Volume 1
Capítulo V: “Olhos assustados”
“O medo costuma paralisar você. Te transformando em mais um telespectador, um observador impotente de sua própria história. Ele te devora e te prende, ao fim, você estará marcado com o arrependimento e a covardia de não ter mudado nada. Medo é impotência, medo é covardia, medo é dor, medo é mágoa e traumas, medo é Nostradamus!”
***
— Sim, ele é um bobão… — Sussurra. — Hahaha.
Cabelos negros, a garota brincava com suas bonecas. Parecia se divertir, embora conversasse com alguém.
Clint e Verônica, se aproximavam de suas costas, encaravam a garota que conversava sozinha de um modo tão natural e espontâneo que eles quase podiam sentir uma outra presença.
Não demorou para ela virar a cabeça encarando os dois que se aproximavam. Ela se virou mais uma vez, agora ficando em silêncio e brincando com suas bonecas. Os dois por vez se encararam, Verônica pôde notar no olhar de Clint que o sentimento de estranheza que ela sentia, também era compartilhado com ele.
Já estavam frente a frente com a criança, embora a garota insistisse em evitá-los, continuando de costas. Ela aparentava ser bem nova, suas roupas eram simples e notaram que havia algumas folhas secas presas em seu cabelo.
Clint então falou, cortando de vez o silêncio:
— Olá, lindinha. Está brincando aqui sozinha?
— É claro, não está vendo?
Clit por um momento segurou a arma em seu coldre, mas Verônica rapidamente segurou sua mão evitando o pior.
— Relaxa, é só uma criança! — Sussurrou Verônica.
Clint respirou fundo, tentando se acalmar. Enquanto repetia em sua mente “é só uma pirralha, relaxa, é só uma pirralha” se segurando para não surtar. Por vez Verônica se abaixou se aproximando dela, e disse sorrindo:
— Ei, princesinha. Gosta muito de bonecas?
— Que pergunta… Sou uma garota de 8 aninhos. Claro que gosto de bonecas!
Verônica quase pulou para agarrar o pescoço dela, porém foi segurada por Clint que desta vez tentava acalmá-la:
— Relaxa, relaxa. É só uma criança, não? Só uma criança.
A garotinha encarou eles, seu olhar era de indiferença. Ela parecia até certo ponto incomodada com eles, embora não fosse do mesmo tanto que eles. Ela então apontou com o dedo para eles e disse:
— Vão embora. Pablo não gosta de forasteiros!
— Pablo? E quem é esse? — Perguntou Clint.
— Meu melhor amigo. Não, meu único amigo!
— Sei... E onde ele está agora?
— Bem… — Aponta com o dedo. — Atrás de você.
Clint pulou com um grito de espanto. E quando abriu enfim os olhos, não viu nada, apenas Verônica que caiu em gargalhadas:
— Porra menina. Quer me matar do caração?!
— Hahaha. Relaxa, Clint… Mas que diabos de gritinho foi esse? Parecia uma menininha.
— Ha, vai a merda Verônica. Isso não teve graça…
Disse ele saindo enquanto bufava irritado. Verônica ainda continuou rindo, quando a garota voltou a repetir.
— Ele quer que vão embora. Pablo não gosta de visitantes curiosos!
— Tá bem… Chega de ser boazinha… Escuta aqui garotinha. — disse a encarando com um olhar sério. — Cadê o baiano?
— Oi?
— Sem brincadeira… Cadê esse seu amigo? Quero ter uma conversinha com esse bostinha!
— Eu já disse.
— Então ele está aqui? Bem…
Ela puxou uma faca e começou a esfaquear o vento, a garotinha por vez começou a gritar assustada:
— Ei!! O que acha que está fazendo?!
— Dando uma lição nesse merda. — Parecia séria, disso. — Toma essa! E essa… E mais essa!!
— Para. Ta matando ele!! Ta matando ele!!!
Ela então começou a chorar enquanto abraçava um ursinho de pelúcia. Verônica continuou esfaqueando o vento, até que começou a chutar o chão. Finalmente parou, tentando recuperar o fôlego.
— Gostou dessa, seu merda?! — disse ela encarando o chão.
— Você matou ele… Matou ele… — disse a garotinha chorando.
— Pera… ele tá morto? Porra. Eu queria só dar um susto no vagabundo! Eu juro, não queria matar seu amigo. Droga… Ei Clint, eu matei o Pablo!
