Volume 4 – Arco 3
Capítulo 30: A cidade que parou no tempo.
Shiori
Um animal de estimação era tudo o que uma pessoa como eu precisava. Ficar sozinha, falar sobre todas as coisas que estão acontecendo, e no final de tudo… chorar. Mas tudo isso é impossível. Jogar todos os sentimentos para fora é totalmente impossível. Eu posso rir, demonstrar felicidade, ficar séria… mas nunca poderei de verdade dizer o que estou sentindo.
Seguimos a garota que o Hideki conheceu na academia… desde quando eles se viram? Quem é ela? Por que ele não me contou nada? São tantas perguntas que eu nem ao menos consigo falar nada…
Nesta cidade algo me chama atenção… estranhamente escuto o barulho de água, como se fosse do mar, será que é perto do oceano? Mas estamos no meio do mato… que estranho.
— Sejam bem-vindos ao meu reino! — diz Any.
— Seu reino? Você é uma rainha? — pergunta Hideki.
— Tá maluco, é? Eu sou apenas uma cidadã de bem! Mas posso ser conhecida como a irmã mais velha da princesa.
— Entendo, então… hm… entendo.
A forma com que eles conversavam era como se fossem íntimos demais, isso me deixava… com um sentimento amargo na boca, como se estivesse sendo deixada pra trás. Digo isso pois eu realmente estava.
Observando a cidade, percebo que ela tem uma estrutura antiga, como se tivesse parado no tempo… isso era bonito, mas ao mesmo tempo estranho. A luz da noite não chegava nessa rua de pedras, por isso ficava um pouco escuro.
Quando percebo, todos já estão virando a esquina e seguindo o caminho, então me apresso um pouco até me aproximar novamente. Naquele momento eu estava agindo como uma observadora, ninguém falava comigo, ninguém me percebia ali… estava apenas eu andando atrás de todos. O sentimento que me causa é de esquecimento… naquele terrível momento eu havia sido esquecida.
Ficar sozinha é como o pior sentimento da sua vida, o medo atrapalha as pessoas de serem felizes… e a escuridão só joga isso na sua cara como se fosse nada.
Saindo um pouco das pequenas ruas que existiam por ali, chegamos no que parecia ser o centro da cidade, o lugar era poluído com o tanto de pessoas que tinham na minha frente. As estradas deixaram de ser de pedra e aos poucos se abriram com água.
As ruas a partir daqui só se podia seguir com barco, ou tentando entrar no meio de todas as pessoas que tinha nos cantos…
Any dá duas palmas e um barco caí do céu.
— Como você fez isso? — pergunta Yukiro.
— É tipo uma conjuração que só quem é da família real pode fazer isso… ou quem é próximo também.
— Certo…
Todos aos poucos entram no barco e assim ele automaticamente começa a remar.
Hideki senta do meu lado e eu olho pra cima.
A sensação estranha de olhar para as estrelas e perceber o quão pequena eu sou nesse universo… me faz… ficar triste. Em meio a um lugar tão gigante, meu problemas que são pequenos me tornam… uma pessoa completamente inútil para aqueles que quero seguir.
Será que sou capaz de seguir em frente e conseguir encontrar o que minha mãe queria? Nesse momento só quero entender e descobrir o que ela estava escondendo de mim. Quero entender a verdade… ou melhor que tudo, quero entender meus sentimentos.
O que há dentro de mim? E por que isso me impede de sentir coisas ruins?
Hideki coloca sua mão sobre a minha e assim me olha com um sorriso, mesmo todo acabado ele queria sorrir e me demonstrar calmaria… porque parece saber que não está tudo bem.
Assim ele levanta minha mão e a segura com as duas.
— Pode me contar o que está acontecendo com você? — pergunta Hideki.
Seus olhos que estavam felizes, se transformam em uma espécie de preocupação. Mas infelizmente, não posso contar a ele o que está acontecendo, não posso falar dessa maldição e muito menos… não posso falar que quero chorar.
Eu derrubo minha cabeça no peito dele…
— Eu quero… o seu calor…
Minha voz estava séria… parecia que fui totalmente arrogante.
— Certo…
Ele solta minha mão e me abraça. O calor do seu corpo era muito bom, me fazia ter o sentimento de querer ficar ali para sempre. O cheiro do sangue nem me dava nojo, nem nada…
É assim que ficamos a viagem inteira, apreciando a paisagem dessa cidade, enquanto navegamos até o nosso destino. O coração dele batia de forma rápida, mas se acalmava conforme eu olhava pra ele.
