Volume 5

Capítulo 156: História secundária: Aventureiros

Ponto de vista de um patético e estúpido Homem-Gato-Azul

Isto não pode estar acontecendo.

Isso simplesmente não pode ser real. Isso tem que ser um pesadelo.

— T-Tarkas? Rawrs? Tordo? Qu-que diabos vocês estão fazendo?

Meus três companheiros caíram diante de mim. Eles estavam sem os quatro membros e sangravam enquanto gritavam de dor e desespero.

— Sua vadia! Que merda vo-você fez com eles!?

— …

— Você está toda aberta! Morra imbecil! Oraahhhh!

— Nn.

— Merda! Que diabos!? Isso é impossível! Solte, droga!

Essa porra não tem como estar certa! A pirralha parou meu porrete com suas mãos vazias!? Como diabos!? Não tem como isso acontecer! Minha força se iguala com os ranks D medianos, mas não posso mexer a arma nem um pouco, não importa o quanto eu tente.

— Qu-que tipo de truque covarde você está tentando fazer? Não tem como alguém tão grande quanto eu perder para um tipinho dos malditos homens-gato-negro!

— Fmph.

— Gah!?

Eu não podia dizer o que tinha acontecido, mas ambos meus braços e pernas começaram a queimar com uma súbita e intensa dor. Gaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhh!!!

Isso dói tanto que não posso fazer nada além de gritar.

E então, eu entendi. Eu caí da mesma forma que todos os meus companheiros.

Como foi que isto aconteceu? Estávamos bebendo e comemorando apenas dez minutos atrás…


— Ei, você viu aquilo?

— O quê?

— Aquilo, bem ali

— Ela? Por que diabos uma pirralha como essa está nesse lugar?

Tarkas fez um gesto com seu queixo e apontou na direção da pirralha. Ela estava comendo sozinha e você podia dizer com apenas um olhar que ela era jovem demais até para beber.

Este bar é um lugar onde aventureiros se reúnem. Pirralhas como ela deveriam dar no pé logo na entrada.

— Guhehehe, por que não fazemos como adultos e a damos um pequeno aviso?

— Heh heh heh. Adulto o caramba, você está ficando todo animadinho por ter a chance de fazer uma pirralha gritar sem parar.

Rawrs estava com um enorme sorriso colado em seu rosto. Parecia que Tordo estava correto. Ele devia estar planejando dar a garota uma “lição” e então pedir por uma “taxa de ensino”.

Ele começou a caminhar na direção da garota, seus passos trôpegos com a embriaguez.

— Ei pirralha, este não é o tipo de lugar que você deveria visitar.

— Ele está certo, sacou? Esse lugar é apenas para aventureiros, pirralhas como você não devem aparecer por aqui.

— …

— Oi! Diga algo maldição!

— Responda logo sua pirralha maldita.

— …

— Quê? Ficou tão assustada que o gato comeu sua língua?

— É por isso que você não deveria vir para lugares como este. Agora se mande! Não vou te bater muito forte se você fizer isso.

— Kehihihi, pense nisto como uma lição. Nem todos os adultos são tão legais quanto nós, sacou?

— Mas não preciso dizer que nós ainda vamos te cobrar uma pequena taxa. Mas não se preocupe, não somos tão ruins. Você pode ficar com suas roupas, mas isso é tudo. Entregue todo o resto que você possui.

— Gyahahahahah! Puxa, somos tão legais.

— …

Tsk. Ela não está dizendo nenhuma palavra.

— Ei Tarkas, ela não é um deles, os gatos-negros?

Caramba, eu estava tão bêbado que nem notei o rabo preto e as orelhas que ela tinha. Sem dúvidas quanto a isso, ela é uma gata-negra.

— Geheheheh, quer saber? Você é apenas uma desprezível gata-negra, então esqueça tudo o que eu disse. Nos dê tudo o que você tem, incluindo tudo o que você está vestindo.

