Volume 6
Capítulo 252: Fran como uma professora
Hoje era o dia em que Fran decidiu aceitar os três aventureiros que conheceu na guilda como aprendizes temporários.
Ainda era muito cedo, mas ela já os reunira para que pudessem começar o treinamento de mais um dia.
— Primeiro, alongamentos.
— Alongamentos? O que é um alongamento?
Liddick refletiu sobre a palavra que ele claramente nunca ouviu antes, como se estivesse contemplando seu significado.
— Não faço ideia, mas acho que deve ser algo relacionado a algum tipo de supertreinamento!
— Tem certeza? Parece mais um feitiço para mim.
Miguel e Naria responderam cada um com suas respectivas interpretações do exercício.
Acontece que o alongamento não era algo que as pessoas deste mundo costumavam fazer. Eles faziam exercícios de aquecimento, mas nenhum deles era para aumentar a flexibilidade. O conceito de alongamento, como eu conhecia, era completamente estranho para eles. De fato, a própria Fran só começou a se alongar depois que eu a instruí e a informei que isso era bom para ela. E agora, ela estava pegando essa informação e disseminando-a.
— Aqueça antes do exercício.
— Er, tudo bem, mas tem algum sentido em fazer isso?
Liddick começou a questionar o exercício antes que Fran pudesse começar a demonstrar ou explicar.
— Nn.
— Huh, interessante. Você poderia explicar qual é o objetivo?
— Aquecimento. Muitos benefícios.
— Muitos? Você poderia dar alguns exemplos específicos?
— Nn? Muitos é muitos.
Embora Fran soubesse que o alongamento melhoraria sua condição, ela não foi capaz de explicar o porquê. De forma evidente, ela tinha esquecido toda a teoria por trás disso, embora eu me lembrasse de ter explicado a ela não muito tempo depois que nos conhecemos. Para ela, o alongamento era apenas mais um exercício de rotina feito em seu corpo para ela ficar mais forte.
Os três aprendizes reagiram inicialmente à sua explicação incompleta com um olhar estupefato. Levou alguns momentos para eles sacudirem as cabeças e se livrarem das dúvidas antes de começarem a seguir as instruções dela.
— Nó-Nós precisamos mesmo fazer isso?
— Cale a boca e apenas faça isso, idiota! Veja, até a própria Professora está fazendo isso.
Liddick continuou fazendo perguntas, mas Miguel o silenciou com um grito.
— É-é verdade…
Embora o lanceiro ainda parecesse não estar convencido, ele sentiu que a lógica de seu companheiro era sólida e crível.
— Tenho certeza de que ela está fazendo isso por uma razão que nós, ranks inferiores, não podemos nem mesmo entender.
Sentindo isso, Miguel fez outro argumento convincente ao final de sua explicação.
— Sim-Sim, quer saber, você deve estar certo. Eles até valem o tempo da Srta. Fran, então com certeza devem valer o nosso também!
Mencionar sua falta de conhecimento fez com que Liddick reavaliasse sua posição mais uma vez. Recordar suas próprias falhas o deixou muito mais disposto a aceitar o exercício desconhecido, apesar de seu propósito ainda estar envolto em mistério.
— Você está certo. Tenho certeza que esses movimentos nos levarão a algum tipo incrível de efeito!
Como Miguel, Naria também decidiu seguir as instruções de Fran.
— É, isso deve ter a ver com o motivo de ela ser tão forte, mesmo sendo tão jovem!
Miguel tomou a falta de uma explicação como um estímulo para começar a teorizar por que Fran queria que eles se alongassem.
— Isso é verdade! Pode ter algo a ver com tornar o treinamento mais eficiente.
O constante reforço que seus companheiros estavam o dando acabou fazendo com que Liddick apresentasse uma resposta mais racional.
— Tem que ser isso!
— Caramba, gosto de com isso soa. Estou ficando megaempolgado!
Naria e Miguel, sem hesitarem, se agarraram à essa conclusão aparentemente lógica.