Esse único momento que me fez querer seguir em frente para realmente descobrir o que vai vir por aí, acabou em questão de minutos… quando finalmente nos aproximamos da casa de Any. Assim saímos do barco e nos aproximamos dessa casa que se parecia mais com um lindo e perfeito castelo real…
— Bem vindos! Não é bem a minha casa, mas é aqui que ficaremos, a casa real! Neste lugar eu irei tratar as feridas de vocês e aos poucos tentar ajudar, bem… Vamos entrando?
— C-Certo… — diz Hideki.
Aos poucos saímos juntos e seguimos caminho até a gigante porta do castelo, ela parece se abrir com a presença da Any, mas o que mais assusta é como o lugar era por dentro, extremamente limpo e cheio de móveis, existiam algumas pessoas vestidas de empregadas prontas para nos receber.
— Seja bem-vinda… Any, seu café te espera na mesa! — diz uma das empregadas.
— Certo Jennifer, espere um pouco, pode abrir pra mim as portas da sala médica, irei ficar lá por um tempo, ajudando essas pessoas.
— Pode deixar…
Assim a empregada começa a andar até umas portas brancas que havia do lado de uma escada em espiral, que parecia levar para um andar acima. É pra lá que nosso caminho continua. A esperança é que essa tal sala médica realmente fosse algo assim, mas na verdade está mais para um quarto normal… do que uma sala médica.
— Deite-se aqui, Hideki.
— Ok.
Hideki se deita em uma das camas e Any aproxima suas duas mãos do peito dele. Um círculo vermelho aparece, dentro dele existia uma estrela, é como se ela estivesse dando uma forma física para as mágicas.
— Parece que algo terrível aconteceu com o seu corpo, ele está todo cortado… o seu olho esquerdo… não existe mais, o seu coração pulsa de uma forma diferente do normal, é como se ele estivesse pedindo cada vez por mais adrenalina, o que aconteceu com você… Hideki?
— Digamos que… coisas ruins aconteceram.
— Entendo. Sei que não devo me meter na vida dos outros, mas sinto que você não se cuida.
— De fato.
— Então… tem que tomar mais cuidado com essas coisas.
— Bem, você é a médica.
— Olha, eu não vou pedir pagamento a vocês, me ajudaram a sair daquele lugar infernal… então como um agradecimento… eu irei ajudá-los.
Any respira fundo e fecha seus olhos, uma aura vermelha e quase invisível passa por ela.
— Gentilmente peço ao deus de nossas vidas…
Antes que continuasse, um vento começa a surgir no quarto, ele era fraco mas extremamente frio.
— Aqueles que voltaram de uma guerra, estão prontos para serem curados.
Linhas mágicas rodam o corpo de Hideki e assim ele fecha os olhos, como se estivesse sentindo algo incrível. O seu corpo levita um pouco, junto com o da Any… essa aura vermelha se torna totalmente visível e passa para o Hideki.
Suas feridas aos poucos se curam e a sua aura fica roxa. Depois de um tempo assim, os dois voltam ao normal… só que Any cai no chão.
— Ops… é muito difícil fazer uma pessoa ter um órgão de volta.
Yukiro caí no chão com a raposa, parecia estar tonta, Any se levanta rapidamente e vai ver o que aconteceu com Yukiro.
— Meu deus… calma garota, eu irei te ajudar.
— O que… o que aconteceu? — pergunta Hideki.
— Ela usou mana demais para curar essa raposa, acabou que o corpo dela não aguentou ficar tanto tempo assim… JENNIFER!
A empregada de antes aparece na porta desse quarto.
— O que foi, mestra?
— Por favor, pegue três potes de mana.
— Entendido.
A empregada corre para fazer o pedido, o Hideki levanta.
— Vai ficar tudo bem? — pergunta Hideki.
— Sim, só temos que esperar ela descansar um pouco.
Any levanta o corpo de Yukiro e coloca na cama logo após Hideki se levantar, Maki que até então estava quieta, só ficava observando toda a situação…
A raposa discretamente pula no meu colo e consigo ver que ela está bem. Yukiro conseguiu curá-la mesmo sem querer, provavelmente ficar tanto tempo assim usando mana para ajudar o animal, fez com que ela conseguisse curar.
Agora realmente temos um animal de estimação.
A empregada volta com três potes cheios, é como se ela fosse tomar mais de litros de mana. Any derruba tudo na boca de Yukiro… e ela acorda lentamente, como se fosse algo extremamente rápido…
— D-Desculpa… por não falar que estava… tudo dando errado, eu queria curar o animal…
Yukiro segurava sua cabeça com uma mão, enquanto a outra tapava seus olhos.
