Volume 1 – Arco 2
Capítulo 36: Porto Apoador
Edmundo finalmente havia alcançado o seu destino. Chegou até a morada do Armeiro na distante região de Porto Arpoador, uma antiga e vila de pescadores de baleia. Abatido pela longa viagem e com um ferimento na cabeça o homem desabou inconsciente após encontrar a filha do velho ferreiro.
No dia seguinte ele despertou cedo. Estava numa cama quente e confortável. Levou a mão a nuca e sentiu um curativo protegendo o ferimento. Um pouco zonzo o homem levantou-se e em passos curtos foi em direção a porta do quarto.
Era uma rústica casa de madeira. Apesar da nevasca forte que podia ser ouvida pelo lado de fora e que batia com vontade contra as janelas como se quisesse entrar, a casa era quente, clara e aconchegante.
Mais alguns passos e Edmundo chegou na sala.
— Então você já está de pé? – perguntou um velho sentado numa grande poltrona fumando um cachimbo. Ele era baixinho, forte e calvo com apenas um punhado de cabelos ruivos que rodeavam a sua nuca.
— Agradeço muito por ter me ajudado — disse Edmundo indo em direção ao velho.
Uma jovem se aproximou conduzindo Edmundo, indicou uma cadeira.
— O senhor está bem? — perguntou a moça.
— Não se preocupe Kaia, esse daí é durão.
— Mesmo assim ele precisa descansar. Vou preparar um chá, o senhor também quer, pai?
— Chá? Traga bebida de homem para o nosso convidado! Não é por causa de um arranhão desses que nós vamos negar a nossa melhor hospitalidade.
A garota hesitou por um segundo e encarando o sagaz aguardou por uma confirmação.
— Traga o chá mesmo. A bebida pode ficar para uma outra hora — disse Edmundo.
— Vai garota, atenda o nosso hóspede! — respondeu o velho em tom contrariado.
— Sim pai — disse a jovem saindo da sala.
— Foi um golpe e tanto na cabeça. Vai me dizer que caiu do trenó no meio da nevasca? — perguntou o velho entre uma tragada e outra do seu cachimbo.
— Antes fosse, foi um golpe que levei pelas costas.
— O outro está morto? Espero que esteja.
— Não, eu não achei que fosse o caso, responder com sangue.
— Se o ferimento que ele te causou não foi o suficiente, fico imaginando o que seria.
— Ele parecia um pouco perturbado, falava de coisas que eu não consegui compreender muito bem.
— Loucos! Tem muitos espalhados por aí. Se tivesse decapitado ele com o seu machado, teria feito um favor para todo mundo, inclusive para ele.
— Talvez, mas não foi isto que me trouxe aqui — respondeu Edmundo procurando por seus pertences.
— Também não foi a sua arma, o fio o do machado está impecável. Já conferi.
Edmundo levantou-se e então foi em direção da bagagem que foi tirada de seu trenó e colocado num canto da sala, separou então um objeto comprido coberto por um pano.
— Armeiro eu preciso que repare isto urgentemente — disse entregando o pacote para o velho.
— Vejamos — disse o velho ferreiro colocando o cachimbo na mesa e desembalando o pacote. — Pelos deuses! Porque me trouxe uma arma de criança? — respondeu ao perceber que se tratava de um florete.
— Garanto que não é meu.
— Qual o problema deste espeto?
— Tem algo na ponta dele.
O velho forjador então tirou a espada de sua bainha. Conforme fitou o corpo da espada a expressão do homem foi se alterando. De total desprezo a feição passou para incrível surpresa.
— Aonde conseguiu isto?
— Não é minha eu já disse, apenas estou fazendo um favor.
— Que não é sua eu já sei! Acredite, você não conseguiria comprar uma destas com todo o ouro que tivesse ganho em três ou quatro vidas. Quero saber aonde você conseguiu isto!
— É de uma amiga do príncipe Rafael. Qual o problema?
— Amiga? Sei, deixe-me ver uma coisa. — o Armeiro então voltou a analisar o copo e o punho da arma. — Está vendo isto aqui? Está vendo estes dois brasões?
— O que tem eles?
— O primeiro que parece uma flor estilizada em forma de escudo, este é o símbolo da família que encomendou a forja da arma e provável proprietário original, já este outro, composto por uma meia lua dentro do escudo é o símbolo do antigo império continental, isso quer dizer que a família estava submetida ao imperador.
— Pensei que o símbolo do antigo império fosse o punho apontando para cima — respondeu Edmundo surpreso.
— Isso foi depois, na época do primeiro imperador eles utilizavam a meia lua.
— Isto é da época da unificação do Oeste?
— Isso. Excetuando Polaris você deve saber que todos os outros reinos do Oeste um dia fizeram parte de um único império e esta espada eu diria que é deste período. O império foi desfeito já a bastante tempo então esta peça já deve ter alguns séculos de idade, talvez algo em torno de setecentos anos. Consegue calcular o valor disto?
— E quanto a ponta dela?
— Durante um tempo essa prática foi muito comum, simbolizava boa-fé. Inutilizavam as armas para celebrarem longos períodos de paz duradoura, por fim acabava se tornando uma peça de decoração.
— E no corpo da espada o que são estas inscrições? — perguntou Edmundo.
— Não saberia dizer, acho que é algum dialeto antigo, pode ser o nome do forjador, nome da espada ou até mesmo o nome do dono da arma. Isso foge dos meus conhecimentos.
— Já estou espantado que saiba de tanto.
— Hoje você pode achar que eu não passo de um ferreiro escondido no fim do mundo, mas forjar armas é a minha vida e durante a minha juventude passei por muitos lugares, aprendi tudo o que poderia sobre armas, armaduras e todo e qualquer artefato de uso militar. — Nesse momento Kaia entrou na sala e colocou uma xícara de chá sobre a mesa. — Infelizmente este é um conhecimento que morrerá comigo — concluiu o homem encarando a filha que ignorava por completo o conteúdo da conversa.
— Obrigado — disse Edmundo para a jovem.
— O que quer que eu faça com ela? — perguntou o Armeiro.
— O jovem mestre pediu para que você devolvesse o “dom natural da arma”, foram as palavras dele.
— Levará alguns dias, mas será uma honra.