E, de modo surpreendente, apesar de exagerado, não estava muito longe de ser a resposta certa. O alongamento não tinha o tipo de efeito milagroso que eles esperavam, mas reduzia a chance de lesão. Por isso, tecnicamente havia o potencial de permitir que se treinasse com mais eficiência.
— Alongamentos, ensinados pelo Mestre.
— Seu mestre, Professora?
— Nn.
— Que tipo de pessoa era seu mestre?
— Incrível. Melhor mestre do mundo. Me fez forte.
— Uou! Ele parece muito impressionante!
— Mestre é o melhor.
Liddick fez uma pausa para deixar Fran fazer um comentário antes de continuar.
— E foi ele quem te ensinou a como se alongar? En-...
— Viu, eu falei! Essa coisa de alongamento deve ter algum tipo de efeito drástico!
Sentindo-se validado, Miguel cortou o comentário de Liddick com o seu próprio.
— Vamos nos alongar com tudo!
Nenhum dos outros dois aprendizes de Fran discordou da sugestão de Naria.
Eles estavam entusiasmados e, por causa disso, começaram tentando forçar seus corpos o máximo que podiam. Felizmente, Fran, que percebeu que eles não compreenderam o objetivo do exercício, os deteve antes que se machucassem. Ela pacientemente continuou a instruí-los até que eles começaram a se alongar da maneira lenta, mas correta, como deveria ser.
Fran estava fazendo seu trabalho como professora muito bem. Os três ficaram emocionados com o fato de que ela, alguém muito mais forte que eles, estava disposta a instruí-los com atenção. O respeito deles por ela havia sido reforçado em muitas vezes, apesar de tudo que a garota os ensinou a fazer era a forma correta de se alongar.
— Em seguida, sparring.
— Eh?
— Sério?
— Con-contra quem teremos que lutar?
Naria, Miguel e Liddick reagiram nessa ordem. A primeira soltou um som para representar surpresa, o segundo proclamou sua descrença e o terceiro acabou fazendo uma pergunta na esperança de uma resposta favorável.
Só por considerarem a possibilidade de duelar com Fran, a cor sumiu dos rostos do trio de forma visível. Eles se lembraram de ter sido destruídos por completo por ela há poucos dias.
Nenhum deles queria brigar com ela. Todos esperavam que ela os fizesse treinarem um com o outro.
Uma esperança que ela esmagou de forma impiedosa.
— Nn. Eu, um a um.
— … tudo bem.
Resignando-se à morte, Liddick assentiu e aceitou a ideia.
— Posso deixar você ir primeiro, se quiser.
— Não, você pode ir na frente, Miguel.
— Me desculpe Naria, mas estou com Miguel nessa. É como dizem, damas primeiro.
— Maldito seja Liddick, seu traidor!
Fran estava cansada de ver a lamentável discussão do trio, então ela levantou um dos braços e apontou na direção de Miguel.
— Espadachim primeiro.
— Sé-sério…?
— Se apresse.
— En-entendido, Professora.
— Dê o seu melhoooor.
— Não vá morrer parceiro.
— Ó-ó, calados! De qualquer forma, vocês dois vão me seguir direto para o inferno em alguns segundos.
Miguel se aproximou, seu rosto tingido com uma sombra de desesperança.
— Você ataca.
— A-aqui vou eu! Oraaaaaahhhh!
Miguel disparou contra Fran com a espada em movimento. Não havia sequer a menor hesitação em seus movimentos; ele atacou para matar porque sabia o quão mais forte que ele a garota era.
Os marinheiros que estavam por perto, no entanto, não sabiam. Tudo o que eles viram foi um homem atacando de forma cruel uma garotinha com sua grande espada na mão. Nem todos eles viram a batalha de ontem se desenrolar, então a maioria julgou com base nas aparências e assumiu que Miguel era muito mais forte que Fran.