— O que você fez? Merda, Verônica. Agora você vai ser presa pelos… — Segura o riso. — Pelos… Haha–, pelos defensores da imaginação. Não consigo, Hahaha!!
Os dois começaram a rir muito, pareciam se divertir não se importando nenhum pouco com a garota que chorava com a morte de seu amigo imaginário. Ela então se levantou e correu para dentro de casa, Clint parou de rir quando percebeu que era um dos piores tipos de pessoa.
— Merda, Verônica. Fizemos a menina chorar!
— Hmph. Isso que crianças levadas merecem. Quem mandou ela zombar da gente?
— Hahaha. Você que parece a criança levada aqui…
— Ha, vai a merda.
Os dois pareciam próximos, Verônica encarava Clint com um olhar feliz. Ele por vez a respondia com seu mais verdadeiro sorriso. Mas a alegria durou pouco, Igor de repente os chamou:
— Ei! Venham aqui. Acho que o Rigor achou alguma coisa!
Verônica guardou a faca e foi em direção deles. Adentrando um pouco o matagal no quintal, logo dando de cara com os demais que estavam de frente a uma árvore morta. Verônica se aproximou, logo avistando o motivo de tanto alarde.
— Droga… — disse ela encarando o achado.
***
Enquanto isso na casa. Jack e Charles subiam para o andar de cima, já não estavam mais acompanhados, seguiam pelo corredor rumo ao último quarto. Ainda puderam escutar o choro de uma criança no andar de baixo, mas nem ligaram.
Estava tudo quieto, embora isso, escutaram alguns passos vindo da última porta do corredor. Não pensando duas vezes sacaram suas armas.
— Vamos tomar cuidado. — disse Jack.
— Só não me atrapalhe! — Respondeu Charles ainda irritado.
Os passos de ambos se tornavam mais leves e silenciosos. Já chegando à porta, Jack segurou a maçaneta e encarou Charles, com um barulho repentino que se fez no quarto, Jack rapidamente abre a porta.
Charles adentra o lugar, apontando sua arma, preparado para o pior. Embora, avistando apenas um gato laranja que havia derrubado alguns lápis de colorir no chão.
— Droga. Odeio gatos! — disse Jack.
— Sé ainda tem esse medo bobo de felinos?
— Não diria, medo… Eu apenas me sinto incomodado com eles.
— Tá certo, medroso. Vamos acabar logo com isso!
Começaram as buscas, mas não encontraram nada relevante. Jack continuou revirando algumas gavetas, enquanto Charles o observava. Jack parecia bem animado, não se importando com Charles, que o encarava como um carrasco esperando um erro dele.
— Sua ideia de dizer que a gente é do FBI… As chances de ter dado errado eram altas, sabe disso, né?
— Desculpe, faz um bom tempo que não faço isso. Você se lembra daquela vez que a gente se disfarçou de estripers? Hahahaha, aquilo sim tinha muito pra dar errado.
— Eu realmente não entendo você. O que está aprontando?
— Ainda desconfiado de mim? Relaxa, prometo não fazer nenhuma besteira… Tenta sorrir um pouco, faz bem à saúde, sabia?
Jack notou um líquido estranho que pingava da janela aberta. Se aproximando percebeu aquele líquido amarelado e espesso, passando seus dedos sentindo a textura.
— Ei Charles, olha só isso!
Charles pode sentir o cheiro ruim que emanou do líquido nos dedos de Jack. Cobrindo o nariz, disse:
— Ovo podre?!
— Sim, com certeza enxofre… Duas opções, demônio ou um vingativo. O que acha?
— Sem provas ou mais informações? Não acho nada.
Jack limpava a mão na cortina quando escutou os gritos furiosos subindo as escadas. Por um momento passou a mão em seu bolso não sentindo sua carteira, antes que pudesse fazer qualquer coisa a porta se abriu com Sr.Morgan o qual bufava furioso.
Ele segurava a espingarda velha em uma das mãos e na outra a carteira de Jack. Mostrando que a identidade de agente do FBI, não passava de uma lembrancinha barata de um parque de diversões.
— Seus bastardos!! FBI, é?! Que agência é essa que tem o nome de “Circo alegria colorida”?!
— Não me pergunte porquê do nome. — disse Jack. — Somos o FBI, tudo é secreto!
— Pro inferno, vocês. Pro inferno seus bastardos!!
Não pensou duas vezes e puxou o gatilho, o disparo quase acertou Charles que caiu atordoado. Foram pegos de surpresa, tudo tão repentino que não tiveram reação mesmo estando os dois armados.
