Volume 4

Capítulo 125: Rynford

— Muito bem, vamos colocar a senhorita sobre nossos cuidados.

— Nn.

— Nós agradecemos por seus serviços.

— Muitíssimo obrigado Fran! Você salvou minha vida!

— Nn. Tchau.

— Tome cuidado lá fora!

A mulher que ajudamos estava muito mais serena agora do que há cinco minutos. Fazer Urushi saltar pelo céu com ela em suas costas acabou causando algum abalo nela, dessa forma, nós resolvemos descer. Apesar disso, a atmosfera acabou sendo um pouco estranha durante a duração da viagem. Ela acabou se agarrando com força no pelo do Lobo e continuou a fazer isso até finalmente chegar a hora de nos separarmos.

No fim, fizemos os Cavaleiros nos contarem sobre tudo o que eles sabiam enquanto a descíamos. Parecia que toda a situação tinha se tornado um problema muito sério. Um punhado de lugares bem importantes já estavam sob ataque. Tínhamos que acelerar se quiséssemos deixar tudo sobre controle.

“Eu acho que estou vendo.”

— Ali?

Nos posicionamos acima da mansão do Lorde e inspecionamos seus arredores.

A propriedade do Lorde era vasta. Ela continha dez mansões diferentes, porém, apesar disso, nós imediatamente fomos capazes de distinguir nosso alvo entre seus pares. A atmosfera ao redor do prédio em questão parecia muito mais pesada do que a de qualquer outro. Nós sentimos uma aura poderosa de lá, uma que era bem similar a dos Seres Malignos que derrotamos recentemente. Era escura, e claramente maléfico em sua natureza. Contudo, era aí onde as semelhanças acabavam. A aura diante de nós estava em uma escala completamente diferente. Ela era tão poderosa que encarar o prédio de onde ela vinha parecia me causar arrepios, apesar da distância entre o local e nós.

Ambos Fran e Urushi começaram a se sentar, olhares de desconfiança em seus rostos.

“É definitivamente ali.”

— Nn.

Eu estava honestamente tentado a apenas disparar pela porta da frente, mas sabíamos muito pouco sobre nossos inimigos para que isso funcionasse, então recorremos a nossas táticas usuais baseadas em furtividade.

Nós escondemos nossas presenças enquanto descíamos para o jardim da mansão. O lugar não tinha qualquer tipo de barreira, então a infiltração se provou bem simples.

“Vamos fazer o de sempre e reduzir o número deles pouco a pouco.”

— Nn.

Woof.

Nós começamos a circular o local, então poderíamos investigar o número de inimigos que teríamos que enfrentar.

O processo nos tomou cerca de dez minutos, e nos informou do fato de que o prédio não contava com muitas pessoas. Além disso, os pouco mais de dez indivíduos que detectamos estavam reunidos na área mais central da mansão.

Isso, entretanto, foi tudo o que conseguimos descobrir. Não parecia que teríamos outra escolha além de invadir as instalações da mansão com o objetivo de ter uma melhor noção do que estava acontecendo.

Ah, bom, desde que funcione, tanto faz, eu acho.

“Se preparem para o combate. Uma luta pode começar a qualquer momento a partir de agora.”

— Nn.

Woof.

Eu fiz Fran e Urushi beberem uma Poção de Mana para recuperar o Poder Mágico deles. Desta vez, Fran acabou empunhando Olhar da Morte ao invés de mim, enquanto eu me preparava para me lançar com uma Catapulta Telecinética quando fosse preciso.

E assim, entramos no edifício. Aparentemente, ninguém nos notou atravessando a porta dos fundos.

Seguramos nossos fôlegos enquanto nos movíamos lentamente para o lugar em que detectamos os moradores temporários da mansão. O ar parecia estar repleto de Mana, era quase como se estivéssemos entrando em um Covil. A mudança na atmosfera devia ter sido causada por algum tipo de item mágico.

Nem um único inimigo nos atacou em nosso caminho. Chegamos em nosso destino com tão poucos problemas que eu acabei até me sentindo decepcionado.

“Mestre. Porta.”

“Yeah. Parece que todos os nossos inimigos estão do outro lado.”

Eu podia sentir nossos inimigos além das enormes portas diante de nós. Parecia que o outro lado continha algum tipo de estrutura em forma de salão. A proximidade que tínhamos de nossos adversários nos levou a analisá-los com mais detalhes. Esse processo de sentir o Poder Mágico deles nos levou a conclusão definitiva de que o que nos aguardava era um grupo de Humanos Malignos.

