Volume 1
Capítulo 2: Escolhas
Thales se levantou de sobressalto, protegendo o rosto do sol e da mensagem flutuante de “Olá”. Ele coçou os olhos com força, achando que o holograma fosse uma espécie de delírio.
— O quê? Que que é isso?!
«!»
Sou Mitty, o sistema-entidade designado para auxiliar o Jogador em sua jornada. Deseja fazer outra pergunta?
>Sim / Não
— Eu… Eu tô vivo? — Assombrado, Thales conferiu a existência das próprias mãos.
O Jogador está vivo.
Não só vivo como mudo, tão perplexo com o próprio coração ainda funcionando no peito que não conseguia nem forçar a própria voz. Ele tinha um milhão de perguntas atravessando o cérebro, encarando aquela janela maluca de diálogo ainda pairando na sua frente. Thales não demorou para relacionar a coisa toda com um daqueles menus de games RPG, embora conhecesse poucos deles, tendo sacrificado boa parte do tempo para treinar e melhorar no Xadrez.
Balançou a cabeça de um lado para o outro, tentando reorganizar as ideias enquanto apalpava o próprio peito. Tinha certeza que fora crivado de balas somente alguns minutos atrás, mas ali estava ele: vivinho da Silva. Inteiro dos pés à cabeça com as vestes de camponês sem nem um furadinho que fosse… ‘Pera, ele ergueu uma sobrancelha. Vestes de camponês?
Mais inexplicável que a mudança das roupas, Thales finalmente deu uma boa encarada ao redor, percebendo com espanto que, de algum modo, estava no hall de entrada de um grande castelo em ruínas — ou, pelo menos, achava que fosse um. As paredes da construção pareciam tão antigas e castigadas pelo tempo que a floresta exterior invadia o local sem pedir licença, atravessando as janelas, enrolando-se por baixo da velha tapeçaria e envolvendo a construção com uma boa camada de musgo.
— Isso… é um sonho?
O Jogador está acordado.
A mensagem surgiu de novo através de uma tela flutuante.
— Jogador? Eu tô dentro de um jogo?
O Jogador está no mundo real.
Uma ova! Tentou espantar o holograma como uma mosca irritante.
Era impossível que um ser humano sobrevivesse à gravidade daqueles tiros, o que só podia significar uma coisa: havia morrido e acordado no purgatório… Se bem que não era a concepção de purgatório que seu pai havia explicado certa vez. Com pesar, Thales suspirou, tomado por uma porção de lembranças do homem.
Expurgou a frustração num berro indignado: — Então que porra de lugar é esse?! É o Brasil? Eu morri de verdade?
A janela reapareceu.
«!»
Brasil é uma localidade pertencente ao mundo original do Jogador. Naquela realidade, ele está morto.
Localização atual:
Continente de Cablanc > Império de Sucill > Floresta da Caveira > Castelo Esquecido
Então realmente havia morrido e aparecido em outro mundo. Só esperava que seu velho tivesse levado a conversa no telefone a sério e ficado bem…
Sorrindo com tristeza, Thales considerou as demais informações pouco proveitosas. Suas notas em Geografia não eram das melhores, mas tinha certeza que nenhum continente na Terra se chamava Cablanc. Só queria sair daqui, pensou ele.
«!»
O Jogador dispõe de atributos que podem lhe ajudar. Invoque a opção «Status».
— Status? — repetiu sem entender.
Imediatamente, a janela se transformou para mostrar uma tabela luminosa com a seguinte configuração:
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Status
Nome: Thales Belacruz Elo: 1%
Idade: 16 Classe: Peão
Raça: Humano Graduação: Ouro
Título: Nenhum
Vida: 150 Mana: 120
Força: 90 Destreza: 30
Resistência: 50 Magia: 30
Cansaço: 10 Promo (??): +1077
Habilidades Passivas
O Fazendeiro: Elo > ? O Ferreiro: Elo > 7%
O Tecelão: Elo > ? O Mercador: Elo > ?
O Médico: Elo > ? O Taverneiro: Elo > ?
O Sentinela: Elo > ? O Malandro: Elo > 2%
Espaços no Tabuleiro: 64
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Naquele momento, Thales comprovou sua teoria de que as coisas funcionavam como num jogo de RPG, considerando, a princípio, um monte de informações aleatórias não fosse algumas a chamarem mais sua atenção do que outras.
Nas tais Habilidades Passivas, O Malandro e O Ferreiro se destacavam ao exigirem Elo de 2% e 7%, ao passo que as demais permaneciam incógnitas. O curioso atributo Magia também saltava aos olhos, além, é claro, de o menu afirmar que sua Classe era um Peão.
Junto a isso, seu próprio Elo brilhava em 1%, remetendo imediatamente ao Rating Elo, uma avaliação bastante precisa da força de um jogador de Xadrez, convergindo os pensamentos de Thales a uma única pergunta: estaria o jogo o perseguindo até mesmo depois da morte?
— Que droga! — Ele esfregou os cabelos enquanto xingava a própria sorte, irritado que, a cada resposta que obtinha, duas novas perguntas lhe surgiam. — No que malandragem ou entender de ferro vai me ajudar a sair daqui?!
Então notou outra bizarrice. Ao olhar para as mãos, contou alguns fios brancos entre os dedos. Puxou mais um tufo e percebeu que seu cabelo escuro havia ficado alvo como a neve.
Somando mais um infortúnio à sua lista, fez um esforço consciente para acalmar a chegada de um acesso — faltava muito pouco para ter um treco. Respirando fundo, depositou as vistas sobre a paisagem da floresta além das ruínas e começou a repetir: Eu não vou pirar… Eu não vou pirar… até o mantra ser interrompido.
Thales ouviu um barulho ecoar pelo local, achando que ouvira ruídos demais para um dia inteiro. Sentia-se mentalmente exausto.
Quando ergueu a cabeça e procurou pelo som, encontrou uma escadaria que levava para cima, terminando na estátua imponente de um homem musculoso usando capa e coroa. Ele se acomodava sobre um trono pedregoso, trazendo uma expressão séria e uma larga espada fincada no chão à frente do corpo, além da figura de um gato talhado em seu ombro direito.
A origem do barulho, porém, provinha de uma aranha do tamanho de um cão que costurava pela estátua junto aos dois pilares do tablado, criando uma longa cortina de fios de teia. De repente, a janela ressurgiu para ele:
«!»
O Jogador está angustiado e anseia por respostas.
Missão Comum: Extermine a Grande Aranha Carnívora
Requisitos: 0/1
Recompensas: Mapa do Castelo Esquecido
Aceitar?
>Sim / Não
Thales não enxergou vantagem alguma em obter um mapa daquele castelo, tampouco em enfrentar uma aranha-cachorro. Na verdade, estava louco para dar o fora dali, por isso apertou no “Não”. Preferia gastar energia na tentativa de achar uma saída.
«!»
O Jogador não pode recusar a sua primeira missão. Caso repita a escolha, será declarado «Game Over».
Aceitar a Missão?
>Sim / Não «Game Over»
O garoto soltou o ar com frustração. Incapaz de acreditar na mensagem. Tinha mesmo opção?
— Que desgraça… — Clicou tristemente no “Sim”.
«!»
Missão «Extermine a Grande Aranha Carnívora» iniciada.
— Carnívora… Que beleza. — A ironia desceu a seco.
Thales havia deixado o sal de sua realidade para cair no caldeirão borbulhante daquele novo mundo.