Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 1

Capítulo 3: Gangue Midori

Floresta a fundo, o dia já havia virado noite. Suzaki utilizava uma tocha improvisada para continuar sua viagem. Com o auxílio de uma bússola, calculava de acordo com um mapa o quanto faltava para chegar ao próximo território. Uma chuva começou, obrigando o jovem a se abrigar em meio às árvores, sem qualquer fonte de luz.

“Devo chegar amanhã se descansar agora. Droga, estou congelando…”, pensou encolhido se cobrindo com sua jaqueta.

Algumas horas depois a chuva se enfraquecia. Juntando um pouco de madeira, com galhos e gravetos que cobria junto consigo, enterrou sua lâmina de duas pontas brilhando em azul no amontoado. Gerando a energia necessária para resultar em uma simples fogueira, que facilitou o descanso do menino naquela noite fria.

Em mais um amanhecer Suzaki não perdia tempo, adiantou sua viagem para chegar em algum lugar habitado logo. Na metade daquele dia, começou a sentir um odor muito forte vindo ao norte, despertando sua curiosidade. Em direção ao local percebeu aves de rapina circulando.

Seguindo os abutres até onde se encontravam, Suzaki se deparou com cinco cadáveres humanos expostos. O jovem sentia ânsia mesmo cobrindo o nariz. Alguns metros à frente, o príncipe se deparou com uma cerca que separava a floresta com uma espécie de subúrbio. 

“É… acho que cheguei.”

Atravessando as cercas, levou apenas alguns metros para encontrar pessoas circulando em um dia cotidiano. O que mais lhe chamava atenção era a igualdade entre a mata verde e as vestes das pessoas. 

Próximo das cercas um homem observou o garoto que havia entrado em território Midori. Notava claramente as diferenças entre ele e o cidadão comum. Seguia-o por algumas ruas, quando, se aproximando, notou o brasão do Império Ao estampado nas vestes do sujeito.

“A cúpula vai adorar essa visitinha”, pensou seguindo de volta para seu posto onde guardava a fronteira junto a outros guardas.

— Vão avisar a gangue depressa! O garoto é da família real! — ordenou para os companheiros que obedeceram.

Sem disfarce, Suzaki caminhava pelas ruas observando cada situação com cautela. Após uma breve análise, percebeu a atenção que estava chamando e correu para os becos.

“Esses olhares parecem incomodados com minha presença… mas eu ainda não fiz nada de errado”, refletia assustado. 

Fora das ruas movimentadas, ele fez seu caminho até uma feira, porém, ao colocar o pé para fora do beco que estava, acabou esbarrando em um homem.

— Tá ficando maluco!? Seu imundo! — exclamou o sujeito.

Suzaki não protestou, e seguiu seu trajeto quando ouviu de outra pessoa.

— Esse povo quer tomar tudo de nós de novo?

— Só servem para trazer discórdia. Para mim seria muito melhor se nem tivessem espaço para serem escravos aqui — a população comentava entre si.

Escutando o suficiente, foi capaz de avistar uma saída para o matagal, mais solitário e selvagem. Correndo até o local, depois de limpar uma gota de suor que escorria, refletiu:

“Me avisaram que os Ao não seriam bem-vindos aqui, mas é pior do que imaginei. Fui descuidado, não posso me tornar refém da percepção das pessoas dos outros reinos. Realmente… as pessoas levam isso muito a sério, tia Rhea.”, tomava um pouco d’água se reerguendo.

Depois de se acalmar o príncipe voltava para a cidade, dessa vez subindo pelos telhados, acima da multidão, à procura de um lugar para se alimentar. Notava a humildade do local, até mesmo nos alimentos oferecidos para consumo. Desceu até uma barraca e tirou moedas de sua bolsa para oferecer ao vendedor.

— Gente da sua laia costuma ter bastante dinheiro mesmo, enquanto outros só mendigam — disse o vendedor apontando para moradores de rua próximo ao local — Agora some daqui! — completou dando os alimentos.

Suzaki voltou para as escondidas nos telhados, uma sensação de estar sendo observado estava crescendo nele. Comendo algumas batatas que havia comprado, olhou para a viela abaixo e percebeu uma pobre senhora ao chão, próxima ao comércio, suja e pedindo dinheiro a quem passasse. Antes de seguir seu caminho, ele jogou a ela seu último alimento e saltou adiante. 