Reconhecer nossos inimigos me levou a uma única pergunta: e agora? Eles não se incomodaram em se colocarem em guarda. Em outras palavras, eles estavam extremamente confiantes de suas habilidades. Assim, eu não invadi imediatamente. Não é preciso dizer que eu preferia evitar qualquer chance de acabarmos nos enfiando no meio de um grupo de inimigos ridiculamente fortes muito além de nossa capacidade.

Nosso inimigo era capaz o suficiente para fazer pessoas como Zerrosreed e Luzerio serem seus subordinados. Era muito plausível para ele ter um grupo de subalternos Rank C ou D à sua disposição. Acabaríamos em uma situação bem ruim se fôssemos atacados por um grande grupo de humanos transformados que já eram fortes em sua forma original. Eu não acho que venceríamos a menos que conseguíssemos os pegar de guarda baixa e acabar com todos com uma sequência de feitiços poderosos.

Contudo, eu duvidava que tal estratégia nos permitiria capturar Rynford vivo, especialmente se fôssemos ir com tudo. Eu queria muito capturar ele sem matá-lo em nome das informações que ele possuía, no entanto... quer dizer, nós poderíamos apenas atacar tudo, exceto o local onde ele estava. Isso funcionaria, ou talvez…

“E agora?”

Woof?”

Nah, que se dane. Era possível que Fran e Urushi acabassem recebendo ferimentos sérios e até irreparáveis se tentássemos nos segurar. A segurança deles era minha prioridade número um. Não havia forma de eu arriscar as vidas deles apenas para manter um velhote de merda fora de seu túmulo. Além disso, deixar ele vivo poderia acabar nos condenando se cometêssemos um erro. Não era apenas possível, mas provável, que ele tentasse destruir a cidade imediatamente se escapasse de nosso alcance.

“Muito bem, vamos entrar lá e bater em todo mundo com tudo que temos.”

“Certeza?”

“Yeah. Não sabemos se aquele tal de Rynford realmente está aqui ou não, e ele pode acabar escapando mesmo se estiver, então é melhor que o eliminemos antes que ele cause ainda mais danos.”

Sinto muito Rynford, mas você é um homem morto.

“De qualquer forma, vamos avançar.”

“Nn.”

Rrrrr!”

A sala sacudiu assim que Fran chutou sua porta e começou a lançar seus feitiços. Só após começarmos a atacar eu consegui olhar ao redor para garantir que todos os nossos alvos eram de fato Humanos Malignos... o que, por sorte, eles eram, especialmente vendo como não poderíamos parar os ataques que já tinham sido lançados.

“Labareda Explosiva! Ventania do Desastre! Labareda Explosiva!”

Eu senti uma vaga nostalgia assim que lancei uma série de rajadas poderosas pela primeira vez em muito tempo; eu sobrecarreguei meus ataques enquanto usava Processamento Paralelo e Feitiçaria para bombardear uma área incrivelmente grande sem muita demora.

A Magia das Chamas Level 4, Labareda Explosiva, era capaz de incinerar uma área gigantesca. O uso de uma Magia do Vento nos permitiu aumentar o tamanho de suas explosões ainda mais.

— Parede de Fogo!

Rrrrrrrr!

“Parede de Pedra!”

Eu usei a combinação em uma distância mínima, então acabamos sendo atingidos por um pouco do ar quente resultante, mas Fran conseguiu nos manter ilesos ao usar feitiços defensivos que ela preparou com antecedência. Labareda Explosiva era ridiculamente poderoso; seu resultado era equivalente a explosão do napalm¹. Ambos os lados da sala estavam com as paredes completamente destruídas. Até nós sentimos que estávamos a ponto de sair voando, apesar das três camadas de proteção que tínhamos.

“Nós acabamos exagerando?”

— Melhor do que o oposto.

Woof.

O segundo andar basicamente desapareceu no momento que as explosões enfim se acalmaram. O primeiro acabou com metade destruída também. De todas as áreas compreendidas por nossos ataques, a mais danificada foi obviamente o salão em que os Humanos Malignos estavam reunidos. Todas as quatro paredes foram completamente obliteradas. Sua nova aparência exposta quase me fez pensar que o local devia ser um jardim, o jardim de uma mansão que ocupava o mesmo espaço da propriedade do Lorde.

— Essa é uma forma bem impressionante de tratar alguém que você nunca viu antes mocinha.

