Volume 1 – Arco 1
Capítulo 11: O Frenesi de Kos
O apresentador ainda empolgado com a recém luta de Ella, anunciou a próxima.
— Temos carne nova no coliseu, Kyron!!! Contra, adivinhem quem? O terror dos Primordiais, Kos!!! Veremos o potencial do novato ou ele sequer terá a chance de se destacar? Que a luta comece!
A garota se sentou ao lado de Kalel novamente.
— Hehehe — Kalel riu — Não o deixou acertar um único ataque em você? Essa é a melhor forma de quebrar o orgulho de uma criatura do Vazio.
— Isso é só uma pequena amostra do meu poder. Vou lutar a sério somente contra Kiyoko — exclamou Ella, séria.
— Se Kos vencer, você terá que lutar a sério contra ele. Esse cara já deu um trabalho pra dezenas de caçadores.
— Ah é? — Ella ficou surpresa. — O que ele tem de diferente dos outros?
— Ele pode anular vontades, nessa luta você terá que usar unicamente a sua espada e nada mais.
— Isso é possível? Mas como? A vontade é uma energia que vem das nossas almas. Isso deveria ser impossível, não é?
— Ele não anula a sua vontade dentro de você, mas sim os ataques carregados de vontade. Se você lançar uma esfera de chamas na direção dele, ele a apagará. A esfera simplesmente deixará de existir, como mágica.
— Você já o viu lutar?
— Já, mas nunca lutei contra ele e nem lutarei, você o matará hoje — exclamou Kalel, repousando sua cabeça na parede.
— É, não tenho outra opção — respondeu Ella, também repousando sua cabeça na parede enquanto aguardava o próximo duelo.
Alguns minutos se passaram.
— Uma excelente luta, mas o novato não deu conta do nosso vitorioso Kos, quase alcançando o ranking três do coliseu! Será que hoje ele se superará? — gritou o apresentador, empolgado.
— E esse foi o fim do round um, agora vamos para o round dois!!! Os vencedores do primeiro round enfrentarão uns aos outros até sobrar apenas um. De um lado, Jyuraguh, o vencedor do primeiro duelo, contra a incrível Kiyoko, vencedora do segundo duelo!!! — anunciou ele. — Que a batalha comece!
Enquanto Kiyoko lutava, Ella meditava no banco ao lado de Kalel. Precisava se concentrar para enfrentar mais dois oponentes formidáveis.
Estava tão imersa em sua mente que não ouviu o seu chamado. Kalel a cutucou.
— É a sua vez agora. Boa sorte — disse Kalel, generosamente.
— Agora é a hora do Kos, né? Hmph, essa luta vai ser interessante. — Ella respirou profundamente.
Ella caminhou em direção ao portão da arena.
— Finalmente, Ella chegou! Com um olhar sanguinário e sua espada forjada especialmente para aniquilar o Vazio, ela será capaz de vencer Kos? Esse duelo dependerá unicamente das suas habilidades como espadachim, já que não poderá usar sua vontade. Portanto… que vença o melhor! — gritou ele, encerrando a introdução e dando início a batalha.
Kos tinha uma aparência humana, exceto pela sua pele totalmente pálida e seus dois braços corrompidos pelo Vazio.
Seus olhos estavam cobertos por uma venda branca suja de sangue seco. Ella notou que metade do seu rosto tinha sido queimado.
A garota o analisava em cada aspecto. Um corpo coberto por cicatrizes, sem calça, nem camisa, no entanto, a parte inferior estava coberta de ataduras, envolvendo suas pernas e seu órgão genital.
Ella o analisou minuciosamente e não identificou sua forma de ataque. Os braços? Era uma possibilidade, eles estavam envoltos no Vazio, mas como ele os usaria?
Lentamente, Kos puxou sua fenda para cima e olhou no fundo dos olhos de Ella.
Um olhar frio como o inverno, penetrante como a ponta de uma espada; tudo ao redor de Ella escureceu. Um calafrio intenso percorreu sua espinha.
Ela não conseguia enxergar nada, tudo o que guiava em meio ao breu eram seus sentidos.
Repentinamente, um soco veloz atingiu seu estômago numa velocidade surpreendente, seguido rapidamente por outro em seu queixo, erguendo-a no ar.
Ella aterrissou perfeitamente, mas foi surpreendida por uma rasteira vindo de Kos.
Ela caiu de costas no chão e, rapidamente, rolou para o lado; ouviu a tempo o som de algo se materializando e vindo em sua direção.
Ella se levantou e assumiu uma posição de combate. Distanciou-se de Kos andando para trás lentamente.
Sem vontade e sem visão, Ella não tinha escolha a não ser confiar em seus outros sentidos.