A reação da senhora foi de olhar ao redor para encontrar seu benfeitor sem sucesso. Depois ela cheirou a batata, segurou-a nas mãos com força e finalmente comeu um pedaço. Ela chorava agradecendo aos céus, a maioria dos cidadãos não repararam no ocorrido, mas um grupo de encapuzados observava do outro lado da rua a fuga de Suzaki.

— Vamos — disse um dos quatro indo na frente.

Com alguns minutos de perseguição, Suzaki seguia sem objetivo em meio às ruas em linha reta. De repente virou duas esquinas, a primeira para direita e a segunda para a esquerda, apenas para comprovar a suspeita que teve em sua refeição.

Ele desacelerou seus passos aos poucos, antes que notassem os perseguidores já estavam próximos o suficiente para notar e reagir em segundos a qualquer movimento.

A vítima então dobrou em mais uma esquina e desceu até a rua.Os encapuzados continuam em seu encalço apenas para encontrarem um beco sem saída sem ninguém à frente.

— O quê?! Pra onde ele foi?! — exclamou assustado.

Eles olharam ao redor em busca de pistas, quando foram surpreendidos por Suzaki vindo por trás.

— Licença, estão procurando alguma coisa?

— Mas como? — perguntou assustado, seguido dos outros três, paralisados pelo susto.

— Não conheço muito a região, mas gostaria de ajudar vocês de alguma forma. 

Após as palavras, mesmo com medo um deles se arriscou, virando-se apenas para encontrar a mão estendida do príncipe, que completou:

— Estou só de passagem, não conheço muito o território Midori.

— Eh...eh... bem a gente só tava… 

— Só queríamos te conhecer, é que somos tímidos. — disse o garoto que se arriscou, revelando seus olhos verdes enquanto tirava o capuz — Mitensai, é um prazer! — terminou apertando a mão de Suzaki.

— Até onde eu sei, seguir uma pessoa em segredo não é a melhor forma de se apresentar a ela. 

— É mesmo? — o mais alto entre eles toma a frente retirando o capuz — Sou Dai. Você disse que não conhece a região né? Podemos conversar melhor enquanto nos conhecemos.

— E eu sou Raito, desculpe pela má impressão.

— E você? - Suzaki aponta para a garota mais ao fundo do grupo — Quem é? 

— Kin. É um enorme prazer conhecer alguém como você — a garota olhava Suzaki da cabeça aos pés.

— Tenho certeza que vai nos conhecer melhor, com o tempo. Venha conosco — Dai assumia a dianteira, tomando Suzaki pelos braços — O que tanto olha aos arredores, garoto?

— Isso também é outra forma de me conhecer melhor? 

— A gente só tá curioso, anda fala! — Kin insistia com um leve empurrão em Suzaki.

— São os mendigos? Aqui deve ser bem mais humilde do que você está acostumado no império né? — indagou Raito.

— Depende de qual lugar estamos falando.

— Não parece ter vindo de um lugar humilde — disse Dai tentando alcançar a lâmina de Suzaki, que logo se afastou.

— O império Ao é um lugar muito grande…

— Tudo bem, você é tímido — interrompeu Raito — Então vou mudar de assunto. Pensou que éramos assaltantes, né? Para alguém que foge dos olhares dos outros, você também julga rápido demais.

— Não pode sair dizendo isso para ele assim. — disse Mitensai acalmando os ânimos.

— Se estão desconfortáveis com a minha presença, eu posso tentar seguir meu próprio caminho.

— Meu amigo se expressou mal, esqueça isso. Você não disse que estava perdido? Estamos te levando até meu pai, ele lida com órfãos mesmo. Tenho certeza que saberá bem o que fazer contigo — disse o mais alto, passando os braços pelo ombro do príncipe somente para ser evitado de novo.

— Mas bonitão, espera, como veio parar aqui? — perguntou Kin escorando-se em seu ombro

— Eu venho de um lugar distante do império. Me perdi na floresta tentando fugir de lá.

— Vamos te ajudar a partir daqui. Não há nada com o que se preocupar mais — disse Dai apontando para frente.

— Tá, acho que tudo bem então. — respondeu Suzaki seguindo caminho com os quatro. 

Após alguns metrôs em caminhada pela cidade, o mais velho entre os quatro — Dai — se colocava atrás do membro da família real, refletindo sobre o ocorrido: 

“O plano era abordar ele enquanto estava comendo, mas de repente ele se levantou e se meteu em meio a multidão. Além da rapidez dele no beco. Deve ter notado nosso amadorismo, duvido que seja apenas coincidência”

— A viagem ainda é longa. Toma! — Mitensai coloca seu agasalho verde com capuz no visitante de iro azul Aqui costuma fazer muito frio à noite, e está ficando tarde.

