Volume 2

Capítulo 18: O tempo Voa

Os meses haviam se passado desde o duelo no Coliseu. As marcas da destruição já tinham sido reparadas, mas o impacto do confronto ainda ecoava na memória dos alunos e professores da academia.

Harkin agora conduzia um seleto grupo de alunos escolhidos a dedo pelo próprio imperador — um misto de plebeus e nobres com grande potencial.

— Mais cinco kilometros! — ele gritava, como um sargento, durante os treinos físicos de suas aulas. Em outra, dentro da sala, dizia:

— Vocês têm que treinar corpo e mente. A mente comanda o corpo, e os dois têm que estar em sintonia. Os imensos vão perder peso, os raquíticos vão ganhar massa, e os marombeiros… vão ganhar cérebro. Tem que equilibrar tudo.

Os alunos reclamavam muito que ele chamava todos de "igualmente burros". Não importava se alguém era tratado como gênio — em algum momento, acabava submetido ao conhecimento do príncipe. Os alunos focados em combate sofriam ainda mais. Por mais fortes física e magicamente que fossem, não conseguiam sequer encostar nele.

O tempo passou rapidamente, e o Império ao redor de Harkin começou a reconhecê-lo e aceitá-lo. Na Academia Imperial, os alunos já não o temiam, mas o respeitavam como um mestre absoluto. Seus colegas professores também passaram a reconhecer seu valor — até mesmo Julian, que passou meses sem encará-lo, agora o tratava como uma espécie de rival. Com o tempo, começaram a realizar duelos de sparring com certa regularidade, depois que Julian se desculpou… do jeito dele.

Pouco a pouco, e sem querer, Harkin foi ganhando influência. “O nerd mais forte” virou o título que muitos começaram a usar depois de uma reunião pública, quando Julian, sem perceber, o nomeou assim em voz alta.

Ele não buscava por isso, mas sua influência começou a se espalhar para além dos muros da academia. Os alunos mais pobres comentavam nas periferias sobre o professor que ensinava a todos da mesma forma — sem distinguir nobre de plebeu. Enquanto isso, os nobres se fascinavam com o “nerd revolucionário” que começava a desafiar algumas concepções do império.

Seu relacionamento com Serafina sofreu um pouco por conta disso — a ponto de ela cogitar fechar o Dragão Dourado. Mas, no fim, isso não abalou de verdade o vínculo entre os dois, que estava mais forte do que nunca. Para quem os observava de fora, parecia que estavam juntos há anos.

Gabriela, como embaixadora de Nerio, ia e vinha constantemente para tratar de assuntos oficiais. Jeff e Adrien, às vezes, a acompanhavam. Já Harkin contava com Serafina, Sputnik e Pietro para ajudá-lo na administração dos negócios que estavam começando a estruturar com Solomon.

As coisas estavam, de fato, caminhando conforme o plano inicial: tornar-se livre das políticas dos reinos e adquirir influência suficiente para se manter neutro. Mas os planos ainda estavam em fase inicial.

Harkin levava tudo o que fazia a sério, e com os avanços em sua pesquisa, a Arkan estava prestes a ficar pronta. Se não fosse pelos compromissos acadêmicos e os negócios paralelos, talvez já tivesse finalizado o projeto. Ainda assim, ele se recusava a sacrificar seus objetivos pessoais em nome de conveniências. Quando questionado por Okini, dizia:

— É pra honrar o acordo com o Império. Se não, o Conselho pode me deportar a qualquer momento.

Mas, no fundo, todos sabiam que ele tentava fazer algo bom — não apenas por si mesmo, mas pelos outros também.

Inclusive por Okini. Com a bênção de Eiden e Markus, ela se tornou uma de suas alunas. Harkin passou a treiná-la pessoalmente ao menos uma vez por semana. Depois que Pietro contou a ela que foi graças a Harkin que conseguiu superar seus próprios limites, Okini engoliu o orgulho e aceitou o treinamento.

O que nos traz aos dias de hoje:

— Hyaaaaa! — gritou Okini, brandindo uma espada. — Para de desviar, porra!

Harkin ria, se divertindo com a impaciência da aluna.

— Vai implorar pro inimigo mais rápido que você pra ir mais devagar?

— Se defende, ao menos!

— Eu tô, ao me esquivar. Se isso te incomoda tanto, melhore sua técnica.

— Fácil assim, né? Num fode!

— Chega.

