Magna Ordem Brasileira

Autor(a): Tomas Rohga


Volume 1

Capítulo 4: Desolado

Thales achava difícil atuar na comédia trágica em que sua vida se transformou. Jogava Xadrez apenas algumas horas atrás, criando perguntas em sua cabeça sobre estar no corredor escuro de um castelo abandonado e com uma faca na mão.

Os braços do garoto tremiam a cada passo, fitando a tela que brilhava à frente dele semelhante a um GPS. O ponto branco seguia na direção do vermelho e piscante, mostrando que ele continuava no rumo certo.

Os gritos haviam cessado pelos corredores, mas não as lamúrias, deixando Thales em estado constante de alerta, à espera de que outra criatura surgisse e o atacasse de repente como aquela aranha.

Cinco minutos de tensão se passaram, porém, nada mais aconteceu. Na verdade, ficou surpreso com a falta de indício de criaturas, como se o restante do castelo estivesse profundamente morto, ocupado apenas por ratos e morcegos comuns e a umidade fria de uma fortaleza esquecida pelo tempo e pelos deuses.

Então dobrou o último corredor indicado por Mitty, notando que a luz vermelha do mapa terminava em dois enormes portais de pedra já escancarados.

Ele não conseguia enxergar muita coisa além das entradas, mas o espaço parecia se transformar numa grande área plana, como uma arena pedregosa encaixada no coração do castelo. Contudo, mesmo àquela distância, podia sentir a enorme opressão que emanava do local, e cada nervo de seu corpo avisava “perigo”.

Uma gota de suor escorreu de sua têmpora e ele engoliu saliva, mais uma vez tentado a desistir da missão, mas o grito de socorro ecoou novamente, impedindo-o de dar meia volta e sumir.

Thales não se considerava o maior dos corajosos, mas ainda tinha humanidade e, no final das contas, a missão requisitava apenas que ele salvasse a pessoa que gritava, não enfrentasse o que quer que fosse. Podia simplesmente agarrar o sujeito e sair correndo igual doido dali.

Finalmente atravessando os portais, o garoto foi golpeado pelo espetáculo de horror à sua frente. Naquele momento, uma parede luminosa desceu sobre a saída do lugar.

 

«!»

Missão Secreta atualizada para >>> Dungeon Secreta

Requisitos: Derrote a Rainha Desolada

Recompensas: ???

Aviso: Se o Jogador desistir da Dungeon, morrerá imediatamente.

Aceitar?

>Sim / Não «Game Over»

 

Os detalhes da tarefa o revoltaram. Aquilo nem era uma escolha de verdade. Tá querendo me foder, me beija! Thales engoliu a raiva a seco, apertando abatidamente no “Sim” da tela.

Teria que lidar com uma Rainha agora? Aquilo o deixava nervoso, uma vez que a Dama — ou Rainha — era brutalmente a peça mais poderosa do Xadrez. Tudo era insano naquela situação, desde a mensagem até o cenário que se abria para ele.

Na sala da arena, encontrou cinco pessoas espalhadas pelo piso pedregoso — três homens e duas mulheres — com suas armas e armaduras destruídas e o sangue vazando através dos membros dilacerados. Nenhum deles se mexia.

Além dos guerreiros, Thales também distinguiu o provável causador daquilo tudo, ou melhor: a causadora.

Uma guerreira alta, vestida dos pés à cabeça com uma esguia armadura negra adornada pela saia esfarrapada e pelos cabelos prateados que lhe escapavam do elmo, havia encurralado a última pessoa viva do lugar: um homem loiro com trajes nobres encolhido contra a parede.

— Não… — choramingava ele, protegendo o rosto com as mãos. — Por favor, não me mate…

O garoto reconheceu que os ecos de socorro partiam do sujeito desde o início, mas achou que fosse tarde demais. Avistou a mulher de armadura erguer a espada ensanguentada acima do elmo, que lhe ocultava a face, ao mesmo tempo em que os atributos dela saltavam na janela de Thales.

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Status

Nome: Kalyna       Elo: 140%

Idade: 1036       Classe: Rainha

Raça: Humano «sob Maldição»       Graduação: Diamante

Título: A Desolada

 

Vida: 25.130       Mana: 17.817

 

Força: Error       Destreza: Error

Resistência: Error       Magia: Error

Cansaço: Error

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Thales não precisou olhar duas vezes para entender que seria impossível derrotá-la. Sim, morreria ali mesmo. De novo.

Ele tentou retornar, mas a parede luminosa bloqueou a passagem, consciente de que estava prestes a assistir a Rainha cortar o último dos sobreviventes ao meio. Foi ali que a adrenalina de Thales atingiu seu ápice, desligando sua compreensão de perigo. Esticou o braço e berrou sem pensar:

— Espera!

A mulher, que mais se assemelhava a um pesadelo de armadura, deteve a longa espada no fim do caminho, pausando a execução do nobre a centímetros de sua cabeça.