O grupo permaneceu caminhando por algumas horas, chegando ao destino já anoitecendo. Era uma torre alta, situada numa floresta, cercada por acampamentos na saída de uma gruta.

— Esperem aqui — ordenou Dai, entrando na fortaleza.

Assim que fecha as portas atrás de si, ele percebe os homens sentados na mesa à sua frente correrem até ele para recebê-lo.

— Dai? Vamos! Seu pai está à sua espera — um deles o toma pela mão e o leva até as escadas, subindo até uma sala ao primeiro andar, com seu pai sentado sobre uma mesa no centro do local.

— O garoto se entregou?! — indagou Hideki.

— Sem nem ao menos reagir. Na verdade, ele parece nem ter ideia da situação. Ele espera que o senhor o ajude a voltar para casa, disse que está perdido.

— Tão inocente. Isso vai ser fácil.

— Seria muito estranho enviarem um garoto novo assim para atravessar a floresta hercínia sem algum preparo. Como vão arriscar um candidato ao império assim?

— Se preocupe com o que estamos vendo, não o que queremos que seja. A oportunidade está aqui, vamos pegá-la — se levanta e traz seu filho consigo.

— A arma dele é enorme, pai — informava enquanto desciam de volta as escadas.

— Se tem tanto medo dele, posso ser mais… persuasivo nas boas-vindas  — disse abrindo as portas da torre. 

Suzaki foi conduzido por Dai e outros guardas para dentro, ao tempo que os outros três apenas observavam. 

O interior da torre era bem escuro, sendo iluminado apenas por tochas. Notando a circunstância da situação o membro da família real questionava os acompanhantes:

— Desculpa a pergunta, mas pra onde estão me levando? 

— Vai querer um quarto para passar a noite. Estamos te levando até ele.

— E depois vou receber a ajuda que pedi, certo?

— Meu pai vai conversar com você assim que puder — Dai deixava com que um guarda escoltasse o garoto — Ele é um homem ocupado.

Eles então seguiram subindo as escadas até chegarem no andar almejado, mais a frente o guarda apresenta ao jovem o seu quarto.

— Quarto andar. Mesmo nessa escuridão, aqui me parece mais seguro que lá fora. Meus agradecimentos.

— Espera aí mocinho, vai ter que me entregar essa arma antes de entrar.

Do lado de fora Dai se juntou a seus amigos que discutiam sobre o sequestro.

— Ele parece ser um cara bem legal, e bonito.

— Você não presta mesmo Kin.

— Acha que fizemos o certo, Dai? — questionou Mitensai.

— Devo confiar em meu pai, ele é um Ao e parece treinado. Com certeza vale a pena segurá-lo por aqui.

Após a breve conversa, o grupo começou a notar uma aproximação por todos os lados.

— Isso é...

— Parece que a ideia do capuz verde não deu em nada.

— Vão para as cavernas, agora! — ordenou Dai, correndo para dentro da fortaleza.

No quarto andar da torre, Suzaki relutava a entregar sua lâmina.

— Qual o problema? Me dê logo isso! — exigiu o guarda.

No momento que o jovem permitia sua arma cair ao chão, puxou o braço do homem e esticou sua perna para derrubá-lo. Depois de rendido, ele tomou a espada de volta para fazer sua interrogação.

— Esse é o mais próximo que vai querer minha espada do seu pescoço. Eu apenas quero respostas. O que sabe da disputa das fronteiras entre os Midori e o Império?

— O que tem para dizer? Você é um Ao, deveria saber mais disso que eu.

— Aquele guarda da fronteira sinalizou vocês. O que eram aqueles corpos? Quem comanda esse lugar?

O guarda começa a gargalhar das indagações do garoto.

— Para um espião você é bem desinformado…

— Não me obrigue a feri-lo — Suzaki encosta seu metal na pele do guarda — Quem dá as leis por aqui?

— Aqui não há leis, criança. Essa cidade, como as outras, é comandada por facções — uma pedra atravessa a janela do quarto — Juntas, elas se organizam como a Gangue Midori.

No térreo, Dai se preparava para conter os invasores.

— Pai, temos companhia. Eles descobriram sobre o garoto, as outras facções estão aqui!

— Reúna nossos homens. Isso não precisa ser assim!

Do lado de fora, dezenas de soldados cercaram a região naquela noite tomada por nuvens. 

— Vamos pegar o garoto!

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

  

 



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