Desembainhando sua espada, ela a empunhou frente ao seu corpo. Fechou seus olhos e respirou calmamente; a plateia foi à loucura.
— O quê?! Ella lutará de olhos fechados? Sem vontade e sem visão, como planeja ganhar de Kos? Essa luta será insana!!! — bradou o apresentador.
Ella compreendeu a situação.
Não havia escuridão nenhuma, aquela era uma capacidade de manipulação de espaço. Uma habilidade notavelmente rara entre os seres do Vazio.
Naquele momento, Ella intensificou seus outros sentidos, principalmente a audição e o olfato.
Concentrou-se na respiração ruidosa de Kos, pôde pressentir que ele viria a atacar.
Um pungente aroma de enxofre emanava dele, cada vez mais intenso e inconfundível, agora podia sentir claramente.
O odor rapidamente se aproximou e sua respiração nunca esteve tão alta.
Era eminente, um ataque frontal estava a caminho, sem dúvidas. O zumbido de algo rasgando o ar, possivelmente uma lâmina ecoou frente a ela.
Com um reflexo excepcionalmente ágil, Ella girou para a direita esquivando-se por um triz de um golpe que certamente seria fatal.
Como era possível que Ella tivesse desviado de um ataque a essa velocidade sem sequer ver o que se aproximava? Kos ficou incrédulo.
Ele respondeu com um corte horizontal, empunhando uma lâmina forjada na sombria matéria do Vazio. Para seu espanto, Ella arqueou seu busto para trás, desviando-se habilmente do ataque.
— Maldita… Como você consegue desviar de todos os meus ataques?! Isso... isso não faz sentido! — gritou Kos, com o rosto evidenciado em choque.
Ella inspirou profundamente pela boca, com seus dentes entreabertos, enchendo seus pulmões de oxigênio para maximizar a circulação do sangue por todo seu corpo.
A calma serena de sua oponente o enfureceu tremendamente.
Violentamente, Kos lançou-se contra Ella, desferindo uma sequência de cortes com sua lâmina; a garota habilmente usava sua espada para repelir todos os ataques.
Direita, esquerda, superior, diagonal, direita novamente. Quando você está prestando atenção somente em sua audição, tudo aclara.
É como se, pelo simples som da lâmina fendendo o ar, fosse possível antever exatamente onde cada golpe irá atingir.
Ella se defendeu de todos os cortes.
— Agora é minha vez — disse Ella, calmamente.
Avançou freneticamente em direção ao cheiro de Kos arrastando sua espada pelo chão, deixando um rastro de faíscas pela arena.
Seu oponente rapidamente transformou sua lâmina em um escudo, mas nem isso foi capaz de deter Ella.
Com um golpe ascendente poderoso, a garota partiu o escudo ao meio. Girando com agilidade, Ella atacou o flanco de Kos com o pomo de sua espada e, num movimento fluído, desferiu um soco certeiro em seu rosto, derrubando-o ao chão.
Apesar da aparência feminina e frágil de Ella, sua vontade lhe conferia uma força sobre-humana.
Um soco dela feria e muito uma criatura do Vazio.
Com uma velocidade estonteante, avançou em direção a ele, era uma visão aterrorizante; a visão de Ella Murphy, espada em mãos, avançando contra você, era algo que ninguém desejava testemunhar.
Kos materializou uma chuva de espinhos do Vazio, atirando-os em direção à Ella. Enquanto eles cortavam o ar, aquele terrível cheiro de enxofre permeava por todos os lados, saturando o ambiente.
Com um movimento ágil e preciso, Ella guardou sua rapieira em sua bainha.
À medida que o odor se intensificava à sua frente, Ella agilmente desviou-se para a esquerda.
O som ameaçador de centenas de espinhos desabando do alto ecoou pelo ar, Ella rapidamente deu dois passos para trás, esquivando-se com precisão.
O ataque se repetiu em todas as direções.
Era belo de se ver, mesmo sem enxergar nada, Ella dançava pela arena desviando perfeitamente de todos os espinhos, até que finalmente o bombardeio cessou.
Era evidente que Kos estava à beira da exaustão após gerar tanta matéria do Vazio em um curto espaço de tempo. Com a respiração pesada e os olhos injetados, ele gritou:
— Isso não está certo… ISSO NÃO ESTÁ CERTO — Kos rasgava o próprio rosto com as unhas, atormentado pela frustração.
O rosto de Kos começou a sangrar e seu sangue a borbulhar e se solidificar rapidamente, formando uma crosta negra composta de matéria do Vazio.
Essa substância sombria espalhou-se, cobrindo todo o seu rosto, exceto pelas áreas ao redor da boca e do nariz, permitindo-lhe ainda falar e respirar.