— Está tudo bem, não se force demais para fazer as coisas. — diz Hideki.
— Desculpe.
— Enfim, já que ela está bem, eu vou examinar o corpo dela. — diz Any.
Any faz novamente a mesma coisa que tinha feito com Hideki, ela examina o corpo de Yukiro.
— Estranhamente, está tudo bem com você… não falta nada…
Logo em seguida faz isso com a Maki… comigo.
— Entendo. Sim… é verdade.
Ela falava sozinha, como se estivesse respondendo uma pessoa. Logo depois ela para e respira fundo.
— Você tem… uma maldição, certo?
Como ela sabia disso?
— Eu consigo ver até mesmo as piores coisas nas pessoas… mas infelizmente isso é algo que não posso te ajudar. A pessoa que colocou isso em você, quer que descubra algo sozinha… só dessa forma irá parar essa maldição.
— O que ela quer que eu descubra?
— Não sei. Mas deve ter sido difícil, né? Não pode contar isso pra ninguém… entendi o motivo de você não expressar praticamente nada.
Hideki me olha surpreso, mas após ouvir a fala de não poder expressar alguma coisa, ele se aproxima, senta do meu lado e me abraça.
— Está tudo bem, relaxe. Eu estou aqui com você.
Any bate duas palmas, e surge uma folha na sua mão.
— Aqui, vocês vão ter que esperar um pouco só, os ferimentos foram curados, mas ainda terão que descansar. Vamos aproveitar esse tempo para falar sobre algumas coisas, querem descobrir algo? Quem sabe posso ajudá-los de alguma forma…
— Sabe de um lugar onde podemos descansar? — pergunta Hideki.
— Pode ser nos quartos de cima, alguém quer dormir separado?
— Eu… quero dormir sozinha. — diz Yukiro.
— Eu também. — diz Maki.
— E os dois aí?
— Por mim não tem problema dormir no mesmo quarto. — responde Hideki.
— Entendo, e pra você? — Any aponta diretamente para mim.
— Também não…
De certa forma não havia problema algum, mas ainda tinha algumas coisas que queria conversar com o Hideki, somente ele poderia me dar algumas respostas. Eu estava feliz por alguém poder contar o que está acontecendo na minha mente, isso me deixou aliviada.
Estava com medo do que poderia acontecer caso ninguém descobrisse a verdade. Será que eles iriam me abandonar? Me deixar pra trás…?
— Certo, podem dormir nos quartos de cima, eu vou entregar algumas roupas para vocês, essas aí estão terríveis… — Any aponta pra mim, Hideki, e Yukiro.
— Seria incrível… — responde Hideki.
— Caso estejam com dúvida sobre alguma coisa, podem perguntar.
— O que é este lugar? — pergunta Yukiro.
— Esse reino? É o reino Esmeralda. As pessoas do lado de fora gostam de falar que esse lugar é o que parou no tempo.
— Parou no tempo?
— Sim, aqui não tem qualquer tipo de tecnologia tão avançada quanto os outros reinos, vivemos de uma forma antiga.
— Por que?
— Achamos que assim, não teria tantos problemas quanto os outros lugares tem.
— Entendo, você pode explicar melhor amanhã? Agora… todos estão cansados. — diz Hideki.
— Certo, vou levá-los até os quartos.
Any assim abre a porta e nos leva até o andar de cima, o tapete vermelho passava por todos os corredores, e isso tornava o lugar extremamente belo. Ao subir as escadas, indo para a direita, lá estava os quartos.
— Essa primeira porta e dos dois aí. Podem entrar.
Any abre a porta e o Hideki entra, logo em seguida eu vou junto.
A porta se fecha e estamos nós dois sozinhos novamente. Ele respira fundo, deita na cama de casal que havia no quarto e olha para a janela. Esse lugar… se parecia tanto com um quarto da academia de batalha… as portas e todos os cômodos pareciam ter sido colocados no mesmo lugar.
— Você queria conversar comigo, né? — pergunta Hideki.
— Como você sabe?
— Essa sua forma de agir agora… me lembra imensamente dos momentos que você queria conversar a sós comigo…
— Bem… eu quero falar com você.
— Pode falar, estou ouvindo. Porque eu também… tenho algo para te falar.
O lugar fica tenso e assim… só se escuta o barulho do tic tac do relógio…
Do lado de fora as luzes das casas já se apagavam e… a nossa conversa… só começa.
— Eu quero… ir para um lugar que talvez não tenha volta.
Quero te contar tudo, e por fim… pedir a tua ajuda para descobrir a verdade.