Harkin então sacou sua espada. Era uma lâmina cega, mas, ao balançá-la, partiu a arma de Okini ao meio — deixando uma marca vermelha de calor nas extremidades por onde passou.

— Quantas vezes vou ter que repetir que você precisa controlar a boca enquanto treinamos?

— Você não é meu mestre!

— Não, não sou. Mas enquanto estivermos em treino, eu sou seu professor. Ou tutor. Ou o que você quiser chamar. Então me trate com respeito. Uma ou duas vezes, tudo bem. Mas quando você começa a acreditar nas ofensas que solta, eu sou obrigado a lembrar quem tá ensinando… e quem tá aprendendo.

Okini abriu a boca pra retrucar, mas o raciocínio dele não deixou margem. Envergonhada, passou a mão no cabelo preso e desviou o olhar.

— Me desculpa.

— Tudo bem. Vamos fazer uma pausa. Você precisa esfriar a cabeça.

Se sentando e pegando uma garrafa de água ela disse:

— Nem parece que já faz quase um ano que você tá aqui… É estranho. Você não é mais um babaca o tempo todo. Agora só é escroto.

— E você continua sendo a mesma criança burra.

Os dois se encararam durante a troca de farpas. Depois de alguns segundos de tensão crescente, caíram na risada.

— Você tá melhorando, moleca — disse Harkin. — Só precisa voltar a me ouvir, e você vai evitar muita dor de cabeça.

— Eu te ouço, Harkin. Mas não é tão simples quanto você faz parecer. Eu não sei se você percebeu, mas… você literalmente consegue fazer qualquer coisa. A gente, não.

Ela não falou com raiva. Só havia frustração em sua voz.

— Eu entendo que eu não sou igual a todos, mas você acha que você também é?

— Superior é que eu não sou, eu nem consigo encostar em você.

— Se comparar a mim não é a melhor das opções, eu posso ter oficialmente 20 anos, mas eu fiquei mais de meio milênio acumulando poder dentro de um ovo, entende a diferença?

— Tá mais enquanto ao Stein, Pietro, Drake até a Camilla é mais forte do que eu e ela é uma engenheira.

— Já que é assim e enquanto aos que cresceram na periferia, e não tinham uma linhagem como a de Markus e de sua mãe para herdar muito menos os recursos necessários quanto mais os que você teve? 

Ela não respondeu, apenas abaixou a cabeça novamente.

— Eu entendo que não sou igual a todo mundo… mas você acha que é? — Ele perguntou, ofegante.

— Superior é que não sou, mal consigo encostar em você — respondeu ela.

— Tá, mas… e quanto ao Stein, ao Pietro, ao Drake? Até a Camila é mais forte do que eu — e ela é

— E quanto aos que cresceram na periferia? Que não tinham uma linhagem como a de Markus ou da sua mãe pra herdar, nem metade dos 

Ela não respondeu. Apenas abaixou a cabeça novamente, frustrada.

— É isso que você ainda não entendeu, Okini. Não é sobre o que os outros estão fazendo. Para de se comparar. O mundo não é justo. E ninguém começa do mesmo ponto de partida. Aprende a entender de onde você partiu… e aonde você quer chegar.

— E de que adianta, no fim das contas? — ela rebateu, com a voz embargada. — A minha linhagem pode ser valiosa… mas não é como a sua, ou a dos outros.

— O Kaius não tem sangue dos Empera, e ainda assim é mais forte que todos os generais. O Erik também não tem. E o Corvath? Filho de uma prostituta que simplesmente se recusa a morrer.

Silêncio. Ela ficou ainda mais quieta, os olhos começando a marejar.

Harkin então colocou a mão no ombro dela, firme.

— Mas não se preocupa. Você tem uma vantagem que nem seus primos têm.

— Qual? — ela perguntou, com a voz chorosa.

— Eu. E eu vou te fazer entender — nem que pra isso eu precise abrir sua cabeça e enfiar na marra o que você tem que aprender.

Ela soltou uma risadinha, limpando discretamente as lágrimas.

— Idiota… é só explicar direito que eu aprendo.

— Se tá boa pra reclamar, tá boa pra voltar ao treino. Vem. Vou te ensinar a corrigir esse seu balanço e alinhar seus movimentos com a mana.

Resumindo o descanso, os dois voltaram a treinar. Os movimentos dela ainda estavam crus, mas melhoravam — pouco a pouco. Lentamente, mas com progresso real...