O homem já carregava outro cartucho, o que deu oportunidade para Charles levantar as pressas. Enfim a arma foi carregada mais uma vez, o homem já a apontava para eles…
***
Enquanto isso, os demais do lado de fora encaravam a árvore morta, sendo mais preciso encaravam o coelho morto crucificado no tronco.
— O que aconteceu aqui? — Perguntou Clint.
— Não sei… Mas, é assustador. — Respondeu Rigor.
— Hahaha. Crucificaram o coelho? Será que foi os outros animais da floresta? — disse Igor, rindo.
— Não é hora para brincadeiras. Temos que ver o que esta acontecendo nesta cas–
O som do disparo o fez parar.
— O que foi isso?!
Correram eles em seguida para a casa. Se aproximando puderam ver os dois que caíram pela janela. Charles se levantou às pressas correndo rumo aos demais.
Jack por vez se recuperando, também se levantou correndo com um pouco de dificuldade. Charles então gritou avistando os demais:
— Pro carro! Vão pro carro!!
Eles encaravam ele confusos, não entendiam a situação até que avistaram o homem na janela o qual disparou contra eles.
— Onde pensam que vão seus porcos covardes?!
— POOW!!
Eles corriam em meio ao disparo, Clint e os demais entraram no carro esperando Charles, o qual vinha em sua direção. A porta da casa se abriu de repente, antes que Charles pudesse perceber, ao se virar avistou Stra.Estela a qual segurava um rifle.
— Fizeram meu bebê chorar, agora levam chumbo seus biltres!!
Ela então puxou o gatilho.
— Charles, não!! — Gritou Verônica.
— POWWW!
***
"O som distante das trombetas do julgamento ecoavam pelo horizonte. O sol brilhava imponente naquela tarde, céu limpo e sem nuvens, como as almas vazias dos Hipócritas e os olhos julgadores dos Infames."
O paraíso no céu, e o inferno na terra. Os corvos rompem o silêncio, juntamente com os abutres que brigavam entre si pelas melhores sobras. Cadáveres pelo chão, poluíam a deslumbrante paisagem, o palco da guerra era implacável.
Pilhas de corpos, nem sequer um enterro digno foram merecedores. Os sobreviventes, não, os poderosos os abandonaram. Os deixaram para os abutres, os deixaram para apodrecer longe de suas casas, longe de suas famílias, longe da humanidade.
Mães, filhos, esposas, pais choram por aqueles que nunca mais verão. Aqueles que partiram, e nem seus restos poderão retornar. O cheiro era de ferro, um odor pútrido que impregnava o ambiente, assim como a visão dos corpos desmembrados e dilacerados pelo caminho.
As poças de sangue se tornavam pequenas lagoas vermelhas. Os passos ligeiros faziam o sangue nas possas respingar, alguém corria enquanto no horizonte uma terrível tempestade negra chegava.
Com tropeções ele tentou se manter de pé. Embora um dos corpos no chão agarrou sua perna o fazendo cair em meio à poça de sangue. A chuva em fim o alcançou, as primeiras gotas eram frias e desumanas, o céu se tornava negro enchendo os olhos da criança de pavor, medo do que estava por vir.
E antes que pudesse reagir, alguém o chutou, o lançando em uma pilha de corpos.
— Hehehe... Achou que ia fugir da gente…?
A pobre criança caída ao chão, coberta de sangue e lama, tentava recuperar o fôlego enquanto segurava seu estômago com muita dor. Se encontrando em um estado desesperador, confusa sobre o que acontecia, encarou enfim os homens que a julgavam de cima.
Seus olhos assustados se encontraram com os dois homens que expressavam nojo e repulsa.
Eles estavam com elmos de batalha e armaduras de malha. Cada um segurando uma lança, e vestidos com um manto nas cores azul e branco, estampado nesse manto estava um sol dourado o qual tinha uma espiral em seu centro.
— Hmmm… Hm.
A criança tentava falar algo, mas de sua boca não saia voz, apenas ruídos. O homem o qual estava caído ao chão, começou a sussurrar por ajuda, ele se arrastava enquanto o corte em seu estômago se abria criando uma poça de sangue ao seu redor.
— Ajuda… Me ajudem… eu… Eu não quero morrer…
A criança parecia não compreender o que acontecia, além do mais, estava muito ocupada encarando os homens que se aproximavam.
— Ei… Ainda tem um vivo!
— Sério? Esses porcos bastardos… Só mata ele logo!