Eles acharam a visão dela ensinando a ele, a coisa que eles estavam assistindo até agora, divertida e bem-humorada. Foi por isso que a súbita mudança de atividade os levou a começar a gritarem em pânico.
Mas suas preocupações eram desnecessárias. O trágico evento que eles esperavam ver jamais se realizou.
— Movimento muito exagerado.
— Toryaaah!
— Poder é importante, mas não adianta se não puder acertar.
— Merdaaaa!
— Movimentos menores.
— Haaaah!
— Muito apressado.
— Grgghhh!
Fran não se incomodou em retaliar. Em vez disso, ela passou o tempo se esquivando e dando-lhe conselhos. Ela também batia de leve nele sempre que o rapaz expunha uma abertura para mostrar o que ele precisava trabalhar.
Observando os dois, os marinheiros congelaram; eles estavam completamente estupefatos.
Porém, quanto a Miguel, as coisas estavam difíceis, como ele já imaginava. A única coisa que ele não esperava é que Fran não iria retaliar. Ele ficou feliz ao ver que ela continuava instruindo-o, em vez de apenas destruí-lo.
Ele acabou afundando no chão em completa exaustão depois de manter seus ataques por cerca de dez minutos.
— Nn. Último ataque, nada mal.
— Mu-muito obrigado!
— Próximo, lanceiro.
— Com certeza!
Liddick tomou o lugar de Miguel e começou um segundo assalto vigoroso com Fran. Ele tentou angular e mudar seus ataques de forma estratégica para que eles atingissem o alvo, mas a garota-gato viu através de todas as suas táticas e manteve uma defesa impecável.
— Pensando demais antes de atacar.
— Kuh!
— Fácil demais para ler. Mais variação.
— Haaah!
— Nada mal, mas muito lento.
Ela o tratou mais ou menos da mesma maneira que fez com Miguel. Ela evitou todos os ataques dele e, de vez em quando, pressionou a palma da mão contra o corpo do rapaz para demonstrar que ele cometeu um erro que levaria à sua morte. No fim, Liddick, como Miguel, acabou desmoronando por pura exaustão.
A última foi Naria. Disparar projéteis de um arco era bastante perigoso, uma vez que estávamos em um navio com um monte de pessoas, e Fran não era capaz de oferecer muitos conselhos relacionados ao arco. Por isso, ela se concentrou em ensinar Naria a usar sua espada curta.
Seus métodos continuaram os mesmos, mas ela se certificou de atacar com um pouco mais de frequência, pois queria que Naria se acostumasse mais ao bloqueio do que qualquer outra técnica.
— Mais atenção ao bloqueio. Menos ataques.
— Entendido!
— Desvie se não pode bloquear.
— Ai!
— Use adaga para controle. Fintas.
Naria acabou cedendo um pouco mais rápido que Miguel e Liddick. Eu não poderia culpá-la. Ela estava usando uma arma à qual não estava acostumada e a necessidade de bloquear os ataques de Fran havia drenado sua energia com muito mais rapidez.
Mas, de qualquer forma, Fran estava satisfeita. Ela provou ser capaz de atuar como professora.
— Arqueira, continue praticando com espada curta.
— Entendido!
— Espadachim, lanceiro, concentrem-se no trabalho de pés ofensivo.
Os três assentiram depois que Fran lhes deu algum feedback. Ela conseguiu erradicar suas fraquezas com sucesso.
— Arqueira, também pode continuar praticando com arco.
Mas, apesar disso, ela continuou a chamá-los por suas armas em vez de seus nomes, e não porque era assim que ela queria se referir a eles. Isso era algo que precisava ser atribuído a um de seus maus hábitos: esquecer tudo o que ela não lhe interessava. Em outras palavras, embora ela estivesse interessada em tê-los como aprendizes, ela não tinha prestado muita atenção aos três indivíduos como pessoas. Não pude deixar de me perguntar se algum deles seria capaz de fazê-la se lembrar deles pelo nome antes que o Algieba chegasse ao seu destino.