Algumas horas depois, Harkin voltava para casa fumando um de seus cigarros.

“Tenho duas horas até o evento... a Sera vai me matar se eu me atrasar. Mas por que diabos eu tenho que aparecer num jantar da família imperial? O velho tá tramando alguma. Amanhã os mais influentes do mundo vão estar lá.”

Sem perceber, já estava diante da mansão. Prestes a girar a maçaneta, parou.

“Melhor terminar o cigarro aqui fora. A Sera vai surtar se sentir o cheiro de novo.”

Sentou-se no banco do jardim, contemplando o silêncio e refletindo sobre sua pesquisa.

— Se eu visse isso há um ano, acharia que era uma ilusão — comentou Adrien, se aproximando com um sorriso irônico antes de sentar ao lado dele.

— Você mudou — continuou.

— Mudei mesmo. Ainda não te matei por dormir com minha irmã.

— Hahaha… e você ainda é um babaca.

A fumaça não incomodava Adrien — ele já havia se acostumado desde os tempos do programa Sentinela.

— Sabe… tem coisas que eu nunca pensei que sentiria falta em ser só um humano comum.

— Se arrepende? — Harkin perguntou, soprando a fumaça para o alto.

— Não. Mas enquanto o código estiver ativo, sempre vou ter um pé atrás. O que você disse antes ainda pesa pra mim.

— Relaxa. Ninguém vai machucar a Gab. Ela ainda é a princesa do reino.

— E se fosse você ouvindo isso sobre a Sera?

O silêncio foi a resposta.

— Foi o que eu pensei.

— Me dá duas semanas — disse Harkin. — Eu resolvo isso pra você.

— Sério?

— Só falta ajustar umas coisas pro seu corpo. Vai funcionar.

O brilho no olhar de Adrien ressurgiu.

— Obrigado, capitão. Tudo que você fez por mim é uma honra que eu nunca poderei retribuir.

— Eu não sou mais seu capitão. Só cuida da minha irmã.

Adrien sorriu.

— Pode deixar, chefe.

Harkin checou o relógio.

— Sua dama já tá te esperando, semi pronta.

— Semi?

— Gabriela e ela tão finalizando os detalhes do visual.

— E você? Não vai se trocar?

— Vou usar vestimenta formal de Nerio — Adrien falou a ele desviando o olhar, vergonha estava explícita em seu rosto.

Harkin sabia o que isso significava. Não precisava nem perguntar — era óbvio. Mas ele perguntou assim mesmo:

— Onde ela tá?

— Não sei os detalhes. Eu sigo ordens.

— E o que dizem suas ordens?

Adrien coçou a cabeça.

— “Não diga nada ao Harkin.”

Uma veia pulsou na testa do príncipe. Adrien se preparou para o pior... mas o surto não veio. Só um suspiro. Harkin já havia processado tudo mentalmente. Seu cérebro acelerava quando precisava.

Ele se levantou, apertou o ombro do amigo.

— Obrigado. Você me fez um grande favor.

— Eu sabia que você ia entender.

— Preciso me preparar melhor pra esse jantar.

Apagou a bituca incinerando com magia e entrou.

Logo deu de cara com Gabriela penteando o cabelo de Serafina. Mesmo depois de quase um ano juntos, a beleza dela ainda o deixava hipnotizado.

— Vai ficar me encarando ou vai se aprontar? — disse Serafina.

— Foi mal. Tu já é a mulher mais linda do mundo sem esforço… quando se arruma, é covardia.

Ela corou, desconcertada.

— Se tem tempo pra puxar meu saco, tem tempo pra se trocar.

— Ele é um diabrete excitado, cunha — disse Gabriela, rindo — mas tá certo. Se você não for a mais linda daquele salão, ninguém mais será.

— Obrigada, Gab. Mas cê tá exagerando.

— Não tô não. O imbecil do meu irmão tem sorte de você ter se apaixonado por um psicopata como ele.

— Bem… vou tomar um banho, vestir o smoking formal de Nerio. Vou demorar uns 40 minutos.

— Por que roupa formal? Você não é príncipe daqui — questionou Sera, se levantando.

— Mas sou oficialmente herdeiro de Nerio. E a rainha vai estar lá.

Gabriela endureceu o olhar.

— Adrien tinha ordens explícitas de não te contar. Como descobriu? Isso poderia matá-lo!

— Relaxa. Seu namorado é esperto. E eu também. Não preciso de tudo, só de meia informação.