Essa crosta, que serviria como armadura e arma, estendeu-se pelo seu braço direito, engrossando-o e o fortalecendo, até que ele se tornasse uma extensão monstruosa e totalmente imbuída no Vazio.
Agora, Kos estava com uma aparência ainda mais ameaçadora e monstruosa do que antes.
— Eu vou te matar. EU VOU TE MATAR! EU VOU TE MATAR!!! VOU TE DEVORAR E RASGAR CADA PEDAÇO DO SEU CORPO!!! — gritava ele freneticamente enquanto se transformava.
Ella não viu sua transformação, apenas ouviu o sangue borbulhando e a materialização do Vazio em seu corpo.
— ELLA!!! — gritou Kos, avançando em frenesi à Ella.
Com seu braço direito tomado pela crosta e agora muito maior, ele investiu para agarrar Ella.
Ela, com reflexos rápidos, realizou um mortal para trás, evitando o ataque por pouco.
Kos continuou tentando capturá-la, esmagando o chão como uma besta, enquanto Ella habilmente desviava de cada um dos seus ataques devastadores.
Aproveitando o intervalo entre cada tentativa de agarrão, Ella saltou para frente, posicionando-se sob Kos e desferiu um soco com toda sua força em seu estômago.
Kos sorriu insanamente.
Se aproveitando da breve abertura do soco de Ella, ele a agarrou com seu braço mutante e, usando toda sua força colossal, lançou-a com brutalmente contra a parede da arena.
O que ele acreditava que mataria um caçador comum, mostrou-se ineficaz contra sua resistente oponente.
Emergindo da fumaça, Ella retornou para o campo de visão de Kos como se nada tivesse acontecido.
Balbuciando e babando como uma besta descontrolada, sua fúria se mostrou evidente.
— Oh, você está nervoso? — debochou Ella, retirando sua rapieira da bainha.
Desta vez, foi Ella quem partiu para o ataque.
Ela saltou celeremente contra ele, segurando firmemente sua rapieira em uma única; Kos se defendia com seu braço extremamente resistente, uma defesa formidável capaz de suportar os cortes de Rubrannium.
No momento em que Ella, suspensa no ar estava prestes a desferir outro golpe, foi empurrada por Kos, avançando freneticamente em sua direção.
Ele tentou esmagá-la com seu braço mutante duas vezes. Na primeira investida, Ella desviou habilmente para a direita, escapando por pouco do golpe avassalador.
Na segunda investida, saltou talentosamente por cima de seu braço, desferindo um chute em seu rosto, empurrando-o alguns passos para trás.
Em um surto de ira, Kos cerrou o punho de seu braço direito, preparando-se para um golpe final, visando esmagar o corpo de Ella.
No entanto, era essa a oportunidade que ela procurava.
Ouvindo o som de seu punho colossal rasgando o ar em sua direção, ela deslizou por baixo de seu braço e, usando sua outra mão, agarrou na extensão do cabo de sua rapieira empregando toda sua força neste ataque fatal.
Um corte ascendente reto, impulsionado pela força de Ella, foi suficiente para desmembrar brutalmente o braço mutante de Kos.
— ELLA!!! — gritou ele, após ter seu braço decepado.
Ella recuou dois passos, preparando-se para um movimento decisivo. Seus pés pressionaram o chão com tanta força que chegaram a rachá-lo.
Com um impulso de velocidade excepcional, segurando a rapieira com ambas as mãos, ela a cravou lateralmente no pescoço de Kos.
Com o único braço que lhe restava, Kos segurou o braço de Ella.
A lâmina deslizava lentamente pela extremidade de seu pescoço, sem as chamas para auxiliar, o corte da cabeça dependia unicamente de força bruta.
Desistindo de tentar a segurar, Kos imbuiu seu braço no Vazio, tornando-o pontiagudo como uma lança.
— MORRA!!! — gritou Kos selvagemente, com ainda mais ódio, prestes a fincar seu braço no pescoço de Ella.
Quando seu braço estava prestes a tocar a lateral do pescoço de Ella, um golpe que certamente seria fatal, ela desapareceu diante de seus olhos.
Uma expressão de surpresa e perplexidade surgiu no rosto de Kos, deixando o momentaneamente sem reação.
Ella desviou numa velocidade tão surpreendente Kos mal conseguiu acompanhar seus movimentos.
Num piscar de olhos, ele recebeu um chute em sua perna direita, forte o suficiente para desequilibrá-lo e fazê-lo cair pesadamente no chão.
Antes que ele pudesse reagir, sua oponente já estava em suas costas.
Ella agarrou sua rapieira com ambas as mãos e aplicou toda sua força. Toda a sua força verdadeira.