Lentamente, virou o pescoço na direção do grito, golpeando o jovem com seu instinto assassino no formato dos olhos que faiscavam de vermelho. O pior de tudo, no entanto, era a fumaça que lhe escapava pela fenda do elmo. De algum modo, Thales sabia que ela estava puta da cara, e que a promoção de atributos seria completamente inútil. O que um fraco Elo 2 podia fazer contra alguém em 140?

Sem muitas opções naquela situação de merda, resolveu arriscar sua primeira ideia, decidindo pelo atributo ainda não utilizado. Trêmulo, Thales passou a Faca de Aracne para a canhota e apontou a palma da direita para Kalyna. É assim que funciona nos jogos, não é?

Escolhendo a promoção da Magia, cuja Promo se transformou na palavra Bispo, ele rugiu contra a guerreira:

— Soltar poder mágico! — Houve um segundo de expectativa, mas nada aconteceu de verdade. — Estupefaça! Abracadabra! Kamehamehaaaa!

Um grito vergonhoso. O som cresceu pela arena e morreu patético, e a marcha inexorável de Kalyna, a Rainha Desolada, voltou a ser o único ruído sob as paredes de pedra, aproximando-se com aquela armadura negra e a espada ensanguentada apoiada no ombro; o cabelo esvoaçante e prateado, quase fantasmagórico.

Ainda com os dedos esticados, Thales a encarava mais trêmulo a cada passo que ela dava, imaginando o que devia fazer para ativar o seu poder, afinal, os demais atributos haviam funcionado perfeitamente. Como é que os magos fazem nos jogos?

Tendo uma ideia mais clichê, mas bem menos idiota, limpou a garganta e vociferou:

Bola de fogo!

Entretanto, algo inesperado aconteceu. Em vez de surgir sobre a mão aberta de Thales, sentiu a faca vibrar e esquentar na canhota. Num estalo de compreensão, apontou-a na direção de Kalyna no momento em que a lâmina estava para derreter, adquirindo um perigoso tom de incandescência.

Subitamente, o metal explodiu na mão dele, fundindo-se a uma esfera de fogo do tamanho de um pomelo. O cabo ficou para trás enquanto as chamas rodopiavam pelos ares como um projétil de canhão luminoso.

Booom!

As labaredas atingiram em cheio no peito de Kalyna, que não fez questão de desviar, enchendo a arena com fumaça cinza e pó de pedra.

 

«!»

O item «Faca de Aracne» foi destruído.

 

Diante do aviso, Thales descartou o objeto, correndo apressado até o nobre encolhido.

— Você tá bem? — perguntou depressa. — Vamos, a gente tem que sair daqui.

— A-ali — balbuciou o homem, apontando além das costas do garoto.

Uma gota de suor escorreu da testa de Thales. Não precisava se virar para saber a razão do pavor do sujeito, mas o ataque havia sido tão fraco àquele ponto? Imaginou ao menos que poderia atrasá-la.

Finalmente olhou na direção indicada, encarando a figura tenebrosa de Kalyna.

Por Deus! A armadura dela nem arranhou, pensou desolado.

O garoto raciocinou depressa, o homem parecia em condições de correr, portanto, se não podiam vencê-la, só precisava distraí-la até que escapassem.

Esticando a palma da mão pela segunda vez, ele apontou para ela.

— Bola de Fogo! — Mas nada aconteceu novamente.

Thales piscou surpreso e, repetindo a cena do assaltante no banheiro, não houve tempo para uma segunda ideia. Teve que proteger os olhos da pressão súbita do vento, pois, de um instante para o outro, a armadura de Kalyna se materializou diante de si, mostrando uma velocidade absurda.

Com o susto quase escapando numa diarreia, Thales foi agarrado pelo pulso direito. Tentou se desvencilhar desesperadamente, mas o aperto da mulher tinha força de guilhotina.

— Aaaaaaaaaah! — O braço do garoto foi esmigalhado como um graveto, mesclando ossos quebrados num ensopado grotesco de carne e sangue.

Ele revirou os olhos, incapaz de raciocinar direito ao ser tragado para os domínios da dor. Tudo se transformou naquela sensação dilacerante, contudo, num ato extremo de vontade, conseguiu extrair as últimas forças da consciência para usar a Promo em Resistência, fazendo o atributo subir em mais de 1100 pontos.

Entretanto, de nada pareceu adiantar. Thales foi elevado do chão como uma peça de açougue, ainda agarrado pelo braço, e atirado violentamente contra a parede do outro lado, criando um círculo de destruição ao redor do impacto. O grito dele se engasgou ao sangue que verteu da boca, despencando pesadamente no chão.

 

«!»

O Jogador recebeu Dano Crítico «95%».

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Vida: >>>18/360       Mana: 210/280

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Os passos metálicos de Kalyna tornaram a ecoar pela arena. Ela não tinha pressa para lidar com a situação, deslizando como o prenúncio da segunda morte de Thales.

Sentindo várias costelas quebradas, as narinas do garoto se inflaram com o cheiro nauseante da ferrugem, vomitando uma dose avermelhada do próprio estômago.

Thales tentou se arrastar, mas a dor parecia capaz de dividi-lo ao meio.

Não havia escapatória. A Rainha encurralou o Peão.



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