Volume 10 – Arco 4
Capítulo 95: Uma morte necessária.
Leon
— É raro receber uma visita de demônios, posso saber o que fazem aqui? — perguntou Kay após se sentar em uma cadeira.
Aquele lugar parecia uma sala de jantar, tínhamos uma lá no inferno, mas aqui é muito menor… a mesa estava acompanhada com algumas cadeiras, não havia o suficiente para as pessoas que estavam ali, então decidi ficar de pé para dar espaço…
Decidi não responder a pergunta.
— Apenas realizando o desejo de duas pessoas. — respondeu Thiago.
— Certo, então vocês estão acompanhando o Hideki…
— Exatamente.
— Escuta… matar um dragão não é coisa demais? — pergunta Yukiro.
— Parece ser? Talvez eu não estivesse pensando direito, mas é realmente algo que preciso.
— Mas… poderia me falar, de qual dragão estamos falando? — pergunta Any.
— Certo.
Kay se arruma e olha pela pequena janela que estava perto da mesa, uma chuva começa… e com isso ele também começa a falar.
— Enquanto você sumiu, o reino teve rebaixas enormes por conta de fome, sede, e principalmente… por falta de dinheiro. Ninguém no mundo queria comprar o que venderíamos, nem vinhos, nem nada… uma pessoa misteriosa se aproximou do reino e prometeu que iria nos tirar daquele buraco enorme, pelo o que parece o rei aceitou, e não só isso… deixou que tudo fosse da forma que este homem queria. Esta pessoa trouxe mais um com ele, o nome do outro é… Hiro, e ele tinha um dragão de estimação, ele foi obrigado a nos dar esse dragão… até onde eu sei houve uma negociação interna, que o reino não sabe, mas o rei daria o poder nas mãos desse homem em troca do dragão.
— E o que tem nesse bicho? — pergunta Any.
— Ele é criado pelo Riki, deus da criação, mas diferente do deus, o dragão não consegue controlar o poder e acaba sempre criando o que as pessoas pedem a ele.
— Como assim?
— Eu desejo um prato de arroz, feijão e algum pedaço de carne, a preferência do reino.
O pedido de Kay é realizado… e um prato do jeito que ele pediu surgiu na mesa, o espanto das pessoas era indispensável, principalmente o de Any… mas antes que ela pudesse sequer pensar em pedir alguma coisa, Kay continua:
— Claro que ele tem suas limitações, não posso pedir uma espada, ou qualquer outra coisa do tipo… é apenas o necessário para uma pessoa viver. Continuando, o contrato que o rei fez acabou deixando todo o reino nas mãos desse tal de Lucy. Mas…
Kay travou… ele não sabia o que falar para as pessoas que estavam na sua frente, talvez alguma memória estranha entrou na sua mente…
“Se ela ainda estivesse aqui… talvez eu conseguisse lutar novamente.”
Como se fosse uma voz na minha mente… escuto o que ele estava pensando, fitei Kay intensamente, e o mesmo aconteceu comigo, era como se ele soubesse do meu poder… de primeira o seu olhar foi extremamente hostil… mas logo se transformou em um sorriso completamente gentil.
— Aos poucos… podemos nos ajudar e assim conseguiremos ambos cumprir nossos objetivos. — disse Kay.
— Bem… espero que possamos nos ajudar… peço desculpas por te envolver em algo assim, Kay.
— Está tudo bem, Any. Eu posso me virar de alguma forma com os problemas que estou enfrentando…
Ele olha pro alto e respira fundo… logo em seguida olha pra mim e assim fala:
— Terminamos nossos assuntos por aqui, Any pode guiar vocês até uns quartos que temos por aí, vão descansar.
— Ah, eu preciso ficar um tempo sozinho, então provavelmente irei ficar perto da janela.
— Certo, Leon.
Seguimos até um certo caminho, passamos por um corredor feito de pedras com as duas paredes cheias de janelas… parei e fiquei por lá pensando na minha vida.
Existe algo dentro de mim que não consigo ter um controle, um poder no qual… é terrível para qualquer um que estiver ao meu lado.
“Que agonia é ver um erro no desenho após terminá-lo…”
“Que ódio desse chefe…”
“Essa vida… não dá mais.”