Seu olhar firme a calou. As memórias da guerra que ele conduziu contra a mafia vieram à tona. Tentando amenizar, ela comentou com Serafina:

— Toma cuidado. A paranoia dele é absurda. Ele simula situações na cabeça e prevê o pior.

— Não é paranoia. É dedução. Enfim… divirtam-se. Vou me lavar.

Subiu as escadas. Assim que desapareceu da vista, Sera se virou para a cunhada.

— Toma cuidado, Gab.

— Por quê?

— Você sabe melhor do que eu. Se ele vai se preparar… é porque algo vai dar errado.

Gabriela ficou pensativa, mas disfarçou. Quando as criadas começaram a arrumar o salão, ela sorriu:

— Vamos aproveitar por enquanto. Vem cá, deixa eu ajustar seu vestido.

As duas retomaram a conversa interrompida.

Serafina estava certa. Harkin esperava que algo acontecesse. Faltava apenas um dia para o Encontro das Nações Aliadas em Eldravel, e a capital já estava cheia de delegações estrangeiras. Boatos diziam que um lendário Junkai havia sido visto nas ruas.

 

Enquanto a mansão se enchia de expectativas para o jantar, em outro ponto da capital uma figura também se preparava — mas não para festejar. Morgana, a Rainha Vermelha, observava do alto de uma catedral dedicada ao culto das luas na Capital.

— Faz séculos que não nos vemos, Morgana. Nem pra dizer um “oi”? Eu pensei que éramos amigos.

— Orrin… você vai parecer ainda mais velho se continuar com esse drama.

Ela se virou. A luz do pôr do sol iluminava sua pele branca como porcelana e seus cabelos rubros vibrantes. Quem não a conhecia, poderia jurar que era uma jovem donzela encantada na paisagem.

— Eu nem sou tão velho assim.

— Ah, é sim. E aparenta.

Orrin olhou para si, fingindo surpresa.

— Não sei do que tá falando.

— Barba feita, cabelo grisalho, sobrancelhas idem, rugas por toda parte… Se não fosse sua pele negra, diria que tem uns 70. Mas com a melanina, parece 50. Ainda bem longe da sua idade real.

— Parei de envelhecer nos 70 e poucos, de fato. E você? Ainda anda mentindo seus "sete séculos" por aí?

— Não se fala da idade de uma dama, Orrin.

Riram. Ele pediu licença, sentou ao lado dela. Ela apoiou a cabeça em seu ombro.

— Nem parece que passou tanto tempo, né?

— O tempo voa.

— E agora, de volta aqui, sinto que o mundo vai mudar de novo. Será que vamos ser os substituídos dessa vez?

— Quem sabe, Morg? Mesmo se soubéssemos… poderíamos impedir uma mudança forte o bastante pra derrubar você… ou ele?

— Você é o sábio do império. Me responda, não me questione.

Ele riu, os olhos laranja-âmbar refletindo nostalgia.

— Talvez não haja resposta. Mas há uma para o que será discutido hoje.

Ela se afastou. O clima mudou. Agora não era mais Morg — era a Rainha Vermelha.

— Assunto oficial, então?

— Sim e não. Com nossos cargos, dá pra separar? O garoto… enviá-lo será um erro.

— Enviar qualquer outro romperia a aliança. Não é algo que podemos arriscar.

— Mas os outros não o conhecem?

— Conhecem, mas ele é bom o suficiente pra não ser reconhecido. E quem mais é confiável pra essa missão? Um Sentinela? Sem armadura eles são fortes, mas… não o bastante.

— Pode ser. Talvez seja a única opção.

— Os outros generais sabem?

— Só eu, Kaius, Erik, Markus e Avelinne. Tirando nós, nem os príncipes.

— Ótimo. Discrição. Lumineirie sugeriu ele, existe um motivo para ela se manter ao meu lado por todo esse tempo.

— Sim. Não que eu acredite em revelações. Mas ela tem seus motivos, e acredito que o banquete de hoje vai revelar porque Eiden concordou.

Um suspiro longo veio do general, então ele levantou olhando a Acrópole de longe:

— Quer minha companhia até Eldravel?

— Não pense que é fácil me comprar, velho amigo. Ainda estamos longe de concordar.

— Então vamos discordar a caminho da Acrópole.

Orrin estendeu a mão, cortês. Morgana riu e aceitou. Os dois flutuaram suavemente até o chão, partindo rumo à Acrópole.

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