— Quem!?

— Fufufu… você não está consciente da minha identidade?

— Mestre das Artes Malignas. Rynford.

— Correta você está.

 

Nome:

Rynford Lorentia

Idade:

100 anos

Raça:

Ser Maligno

Classe:

Mestre das Artes Malignas

Level:

58/99

Condição:

Normal

HP:

229

MP:

850

Força Física:

127

Resistência:

97

Agilidade:

120

Inteligência:

236

Mágica:

552

Destreza:

81

HABILIDADES

Encurtar Encantamento Lv4 ⋯ Avaliação Lv7 ⋯ Regeneração de Alta Velocidade Lv6 ⋯ Percepção do Mal Lv9 ⋯ Resistência a Status Anormais Lv4 ⋯ Agitação Lv4 ⋯ Composição Lv6 ⋯ Conhecimento de Venenos Lv7 ⋯ Manipulação de Magia ⋯ Aumento Superior no Poder Mágico

HABILIDADES INERENTES

Artes Malignas Lv7 ⋯ Adepto do Deus Maligno

TÍTULOS

Vanguarda do Deus Maligno

EQUIPAMENTOS

Cajado de Osso Demoníaco Túnica do Homem-Cão Maligno Manto do Homem-Cão Maligno Bracelete das Artes Malignas

 

— Hmm… seu Status e habilidades demonstradas parecem um pouco discrepantes. Você está usando algum tipo de item mágico?

Puta merda. Ele está completamente ileso após tudo isso? Por sorte, ele era o único em tal estado. Sete Humanos Malignos estavam empilhados na frente do pequeno homem idoso. Os três da frente foram praticamente obliterados; pouco restou de seus corpos. Os quatro na parte de trás estavam um pouco melhores, mas eles ainda pareciam estar perto do meio do raio das explosões.

Mais três Humanos Malignos estavam atrás da pilha de corpos. Eles acabaram recebendo menos dano porque usaram seus aliados como escudos de carne, porém, eles não estavam exatamente no que você poderia chamar de estado ideal. Um estava a ponto de morrer, independentemente do que fosse feito a ele. Os outros dois talvez ainda pudessem ser salvos se fossem tratados; "talvez" era a palavra-chave.

Rynford claramente usou seus subordinados como defesa contra nosso bombardeio. Eu assumi que eles não eram capazes de nada mais do que apenas ficarem descontrolados em algum tipo de frenesi, mas parecia que o velhote ainda poderia os comandar. Bom, eu acho que isso faz sentido, considerando como ele era um Mestre das Artes Malignas.

Ou assim eu pensei, mas, aparentemente, eu estava errado.

— Me-mestre Rynford! Por favor, recue!

— Nós vamos segurá-los!

Para minha surpresa, os Humanos Malignos podiam falar da mesma maneira que, bem... humanos comuns.

Eu rapidamente os avaliei, apenas para descobrir que eles eram bem diferentes de todos os outros membros de sua espécie que encontramos até agora. Antes de mais nada, havia o fato de que eles tinham seus próprios nomes. Eles também não estavam afetados por qualquer condição negativa de Status compartilhada por seus colegas. Por último, mas não menos importante, havia o fato de que seus títulos alegavam que eles eram servos do Deus Maligno, ao invés de escravos.

Portanto, em outras palavras, eles conseguiram se tornar Humanos Malignos enquanto ainda mantinham a sanidade?

— Esses. Podem falar?

— Eu imagino que você encontrou alguns outros Humanos Malignos na cidade. Os homens que estão aqui são diferentes dos vira-latas fora de controle nos confins da cidade. Eles se tornaram Humanos Malignos ao buscarem a graça de nosso Lorde, o Deus Maligno, por vontade própria.

Oh, agora eu entendi. Então realmente era o título o que diferenciava os dois tipos. Os escravos eram aqueles que foram forçados em uma transformação, ao mesmo tempo que eram privados de sua razão, ao passo que os servos eram aqueles que aceitaram o poder do Deus Maligno por vontade própria.

Luzerio tinha um título dizendo que ele era um Servo do Deus Maligno, então ele provavelmente manteria sua sanidade também. Whew, graças a Deus nos livramos dele antes que ele terminasse sua transformação.

— Condições para transformação?

— Normalmente, eu perguntaria o porquê você achou que eu te diria isso, mas eu também posso te fornecer a resposta como recompensa por chegar até aqui.