— Sim, sim, faça o que ele disse vadia. Você é apenas uma merdinha negra, você não é nada para nós azuis. O único motivo para você existir é para que nós possamos nos divertir com você. Gata-Negra? Mais parece uma gata-banana.

Puxa, estávamos com sorte. Era como se tivéssemos encontrado uma carteira. Não era preciso dizer que os negros sempre seriam inferiores a nós azuis, e que para nós, eles não passavam de presa.

— Irritante. Cale a boca.

— Haaahh? O que você acabou de dizer?

— Calado. Feche a boca e desapareça.

Esta merda de gata-banana acabou de me responder? Um Gato-Azul? Que coragem esta vadia tem. Ela vai pagar por esta merda!

— Su-sua pirralha de merda! Como uma gata-negra como você se atreve a nos desafiar!?

— Fique de quatro e implore pela merda da sua vida! Eu só vou te deixar a beira da morte se você fizer isto! Você não vai se safar nos desafiando, sua maldita gata-banana!

— … mmph.

Kukuku, olhe só para isso. Nós a intimidamos tanto que ela nem consegue mais falar. Ela está tremendo pra caramba, bem feito para ela! Vadia estúpida, você não deveria ter nos provocado! Puta! Isso é o que você merece por tentar ser mais do que apenas uma escrava ou uma carteira! Mesmo assim, não vou perdoar essa vadia, não vou mesmo. A culpa é dela por desobedecer a nós, gatos-azuis!

Ou assim eu pensei, mas nós nunca nem tivemos uma oportunidade para sacar nossas armas.

— Gatos-azuis lixo. Vivam o resto de suas vidas em arrependimento.

E foi então que aconteceu, poucos momentos após a gata-banana falar.

Primeiro foi Rawrs. Então Tordo, Tarkas, e, finalmente, eu.

— Ugaaahhhh!

Ela agarrou o porrete que usei com a intenção de matar e rasgou meus quatro membros com sua espada.

— Arrghghhhhhhh!

Droga, o que é esse som? Ó, claro, ele está vindo da minha própria boca.

Como diabos as coisas terminaram assim? Tudo o que fizemos foi mexer com um pirralha gata-negra.

A pirralha estava de pé diante de mim, seus olhos não estavam repletos de ódio ou sede de sangue como eu esperava, mas com repugnância. Ela me olhou como se estivesse observando uma barata sórdida, ou apenas lixo jogado na beira da estrada.

— Você disse gata-banana duas vezes.

A pirralha balançou sua espada sem o menor sinal de hesitação.

— Gyahhhhh!

Esta maldita pirralha arrancou minha cauda! Argghhhh!!

Por que isto tinha que acontecer!?


Ponto de vista do Homem-Cão-Branco resgatado

Eu continuei a encarar a cena diante de mim, incapaz de proferir o menor som.

Isso era apenas irreal. Não podia acreditar que isso fosse algo baseado na realidade.

Senti que até o ato de reconhecer isso causaria uma distorção no meu senso comum.

Mas eu simplesmente tive que o fazer. Os sons que assaltaram meus tímpanos e vibrações que ressoaram pelo meu corpo me informaram que isso era muito real.

— Haaaah!

— Gugyaaaaooooohhh!

A lâmina da jovem garota partiu o último dos altos-ogros ao meio.

— Isso… é sério… ?

Sem querer, soltei um gemido de espanto. Como uma garota tão jovem dizimou por completo uma horda inteira de feras demoníacas rank D no que quase pareceu ser uma série de golpes únicos? Não pude evitar de sentir que a frase “Um golpe, uma morte” existia pelo único propósito de descrever o que acabei de testemunhar.

Altos-Ogros não são, de nenhuma forma, fracos. Na verdade, eles são incrivelmente poderosos. Eles eram capazes de esmagar um conjunto completo de armadura em um único ataque. Eles se regeneravam com ridícula rapidez, e suas peles eram tão duras que uma lâmina mediana se descobriria incapaz de perfura-la.

