Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 9 – Arco 3

Capítulo 84: Mãe & Filha.

Akumo




—  Será que vale a pena tentar fazer alguma coisa?

Pensei… e atentamente olhei para o alto do castelo de fogo… estava sozinha naquele momento. Minha mente entrava em conflito com tudo o que me tornei, a minha alma já não aceitava mais o meu corpo, mas ainda sim o pior estava no meu controle.

— Talvez a melhor coisa que eu possa fazer é tentar entender o que está acontecendo com todos, e procurar as duas que ainda estão vivas…

No que será que estou pensando? Mesmo depois de tudo o que aconteceu, seria impossível elas simplesmente me aceitarem novamente, afinal de contas… abandonei as três quando eram menores, talvez… se essa emoção não tomasse tanto espaço no meu coração, talvez pudesse tentar viver uma vida nova.

Mas ainda sim havia algo que somente eu podia fazer.

Sem que eu pudesse fazer alguma coisa, Solveig morreu na minha frente… tudo isso pelo contrato que tinha feito com o Riki, e talvez agora seria uma boa hora para pedir desculpas a ela… será que depois dos dois irmãos saírem daqui, será que a alma dela está vagando por aí?

Mesmo que ela seja alguém abençoada por um poder divino, ainda sim existe a possibilidade de sua alma estar vagando pelo inferno… até porque ela foi uma das deusas que mais quebrou as regras, talvez ela tenha sido jogada por aí, talvez ela esteja em algum lugar totalmente inusitado.

Talvez ela esteja… na montanha vermelha.

Saí do castelo e comecei a andar pelas longas montanhas do inferno, o lugar não era quente, apenas sua ambientação que dava a impressão de estar sendo observada a todo momento, como se nunca estivesse sozinha. Sabia que tinha almas à minha volta e que provavelmente sentiriam raiva de mim por tudo o que aconteceu.

Mas não era dessas almas que estou falando, havia na verdade mais do que isso… como se alguém, não… uma consciência estava me olhando, como se houvesse algo, não era assustador, mas algo me incomodava… não era uma boa hora para falar sobre essas coisas.

No inferno, lá no alto de tudo, havia uma montanha gigante revestida por flores vermelhas, todas elas estavam em bom estado… no topo dessa montanha havia túmulos, onde todos os deuses que quebraram as regras viviam após a morte… até mesmo após os irmãos do inferno mudarem a mente da pessoa.

Deuses assim não eram dignos de viverem do outro lado, e por isso ficavam aqui no inferno, pois achavam que era o lugar certo para esse tipo de gente. Haviam poucas regras que os deuses tinham que seguir para ficar no outro lado após a morte, e essas regras eram extremamente simples… e praticamente nenhum havia quebrado alguma… sem ser a Solveig.

As nuvens avermelhadas do inferno passavam pela montanha, de tão alto que era. Sem dificuldade subi naquele lindo lugar, o barulho de ventos e pequenas vozes que ecoavam pelo inferno passava pelo alto da montanha.

O calmo lugar permitia meu descanso em meio a tantos problemas que invadiam a minha alma… mas não era só isso. No alto da montanha havia um pequeno e insignificante túmulo, ele estava em perfeito estado e era da pessoa que eu estava imaginando… era da Solveig.

Depois de muitos anos… vi em mim mesma um lado que nunca pensei que iria voltar… o meu verdadeiro lado humano. Me sentei na frente daquele lindo túmulo e fechei meus olhos, os sons do inferno começavam a se tornar quase nulo e aos poucos uma pequena melodia espacial começava a tocar nos meus ouvidos.

— Parece… que nos encontramos novamente…

Essa voz era a única que se passava na minha mente. De todas as pessoas que já encontrei na minha vida, essa com certeza estava nas que eu mais sentia falta… me senti uma idiota por me emocionar com apenas poucas palavras. Nunca fui uma mãe de sangue, mas me tratou como se eu fosse uma, como se na verdade eu realmente tivesse te parido. 

Algo que nunca aceitei como verdade era a obsessão que as crianças do orfanato tinham comigo, como se eu fosse a maior de todas, sendo que… sou a pior de todas. Não é como se todas as minhas memórias estivessem passando na minha mente, mas é como se eu estivesse me lembrando dos momentos importantes, daqueles que eu poderia ter feito outras escolhas.

Desde o início… eu poderia ter sido diferente, poderia ter sido uma pessoa na qual realmente me orgulhava. Nunca fui muito de me olhar, de me aceitar, de me colocar em primeiro lugar… apenas por conta desse poder idiota e extremamente burro, me tornei aquela que realmente odeio. Uma deusa.

Por conta desse poder, deixei para trás todos os meus sonhos e todas as minhas possibilidades de viver uma vida tranquila com as pessoas que eu amei, por agora… me tornei odiada por todas, e principalmente… sou odiada pelas crianças que tratei como filha. Não culpo nenhuma delas, afinal de contas, enlouqueci e deixei para trás tudo que um dia conquistei.