“CHEGA DESSA FAMÍLIA.”
“Esse reino é uma merda.”
“Que se foda todos daqui.”
“Está na hora de tomarmos o poder…”
“Eu odeio a minha vida.”
“Eu quero que tudo acabe.”
“Vão todos se fuder.”
“Por que você foi embora?”
Mesmo que eu tampe meus ouvidos, mesmo que eu tente ter força… nunca consigo parar de escutar os pensamentos dos outros. O que me machuca totalmente, neste mundo me sinto um completo invasor, onde ninguém tem um pingo de privacidade quando está perto de mim… quase todos os momentos que saí do inferno, tive uma gigante vontade de chorar e de me desabar no chão.
Nunca… me senti bem-vindo neste lugar. E não é diferente agora. Mesmo que eu tenha encontrado pessoas que pareçam ser boas, ainda sim meu coração me diz algo que não consegue deixar de me dominar.
“Desista. Você só é um mero invasor.”
E mesmo que eu seja, estou preparado para deixar esse poder de lado e simplesmente seguir a minha vida como se nada tivesse acontecido, mesmo que meu coração vá contra a minha vontade, não quero que nada mais aconteça por minha causa, já que neste momento… apenas me sinto um mero invasor na vida de qualquer pessoa deste mundo.
— Então é aqui que você estava… — disse alguém misterioso.
“Eu tenho que descobrir mais a fundo o que está acontecendo, e tenho que entender… por que parece que ele sabe de tudo o que está acontecendo.”
Era Kay. Ele parecia um pouco irritado… mas parecia estar feliz com alguma coisa…
— Estava aqui pensando… será que tem alguém nesse mundo capaz de ouvir o pensamento de alguém?
— Oh… Será que existe?
— Sim, e está logo na minha frente… me diga uma coisa, Leon…
Seus olhos se tornaram completamente hostis, percebi que não tinha muito para onde correr, alguém já tinha noção do meu poder, afinal de contas… em algum lugar do mundo poderia haver alguém com as mesmas características que eu… a única coisa que pude fazer foi olhar atentamente ao que ele tinha para me falar.
— Você é a pessoa que estava lendo a minha mente por todo esse tempo?
Nunca consegui controlar o meu poder, o que me permitia ler o pensamento de todas as pessoas deste planeta, ou quem sabe… até mais do que isso. Alguns pensamentos chamavam mais a minha atenção do que outros, mas nunca… nunca na minha vida quis ler alguma mente por vontade própria…
Kay tenta tocar no meu ombro, mas ele empurra com pouca força e toma uma postura hostil.
— Responde.
— Eu…
Sim, eu era a pessoa que sempre estava lendo a mente de Kay. Existem algumas pessoas que sabem da minha existência, percebem que tem alguém capaz de ler a mente, mas… grande maioria nunca sequer percebeu isso.
— Sim… sou eu…
— Então… você sabe de tudo.
— Calma, não é bem…
Fui interrompido por um dedo que se aproximava da minha boca, era Kay me silenciando.
Se me lembro bem, todos seus pensamentos eram sobre uma mulher, alguém que sumiu a muito tempo atrás, e que agora… está procurando por ela, mas algo que me deixaria perplexo e que só passava na minha mente agora… era que Kay estava usando Hideki e os outros para concluir seu objetivo.
— É exatamente assim, você não pode invadir a mente dos outros.
— E você acha que eu não sei disso? Pensa que eu tenho esse poder por que quero?
— Cala a boca, você não pode contar nada para o Hideki sobre essas coisas, agora que eu achei alguém forte o suficiente para matar aquele dragão… não é hora dele saber das coisas.
— Desgraçado… você só está querendo usar…
— CALA A BOCA! Você não sabe de nada, da mesma forma que ele está me usando para ajudar a mulher dele, eu vou usá-lo para cumprir meu objetivo.
— O que será dele quando descobrir isso?
— Hm?
— O que o Hideki vai pensar quando descobrir que está sendo usado por alguém que ele poderia confiar?
Medo era o que dominava meu coração, meu peito estava batendo tão rápido que nem tive a chance de engolir os terríveis sentimentos que prendiam meu corpo.
