Necrose Brasileira

Autor(a): Vinicius Gabriel


Volume 3

Capítulo 11: Parceria

O homem ferido no chão, pouco mais a minha frente, pareceu ponderar as opções que tinha e pude ver em seus olhos que aceitara minha proposta. Claro, dediquei certa teimosia em minhas falas, pois sentia que não poderia apenas ir embora, não depois do que perdi no caminho.
Encontrar o sobrevivente seria minha maior prioridade, os remédios viriam em seguida e, no pior dos casos, ao menos gostaria de poder acertar umas boas balas no tal doutor. De maneira estranha, mesmo este último item da minha lista imaginaria, me parecia uma boa maneira de encerrar as coisas.  

— E então, Marvin, como será? — Perguntei de maneira firme.  

— Não acho que tenho muitas opções... me unirei a você. — Ele disse e logo em seguido forçou seu corpo combalido a se levantar. — Mas, se for assim... Então vou com você.  

— Ei, ei, ei. — Fui em sua direção enquanto emitia o alerta. — Tome cuidado. Você não está em condições de se mover, esqueça isso.  

— Você colocou suas condições e agora coloco as minhas. Não se preocupe, não serei um peso para você, mas, não posso deixar você andando sozinha por esse lugar. Já vi corpos de jovens demais, não vou te encontrar com um buraco de bala na testa lá embaixo, e, além disso, você me salvou... te devo uma agora. — Desta vez foram suas palavras que não deixaram espaço para o contraditório.  

— Certo, certo... Escute meu plano então. — Pude vê-lo acenar com a cabeça e voltar para o chão com mais destreza do que quando levantou. Então continuei: — Tem uma guarita no estacionamento lateral do prédio, acredito que seja o lugar mais óbvio para encontrar um sobrevivente, e além do mais podemos encontrar comida e remédios por lá, não é certeza, claro, mas me parece uma boa tentativa. O que acha?  

— Faz sentido. Mas, se não encontrarmos os remédios lá, então eu vou atrás do doutor, e somente eu. — Notei seu enfatizar nas duas vezes que a palavra “eu” surgiu em sua frase e, respondi com um aceno, selando uma promessa que não possuía qualquer apreço em cumprir.  

— Onde estão meus equipamentos? Ainda devo ter força o bastante para uns dois golpes com o pé de cabra.  

— Na verdade... — Falei com um sorriso malicioso no rosto. — Agora nós temos isso aqui. — Conclui empunhando a relíquia recém-adquirida. 

— Como conseguiu isso? — Ele indagou com espanto justificável. — Você mentiu para mim, está atuando junto ao doutor, não está?  

— Não, não é nada disso. — O refutei sorrindo. — Acho que ele derrubou enquanto corria, ou talvez a tenha largado de propósito, provavelmente porque ela está descarregada. Seja lá quem for esse Dr. Wes, me parece um grande covarde.  

— É, mas o covarde quase me colocou no sono eterno. Agora, se está descarregada, então não faz diferença alguma, não?  

— Não é bem assim, ela até está descarregada, mas encontrei oito projéteis .22 na gaveta da mesa.  

— Oito? Não chega nem perto do que é preciso para passar pelo ambulatório.  

— Não vamos pelo ambulatório, e oito ainda é melhor que nada. Tome, vou deixá-la com você. — Estendi o revólver em sua direção.  

— Sinceramente, olhando para minhas condições, acho que você teria mais chances de acertá-los, e eu não gostaria de empunhar a arma que quase me matou. Já você parece bem com ela, entende de armas?  

— Uma ou duas coisas... — Respondi. — Colt SAA, é mais usada por colecionadores agora. Essa é uma réplica idêntica da que matou Billy the kid. Também é conhecido como Single Action Army, Peacemaker, M1873, Colt .45, Colt Peacemaker, e mais alguns nomes.
É um revólver de ação simples com um cilindro que armazena seis cartuchos metálicos. O Sistema de desparro é de ação simples, o que torna necessário acionar o “cão” antes de cada disparo. Além disso, também é de eixo fixo, o que diferencia dos revólveres modernos, o tambor não vai deslizar para o lado e isso dificulta um pouco o carregamento já que você tem de abrir um compartimento lateral, deixando uma das câmaras abertas e então ejetar manualmente cada um dos estojos vazios... — Calei meu eterno monologo assim que percebi estar falando demais.  

— É, você realmente parece bem com ela. — Ele disse sorrindo, o que teria me deixado com um pouquinho de vergonha por permitir minha empolgação falar tão alto, porém, sua fala seguinte me trouxe novamente ao risco da realidade. — Agora me explique como vamos fazer para chegar ao estacionamento. Disse que não vamos pelo ambulatório, pensei que faríamos a volta no prédio e tentaríamos derrubar alguma barricada. Embora, com meu corpo assim fique mais difícil algo do tipo. Como pretende fazer? 

— Certo. — Assumi uma postura seria e prossegui: — Dei uma boa olhada no estacionamento mais cedo e acredito que exista um buraco em uma das paredes que o cerca. Está do lado de dentro do prédio, na parte frontal... Não sei qual ala é, mas se pudermos chegar lá...  

— Podemos usar esse acesso improvado. — Ele concluiu interrompendo minha fala. — Se estamos de acordo, então é hora de ir.  

Acenei para Marvin enquanto ele se levantava mais uma vez, ainda mantendo uma de suas mãos sobre o curativo. Visivelmente aquele era um homem maduro que carregava uma bagagem pesada e esmagadora, um misto de responsabilidades, experiencia, e culpa. Sim, culpa era algo que a maioria — Senão todos — dos sobreviventes compartilhavam, ao menos aqueles que ainda eram humanos.  

Havia muitas perguntas em minha mente quanto ao meu novo parceiro, quais seriam seus fracassos e arrependimento? Quem ele perdeu? Afinal, todos havíamos perdido alguém no meio disso tudo.  Até onde ele achava que faria sentido permanecer vivendo em mundo como esse? E muitas outras interrogações sem resposta. 

— Estou pronto, só tenho que me acostumar com a dor de ficar em pé, mas será logo. — Suas palavras me trazendo de volta. — Será que tem mais alguma coisa por aqui que possa ser usada como arma? — Ele inquiriu jogando um olhar pesquisador sobre a sala, até que seus olhos fitaram em algo, ele havia finalmente notado. — Por quanto tempo eu dormi?  

— Algumas horas... Devemos estar por voltas das dez ou onze da noite. — A resposta pareceu desagradável a ele, pude vê-lo se agitar ao ouvi-la.  

— Inferno! Vamos temos que nos apresar. Nunca deixei Lisa sozinha por tanto tempo, ela precisa de mim. Depressa-- — Tudo se calou de repente, perante o enorme estrondo que ecoou pelo prédio. O perigo se aproximava outra vez, sorrateiro e cruel, camuflado no breu.



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