Eu realmente… sou uma idiota.

— Isso é mentira. — Essa voz novamente ecoou pela minha mente. — Você é, na verdade, uma pessoa muito incrível, e uma mãe que eu posso me orgulhar e me gabar muito…

A pequena estrela que criei, a pessoa que de longe mais me importava… pois entre todas, ela foi a primeira, a única que realmente quis ficar comigo mesmo depois de tudo o que aconteceu, de todas as loucuras que passei, Solveig foi a única que ainda me procurou… as outras… só estavam com medo do que eu estava fazendo.

Na minha frente apareceu, como um fantasma, uma pessoa que não vejo há muito tempo. Na verdade não faz tanto tempo assim, foram somente 2 anos sem vê-la, mas ainda sim… a verdadeira “Akumo” não chegou a ver Solveig a muitos anos.

Pétalas de flores voaram pelo céu avermelhado do gigante inferno. Era como minha força que estava voando do meu corpo sem que eu pudesse fazer alguma coisa, minhas pernas ficaram trêmulas, não de medo, mas sim de um sentimento tão estranho que era impossível de falar sobre.

Solveig olhou para todos os lados antes de finalmente olhar diretamente para os meus olhos.

Esse sentimento, eu entendo muito bem… Eu queria correr, me enfiar em algum lugar, queria me esconder dela, queria que nunca tivesse me visto… eu não estava com medo, e sim com vergonha do que ela poderia falar para uma mãe tão ruim quanto eu.

— Isso é… como se eu estivesse viva! — disse Solveig.

Mesmo que estivesse no inferno, ela sorriu plenamente como se fosse o dia mais feliz da vida dela. Eu sabia o que estava acontecendo para Solveig para aqui no inferno, entendi e digeri o motivo, sem me envolver na vida dela após tudo o que aconteceu. Mesmo agora, que estou tranquila e consigo controlar o poder… ainda tenho medo de falar com ela sobre o que teria acontecido.

A minha vida ficou um caos por conta desse poder, de fato… mas ainda sim estava com medo do que poderia acontecer caso ela descobrisse que quase matei a sua filha, não queria que ela descobrisse isso — na verdade eu queria sim, queria que ela descobrisse o que eu estava fazendo todo o tempo que estava fora.

— Filha…

Da minha garganta saiu palavras que não deveria ter falado, era como um sentimento nostálgico, chamar ela de filha me colocava novamente em lugares relaxantes e que eu teria certeza de que não voltaria tão cedo.

— Nós nos encontramos… mãe…

Palavras também saíram da boca de Solveig, talvez ela não quisesse falar essas coisas, ou talvez… ela realmente me considerava uma mãe mesmo depois de tudo.

— Se você veio aqui no inferno, me procurar… deve ser por um motivo específico, não? — perguntou Solveig.

Não havia nada na minha mente para procurar a Solveig, apenas queria vê-la novamente após recuperar todas as memórias e a minha consciência. 

— Na verdade… não tenho nada em mente, apenas vim te ver…

— Me ver? Hm… mesmo depois de anos sozinha… você só se preocupa agora?

— N-Não é isso… eu me preocupei muito com você… apenas não consegui te ver naquele momento…

— Esses anos foram extremamente ruins sem a sua presença, mãe, mas não te culpo pelas coisas que aconteceram, querendo ou não… não é sua culpa por ter esse poder maldito, né?

— É…

Ela tampou os olhos com uma mão e olhou para cima, riu de forma triste, como se não acreditasse no que eu tinha falado, como se fosse apenas uma desculpa esfarrapada. Eu sabia que ela poderia me tratar dessa forma depois de tudo o que aconteceu, afinal de contas… jogar a culpa nos meus poderes não é a melhor coisa a se fazer, talvez seja a pior de todas. 

Todo esse tempo que eu estava dormindo dentro desse corpo terrível, nunca me levantei para lutar pelos meus sonhos. Dentro de toda aquela escuridão havia um pequeno conforto que não me permitia levantar, não me deixava seguir em frente, e exatamente por isso escolhi ficar quieta no meu canto e não lutar pelas coisas que estavam por vir.

Silêncio e desconforto resumiam o que estava à minha volta.

— Sabe, acho que não posso ficar assim por todo o tempo com você, mesmo que ficou maluca, tentou me vender entre outras coisas do tipo, ainda sim não posso deixar de te amar. É um sentimento estranho que não consigo simplesmente explicar o que está acontecendo.

— E o que você quer falar com isso?

— Possa existir a possibilidade de eu não te odiar, na verdade isso sempre estava na minha mente como um empecilho, e talvez por tudo o que estava acontecendo, não consegui pensar em uma resposta para tudo isso… mas… ainda sim devemos resolver isso de forma que as duas saiam ganhando alguma coisa.