— Chega de discurso supérfluo.

— Que resoluta você é para uma mera garota, mas, tudo bem. Na realidade, é muito fácil para qualquer um evoluir para um Ser Maligno se ele assim desejar. Tudo o que você tem que fazer é beber a Água Mágica do Deus Maligno que eu por acaso fui capaz de criar. Depois disso, tudo o que deve ser feito é que eu te dê um pequeno empurrão. É isso. Simples, não?

Muito simples. Simples demais na verdade. Isso é mesmo tudo o que é preciso para um humano se tornar um tipo de Ser Maligno? Deve ter mais alguma coisa se isso for mesmo tudo. Eu tenho certeza que Rynford não é o único Mestre das Artes Malignas, então se for assim tão fácil, então deveria ao menos haver um pouco mais de reconhecimento deste tópico. Entretanto, esse não parecia ser o caso, considerando o fato de que nem Rhodas nem Dannan pareciam saber muito sobre esse fenômeno. Em outras palavras, o conceito de Seres Malignos não se espalhou muito. Isso simplesmente não poderia ser possível. Logo, a transformação tinha que ter algum tipo de condição adicional associada. Não havia como isso ser tão simples.

Rynford estava escondendo algo, e esse algo estava provavelmente ligado ao motivo para ele estar neste local.

O que foi que Luzerio disse mesmo? Algo sobre colocar Poder Mágico no centro da cidade, assim ele poderia se espalhar por completo? O que exatamente colocar Poder Mágico na cidade faria?

Eu olhei para a área atrás de Rynford, apenas para ver algo que fez eu me sentir um pouco… esquisito. Era bem difícil ver à primeira vista, mas ele desenhou um círculo mágico no chão.

Com o uso da habilidade Feitiçaria, eu consegui traçar seu fluxo de energia. Ele parecia estar tomando o Poder Mágico maligno de Rynford e o dispersando. Resumindo, ele estava fazendo exatamente o que Luzerio descreveu; ele estava espalhando Poder Mágico através da cidade. A forma como o círculo mágico estava colocado quase fazia a cena parecer um tipo de ritual, e o citado ritual devia se referir ao empurrão que Rynford citou antes.

— Sua pequena exibição foi bem interessante garota. Que tal isso? Você gostaria de ser uma subordinada minha? Eu te garantirei muito mais poder do que você tem agora.

— Seu objetivo?

— Maravilhoso, que resposta rápida! Eu vejo que você ainda está agindo com prudência, mas isso é algo bom. Muito bem, eu vou te contar o meu objetivo. Meu objetivo é reviver nosso salvador, o Deus Maligno, e obliterar tudo o que este mundo tem a oferecer!

— !!!

— É provavelmente o que você pensa, não é?

Rynford apenas repetiu o que Luzerio tinha nos dito. O objetivo dele não era reviver o Deus Maligno, mas sim espalhar seu poder divino através da terra.

Ele não tinha interesse em qualquer propósito que envolvesse fanatismo religioso excessivo; ele não planejava destruir o mundo ou mergulhar todos os cidadãos em desespero em nome da glória de seu Deus.

— Bom? Que tal isso? Eu vou te dar todo o poder que você busca se você escolher o caminho da subordinação. Eu posso até te dar uma evolução, embora ela acabe sendo uma que desvie um pouco da norma.

— Nn. Recusado. Não me tornarei subordinada.

— Tem certeza? Você intencionalmente recusará a evolução, apesar de ser uma integrante da tribo dos Gatos Negros, a tribo cujos membros são conhecidos por não serem capazes de evoluir de forma natural?

— Nn? Exijo explicação.

— Eu me lembro de escutar que sua tribo foi há muito abandonada por Deus, e assim, perdeu a capacidade de evoluir². Eu não posso garantir a autenticidade dessa alegação, mas isso é o que eu ouvi.

— …

— Eu tenho a capacidade para permitir que você receba uma evolução, e, além disso, uma imediata.

Rynford ofereceu a Fran uma de suas mãos velhas e enrugadas enquanto um sorriso enorme aparecia em seu rosto.


Notas

[1] Napalm é um conjunto de líquidos inflamáveis à base de gasolina gelificada, utilizados como armamento militar. O napalm é na realidade o agente espessante de tais líquidos, que quando misturado com gasolina a transforma num gel pegajoso e incendiário.

[2] Fran contou mais detalhes sobre seu passado e a evolução dos Demi-Humanos no capítulo 13.



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