E assim o fez, atravessando as costas do pobre homem, que nem sequer pode se defender. Enquanto isso, a criança pode ver a vida do homem fugindo de seus olhos, sua expressão se tornava distante enquanto um sussurro pairou no ar.
O pobre garoto, embora não tivesse escutado, conseguiu ler seus lábios, os quais organizaram: “Mãe… eu não quero morrer” as palavras as quais fizeram o garoto ter ânsia de vômito e segurar seu estômago.
— Porco bastardo — Disse cuspindo no chão.
— Quem diria que um Gor, ainda estaria vivo depois desse massacre! Hmph, odeio admitir, mas… esses porcos miseráveis são bem fortes.
— Eu que o diga. Alguns nem mesmo pareciam humanos! Mas, Luminos foi misericordioso conosco. Esses pecadores imundos nunca irão ganhar de nossa verdadeira fé! Luminos é o único deus supremo!! “Que a luz queime as trevas do mal. Que o lindo brilho dourado subjugue a escuridão e meus inimigos que nela se escondem. Que nosso deus Luminos, massacre todos os pecadores imundos que consomem nosso maravilhoso mundo! Que seu fim seja com fogo!!”
— Flang! — disse batendo no peito. — Nosso deus, não é fraco como sua deusa imunda.
Disse ele encarando a pobre criança que tremia. Eles deram seus primeiros passos em sua direção, ela ainda se arrastou um pouco para trás, mas estava tão assustada que seu corpo a fez parar ali mesmo, enquanto se encostava na pilha de corpos à suas costas.
Ela estava cercada, os homens estavam frente a frente com ela. Levantaram então suas lanças, prontos para darem um fim em seu inimigo.
— Que Luminos tenha misericórdia de sua alma. Ainda há tempo de se converter, quem sabe nosso deus não ilumine sua subida a “Or”? Diga… Diga as palavras!
—...
— Diga às palavras…
—... — Encarava ele sem reação.
— Diga às palavras, sua maldita!!
— Hmm… Hmmm!
— Ainda fui caridoso de te trazer o perdão… Achei que você ainda tinha esperança! Mas… Porcos, sempre serão porcos.
Já abaixavam as lanças para matá-la, quando alguém gritou por eles. Um homem com roupas mais nobres se aproximou, tinha uma espada na bainha. Encarou a criança com um sorriso detestável, e gargalhou da situação dela:
— Estavam se divertindo sem mim?
— Já vamos seguir a jornada, senhor. Só nos livrarmos do lixo primeiro!
— Matar? Hmm… Não acha lamentável fazer isso com essa criança? Uma jovenzinha tão meiga.
A garota que tinha fechado os olhos esperando o fim, novamente os abriu encarando o homem. Mas antes que pudesse nutrir qualquer esperança, pode ver o sorriso perturbador que ele dava.
— Triste criança?! Ela é um maldito Gor. Filho de demônios! Deve morrer e conhecer a misericórdia de Luminos com o fogo eterno!
— Eu sei, mas… Seria muita misericórdia apenas matá-la, não?
— O que sugere então, senhor? — disse o outro soldado.
— Vamos julgar esse rato. Fazê-la sentir a mesma dor que um dia sentimos, por conta de seu povo imundo. Vamos fazer ela rastejar sem as pernas, e implorar comida sem a boca! — Encarou ela com um olhar assustador.
Os olhos da criança se encheram de medo, lindos olhos azuis. E com os pingos agora da chuva, o sangue foi limpo aos poucos de seu corpo, assim mostrando como ela era: Cabelo loiro e brilhante, pele branca com bochechas rosadas e com sardas, além de um corpo frágil e magro.
— Ei… Bastarda maldita. Lamba minhas botas, talvez se o fizer, eu te deixe ir!
Os três homens sorriam enquanto encaravam-na. Ela por vez se enchia ainda mais de medo, “Por que estão me olhando assim? O que vocês querem?! Eu não escuto vocês… Eu não escuto nada!”
Os ouvidos dela sangravam, ela só podia notar um zumbido longínquo o qual entorpecia sua mente. As suas lágrimas se misturavam com os pingos de chuva, a chuva ficava mais forte.
— Ei… Eu falei com você sua rata desgraçada! — disse indo em sua direção.
“Minha deusa, por favor… Poupe minha vida. Deixe-me viver mais uma alvorada! Eu quero viver… Eu quero ter uma família de verdade. Eu quero conhecer o mar. Eu quero viver como uma pessoa e não como um cão… Deusa…”
— DEUSAAAAAA!!!!!