Solveig aos poucos se aproxima de mim, como se fosse me dar alguma coisa. Mesmo que eu seja completamente insegura e não abaixe a minha guarda para ninguém, com Solveig era totalmente diferente… eu estava sim deixando a minha guarda baixa, se ela quissese me matar poderia ter feito isso a muito tempo. Enquanto ela se aproxima, muitas coisas passam na minha mente, e por conta disso fiquei pensativa demais, mas antes que eu pudesse sequer imaginar o que estava acontecendo… ela me abraça.

Uma explosão dentro de mim aconteceu, e não consegui reagir a tempo. Tive que pensar um pouco mais no que está acontecendo, e por conta disso não consegui processar direito o que ela estava fazendo, só após alguns segundos que ela me abraçou que fui capaz de perceber a situação que estava.

— Bem-vinda de volta… mamãe!

Me segurei para não expressar de verdade o choro que estava dentro de mim. Por um tempo não fui capaz de demonstrar nada, na verdade… isso durou por muitos anos, até mesmo antes de enlouquecer. Naquele momento que invadiram o meu orfanato, e retiraram tudo o que eu tinha, foi nesse momento que demonstrei toda a raiva que estava no meu corpo, toda a raiva que um dia passou por mim.

Ela me apertou um pouco mais, como se não quisesse me largar mais, e por conta disso eu a abracei. Seu corpo era tão fino e frágil que cabia no meu abraço, me lembrei de momentos que nunca poderia esquecer…

“— Posso te chamar de mamãe?...”

“— Claro que pode!”

“— Eba… agora eu tenho uma mamãe!”

— Eu senti… a sua falta… — disse Solveig.

Me segurei para não chorar novamente.

— O que é isso mamãe, não tem graça se você não chorar, porque… eu já estou chorando…

Percebi que lágrimas estavam caindo de seus olhos, passando pelo seu rosto e caindo no meu ombro, eu queria entender melhor… o motivo de meus sentimentos não serem demonstrados, é como se houvesse algo que estivesse me impedindo de sentir alguma coisa. 

— Eu… também senti a sua falta…

— Como foi esse tempo seu a sua filha favorita por perto?

— Foi… difícil…

— Você conseguiu fazer o que queria? Conseguiu criar um orfanato de novo?

— Nem tentei… para falar a verdade esse sonho ficou em um passado distante, nem ao menos consegui fazer alguma coisa referente a isso…

— Entendi…

— E você?

— Bem, estando aqui… estou descansando muito, então acho que agora eu tenho um tempo só pra mim, obviamente não estou com aquela que eu queria estar, mas só de te ver… provavelmente meu coração se sente feliz. 

— Você é realmente…

— Uma criança?

— … sim!

Ela riu, e todo o lugar avermelhado ganha cores mais vivas. Estava muito bom estar ao lado dela, eu queria que aquele tempo durasse para toda a eternidade, talvez essa tal eternidade fosse pequena demais para descrever o tempo que quero passar com a minha filha novamente.

— E você… conseguiu achar as outras?

E essa pergunta… me fez ficar com um olhar triste, Solveig achou estranho o meu silêncio extremo, não consegui responder o que ela tinha falado, por conta disso… Solveig separou nosso abraço e me olhou de frente, com extrema confusão, como se fosse uma pergunta óbvia demais, como se eu tivesse que responder diretamente.

— Mamãe?

— Não. Eu nem tentei procurá-las, toda essa guerra que vai acontecer dominou a minha mente, então nem consegui correr atrás delas.

— Entendi… mas não há o que temer! A Saionara e a Alysci são pessoas extremamente fortes, tenho certeza que elas conseguirão achar uma forma de se proteger!

— Filha, já se fazem dois anos…

— Elas estão procurando algo, uma forma de chegar até você!

Talvez Solveig estivesse certa…

— As duas… só estão esperando… um sinal.

Comecei a pensar melhor no que Solveig me falou. Um sinal? Que tipo de sinal seria esse? Algo tão grandioso que chegaria no mundo inteiro, e talvez… nelas? Meu deus… nem cheguei a pensar no que poderia ter acontecido com elas em todo esse tempo, espera… e se elas já… morreram?

Muitas perguntas começam a passar pela minha mente, e provavelmente não teriam respostas até eu me mexer e começar a procurar por elas. Solveig parece ter percebido a minha indignação com tudo que estava acontecendo na minha vida, e por isso me deu poucas e simples palavras:

— Mamãe… eu já estou morta, por que não ajuda aquelas que ainda estão vivas… te esperando? 

Perguntas essas que não tinham respostas na minha mente começaram a sumir como se fosse água descendo por um ralo, e por isso… olhei para trás e tentei correr, mas meu corpo me travou no meio de tudo isso, me fazendo olhar para trás…

— Pode ficar tranquila, esperarei ansiosamente por você…

Olhei para frente e comecei a correr até o castelo de fogo, havia uma coisa que apenas eu poderia fazer, aquelas aquela deusa maluca… um acontecimento que iria chocar o mundo inteiro, que poderia manchar tudo nesse mundo… e tornar até mesmo esse universo… em um lugar terrível.

O QUE EU IREI FAZER É…



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