosse Kenichi, talvez nem estivesse com um teto sobre a minha cabeça.”
Yoroho se recordava dos olhares dos outros ao redor. Entre uma parada e outra, podia ouvir os sussurros dos outros.
— Veja, se não é o aproveitador barato.
— Um cara desse tem muita coragem de sair na rua assim — as pessoas comentavam ao redor.
Já não podia mais ignorar aquilo. Passou a mudar-se de pensão em pensão com Yanaho em seu colo.
— Está tudo bem, papai sempre estará com você. Assim como sua mãe — dizia Yoroho com os olhos marejados.
Na manhã seguinte, havia se encontrado com Kenichi, seu irmão. Minutos depois ele o apresentou diante um velho conhecido da vila da providência
— Quem é você? Não lembro de ter pedido por mais camponeses.
— Este, Akemi. É seu velho amigo, Yoroho — apresentou, Kenichi.
— Como você? Como você chegou nesse estado?! — disse, notando as roupas desgastadas, o rosto sujo do velho amigo.
— Não quero te pedir um abrigo, eu só quero que me dê um trabalho para eu criar meu filho, ele não tem culpa de nada disso. Eu preciso fazer tudo o que for necessário para criar essa criança!
— A situação está difícil para todos, meu velho. Quem sabe em outra fazenda, mas nesta aqui…
— Será nesta e ponto final — insistiu o Senshi, com o dedo em riste sobre a cara do dono — Yoroho é um trabalhador honesto e não causará prejuízos. E, no final das contas, você me deve, Akemi. E isto sou eu, cobrando o favor.
“Graças àquela cobrança do Kenichi, consegui me estabilizar para finalmente criar Yanaho. E tem sido dessa forma desde então.”
Dos primeiros passos, a primeira palavra passando pelas encrencas, Yoroho se lembrava do crescimento do menino para, enfim, retornar à realidade.
“Você me ensinou que devemos lutar para que nossa realidade se submeta aos nossos sonhos e não o contrário. No final de tudo vocês são os que carregam a determinação. O dom de acreditar e ir até o fim! Eu sou só aquele que acompanha suas jornadas.”, refletia observando Yanaho voltar da sua pequena jornada.
— Consegui uma nova lâmina para a foice! Ainda dá para cortar tudo até o almoço — ergueu os braços com o metal afiado nas mãos.
— Muito bem, meu filho — os dois sorriam um para o outro.
E por ali, os dois permaneceram. Entre entradas e saídas de casa, pai e filho trabalhavam na faixa de terra que receberam por um dia inteiro.
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.