Eu sabia com certeza que eles eram fortes, especialmente vendo como eles quase me mataram há apenas alguns minutos. De fato, eu já tinha há muito me preparado para a morte, já que minha espada era incapaz de infligir a eles qualquer tipo de ferimento.

Mas então, ela apareceu.

Quando ela o fez, meu coração saltou do desespero para esperança, e de volta para o desespero. Eu percebi que a pessoa que veio me ajudar era uma mera garotinha, e pior, uma gata-negra.

Só pense sobre isto: uma garotinha contra um enxame de Altos-Ogros, o inimigo mais poderoso deste calabouço. Um grupo de cinco altos-ogros era considerado um nível de ameaça rank C. Não havia como uma única garota conseguir vencer eles. Na verdade, ela acabaria sendo destruída. Nem pensei que ela seria capaz de me conseguir tempo o bastante para escapar.

Mas ela o fez.

Ela matou todos os cinco Altos-Ogros em apenas três minutos. Ela levou menos tempo para acabar com eles do que me custaria para matar o mesmo número de goblins.

— Uma criança dos homens-gato-negro…

Me lembro de ouvir um rumor sobre ela nos últimos tempos.

Eles diziam que ela era uma aventureira rank D que apareceu em Ulmut há pouco tempo. Isso era algo normal, Ulmut era onde todos os aventureiros de rank intermediário de Kranzell se reuniam.

Mas essa era a única parte normal sobre ela.

A primeira anormalidade sobre a garota era que ela era extremamente jovem. Ela também era uma integrante da tribo mais fraca de homens-fera, a tribo dos gatos-negros, e fez com que todos que tentaram abusar dela perdessem a capacidade de continuar como aventureiros. Mas isso não era tudo. Ela também estava se aventurando sozinha, ao invés de com um grupo, e, mesmo assim, saía com conquistas incríveis.

Os rumores eram completos absurdos. Eu assumi que ela os espalhou entre os bêbados por conta própria para promover seu nome.

Além disso, em primeiro lugar, não havia como uma Gata-Negra ser remotamente tão forte. Como eu mesmo era um homem-fera, pensei que isso fosse senso comum.

Homens-fera são criaturas que valorizam força acima de tudo. Aqueles que se comportavam mal seriam perdoados e suas ações esquecidas contanto que eles fossem fortes. Em outras palavras, nós somos o tipo de criaturas que sempre iria culpar a fraqueza. Tal tendência estava muito enraizada em nossa cultura. Gatos-Negros eram considerados o tipo mais fraco de homens-fera, e, como resultado, os sempre desprezíveis Gatos-Azuis iriam vendê-los como escravos. O fato de que eles estavam na parte mais baixa da hierarquia dos homens-fera era exatamente isso, um fato.

Foi por isso que eu não consegui acreditar que aquela jovem gata-negra podia ser tão mais forte do que eu. Muitos outros aventureiros sentiam o mesmo. Era por esse motivo que as conversas sobre ela costumavam se concentrar em sua tribo ao invés de sua força ou aparência.

— Acho que ela deve ser a Gata-Negra de quem todos estão falando.

Parecia que os rumores foram baseados na verdade.

A garota que muitos começaram a se referir como "A Gata-Negra" não se incomodou em virar seu rosto para mim. Parecia que ela me salvando foi apenas um pequeno extra, e que ela só estava atrás dos Altos-Ogros desde o início.

Eu mesmo também era um aventureiro rank D, mas ver ela em ação despedaçou meu orgulho.

Mesmo assim, me considerei com sorte. Meu orgulho valia muito menos para mim do que minha vida.

Consegui ficar livre de ferimentos e viver para ver outro dia. E, acima disso, até consegui descobrir que a força da Gata-Negra era genuína. Estou feliz que aprendi isso aqui e agora, ao invés de em um bar ou taberna. Com certeza teria criado uma confusão com ela se não soubesse que ela era tão poderosa.

— É melhor me garantir de dizer a todos sobre isto. Eles são tão burros quanto eu, então eles devem tentar causar problemas a ela se eu não fizer isto.



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