— Não cabe a você decidir o que vai acontecer caso ele descubra… mas…
Kay retira uma lâmina do seu bolso e se aproxima cada vez mais de mim, me colocando contra a parede e se aproximando cada vez mais… colocando aquela lâmina no meu pescoço.
Por mais que eu pudesse lutar, não era o que eu queria, meu medo era tão forte que nem ao menos consegui pensar em usar o meu poder para algo assim. Não quero machucar ninguém.
— Escuta aqui… eu poderia te matar só por saber que é você a pessoa que me perturbava no passado. Desde criança… desde aquela época… você estava na minha mente, deixando meus pensamentos inquietos, e crescendo minha paranóia… por sua causa…
Ele não terminou a frase, só forçou a lâmina contra meu pescoço.
— Kay?
Uma voz feminina o fez parar. O barulho da chuva junto com a dor que era ter que ouvir tudo aquilo… deixava o ar cada vez pior… mas aquela voz vinha de uma pessoa em específico, que provavelmente conseguia acalmar o Kay…
— Oi, Any.
— O que você está fazendo?
— Conversando com ele.
— Mas… tão próximo assim?
Kay esconde sua lâmina e se afasta, a única coisa que deixava marcado seu crime era o corte que tinha feito no meu pescoço avermelhado.
— Hm… eu estava analisando um corte que havia no seu pescoço, algo fatal parece ter acontecido com ele… não é mesmo, Leon?
Seu olhar me ameaçava, era como se caso eu contasse a verdade para Any, algo terrível poderia acontecer… deixei de lado tudo o que estava pensando e simplesmente concordei com o que ele estava falando, Any se aproxima com cuidado e tenta ver o que estava acontecendo, mas… simplesmente corri para um quarto e fechei a porta. Me ajoelhei e fiquei lá por um grande tempo.
Pensamentos alheios passavam pela minha mente, dominando completamente qualquer coisa que poderia ter… o medo dos outros, a dor, o sofrimento, angústia, ciúmes, inveja, qualquer sentimento ruim era muito maior que qualquer felicidade que parecia existir dentro dessas quatro paredes.
Quanto mais eu existia, pior era a dor que tinha no meu peito, as vezes eu nem queria saber de existir…
— Para…
O único apoio que eu tinha na minha vida era o meu irmão, e por um longo tempo nem nele eu conseguia encontrar um conforto. Se a mamãe estivesse aqui… provavelmente saberia o que fazer, mas desde aquela época…
“PARA… GEHENNA, PARA!!!”
“OS NOSSOS FILHOS NÃO, NÃO FAÇA NADA COM ELES!”
Desde aquela época…
“VOCÊ NÃO DEVE COLOCAR ELES NO CAMPO DE BATALHA, SÃO NOSSOS FILHOS!”
— Por favor… para…
“Cala a boca. Você não entende o que eles são…”
“Os nossos filhos não… por favor, não os transforme naquelas armas que você estava criando…”
Desde a época que o papai matou a mamãe… Thiago esteve cada vez mais diferente, chegando ao ponto de se afastar tanto… os nossos caminhos se separaram, e o sangue começou a ter uma cor diferente pra mim, começou a me dar medo…
As memórias não saem da minha mente, estão lá como se tivesse acontecido ontem.
As lágrimas começam a cair do meu rosto, e lentamente tudo começa a ficar cada vez mais claro… mesmo que em meio a extrema escuridão que tinha naquele quarto, mesmo que o extremo sentimento de solidão que era criado pela chuva… aquelas memórias… clareiam tudo que está envolta, e aos poucos escuto vozes que trazem um sentimento tão bom de conforto…
— Vamos Leon, temos que encontrar a mamãe!
— Sim, só espera… tenho que terminar de me arrumar…
O calor do abraço da minha mãe… mesmo que naquele momento era só eu me abraçando, tentando sentir o abraço dela…
— Eu quero que você se lembre de tudo… Leon, quero que você seja a estrela mais forte a brilhar no espaço! Um filho meu… tem que ser forte para aguentar qualquer coisa que venha pela frente…
Eu… não sou forte, mamãe…