— Aaaaahhh!!! — O grito de Ella irrompeu de sua alma, carregado de uma força extrema.
Um poderoso grito que ecoou por toda a arena.
A expressão de ódio escancarou-se em sua face, seus olhos faiscavam com uma determinação feroz.
Não era apenas um grito, era o seu contra-ataque direto perante o Vazio. Ela jamais deixaria com que ele se sobrepujasse perante a humanidade novamente.
Com um movimento preciso e poderoso, sua rapieira deslizou pelo pescoço de Kos, decepando-o.
A cabeça de Kos voou pela arena, girando como um pião.
Toda a escuridão se esvaiu e Ella pôde enxergar novamente.
Demonstrando um exímio talento, mesmo sem o uso da vontade, Ella sagrou-se vitoriosa na sexta rodada!
— Senhoras e senhores, sem visão e sem vontade, a grande vencedora do duelo é… Ella Murphy!!! — gritou o apresentador, erguendo a mão de Ella em triunfo. — Que batalha épica, meus caros espectadores! Ella mostrou que será uma oponente formidável para Kiyoko. Agora, descanse para a última rodada!
Ella arfou devido ao cansaço, mas sorriu orgulhosamente.
De volta à sala de espera, Ella foi agraciada com os elogios de Kalel.
— Hum. Estou orgulhoso de você — disse Kalel, de braços cruzados. — Usar todos seus sentidos é uma habilidade única dos Águias. Não esperava menos de você.
— Foi uma luta até que complicada. Bom, foi mais desafiadora que minha luta contra o Deathbringer, só não entendo porque ele é um Emissário e o Kos não — respondeu Ella, acomodando-se ao lado de Kalel.
— Deathbringer deve ter sido nomeado como Emissário somente para ocupar espaço — Riu ele. — Mas falando sério, não subestime os Emissários; eles são extremamente fortes. O mais poderoso deles sobreviveu por todas as gerações de Águias. Desde a criação da organização até hoje, ele nunca foi derrotado.
— Eu sei disso. Me sinto fraca perto deles, não sei nem se conseguirei matar a Kiyoko. Quem dirá os outros. Aliás, em que posição a Kiyoko estaria no ranking dos Emissários?
— Posso estar errado, mas acredito que a Kiyoko é a sexta mais forte. Em contrapartida, seu irmão é o terceiro.
— Sexta? Ela é praticamente a mais fraca e, mesmo assim, ainda é mais forte do que eu… — falou Ella, abaixando a cabeça deprimida.
— Ah, não fique triste por isso. O Vazio sempre foi mais forte que a humanidade e sempre será. Não é uma luta justa — disse Kalel, olhando no fundo dos olhos de Ella.
— No entanto, o que nos dá a capacidade de lutar de igual para igual é a nossa vontade de sobreviver. Pode parecer que não, mas só o fato de você querer sobreviver diante de uma situação extrema faz com que seu corpo se adapte à essa situação — afirmou Kalel, sério. — Até mesmo humanos comuns, quando precisam enfrentar situações de vida ou morte, seus corpos quebram todos os limites que possuem. Já vi um caso em que uma mãe humana, não sendo portadora de nenhuma vontade, lutou contra um urso polar para proteger seu filho. Tem noção do que é isso?
— Então, está dizendo que mesmo sendo mais fraca que a Kiyoko, numa situação de vida ou morte eu poderia matá-la?
— Sem sombra de dúvidas. A adrenalina fará sua frequência cardíaca e respiração aumentarem abundantemente. Com isso, todos os músculos do seu corpo serão inundados com uma vasta quantia de sangue oxigenado. Nesse processo, seu coração produzirá mais que o dobro de vontade. Agora, apenas imagine, todo esse sangue abastecido de vontade correndo por todo seu corpo, enquanto sua mente tem o único foco de te manter viva, fazendo o que for preciso para sobreviver. Já perdi as contas de quantas vezes a adrenalina me salvou de ser morto por criaturas mais fortes que eu.
Ella ficou admirada com o conhecimento de Kalel. Sem dúvidas ele era um Águia excepcional.
Pegou o cantil em sua mochila e tomou um pouco de água.
— Você tem razão, Kalel. Eu vou matar ela, não tenho dúvidas disso. Me recuso a morrer até descobrir o que aconteceu com meu pai — falou Ella, determinada.
Kalel deu tapinhas nas costas de Ella e disse:
— Esse é o espírito.
Ella descansou um pouco enquanto esperava ser convocada para a luta final.
Estava relativamente ansiosa, fazia de tudo para não deixar que seus sentimentos a controlassem.
Passaram-se cinco minutos e então foi chamada.
A luta final se aproximava, Ella será obrigada, se quiser sobreviver, a matar a primeira e única amiga que teve em sua vida.