Volume 1 – Arco 2
Capítulo 34: Dádiva
Naquela tarde todos se preparavam para partir. Os refugiados iriam seguir a oeste para finalmente chegar às terras de Álbion. Edmundo e eu nos preparávamos para retornar ao norte. Enquanto Lana e Aline seguiriam para o sul.
Mais tarde com a cabeça mais calma tentei novamente falar com Lana. Edmundo e eu fomos então até a garota:
— Olá. Podemos falar com vocês?
Lana ajudava Aline a separar alguns mantimentos quando então levantou-se e disse:
— Diga.
— Eu vim me despedir, nós vamos retornar para Polaris.
— Sei.
Senti vontade de responder a altura toda aquela indiferença, mas então olhei de relance para Edmundo, ele censurou-me apenas com o olhar e foi o suficiente para entender.
— Também quero pedir desculpas.
Lana olhou desentendida e falou:
— Desculpas? Por?
— Eu realmente não sei direito quem é você ou do que é capaz, mas ir em direção a guerra me pareceu uma loucura — disse. — Falei sem pensar e acho que te subestimei um pouco.
— Um pouco? Eu diria bastante! — por um segundo eu jurei que ela não iria parar nunca com as críticas quando então ela tornou a falar. — Está bem. Eu acho que também exagerei nas grosserias. Eu sei que você está apenas tentando nos ajudar, mas não é por que sou mulher que você precisa ficar com dó de mim, ou qualquer coisa assim.
— É exatamente o contrário do que você está pensando! Escute, está na cara que ambos somos espadachins. Inclusive eu acho que foi esse o motivo que me manteve aqui até agora. Nunca vi uma esgrimista como você!
— Ainda mais utilizando uma arma com tamanha desvantagem – acrescentou Edmundo apontando para a espada presa a cintura da jovem. — Este florete que você carrega, me parece uma bela arma, mas a falta de fio e essa esfera de metal na ponta a torna ineficiente.
— Ainda mais indo para aonde vocês vão. Escute eu conheço um ferreiro muito competente em Polaris, ele poderia recuperar a sua arma completamente — disse.
— Eu não sei, não posso perder mais tempo… — disse Lana surpreendida pela proposta.
— E eu não digo isso por piedade. Você está indo para o meio de uma guerra, você precisa de uma arma a altura deste desafio. Você já provou que é capaz de fazer incríveis proezas com o florete neste estado. Mas a que custo? Suas costas ainda não doem pelo corte que você recebeu? Hoje eu notei a dor que você sentiu ao ser arremessada contra aquela árvore. Imagina o que faria com uma arma perfeita?
— Bem… — Lana balançava a cabeça em teimosia, por mais coerente que eu fosse.
Então saquei minha espada da cintura e estendi o punho a Lana.
— O que? — disse a jovem surpresa.
— Ofereço minha arma como garantia! Já que não pode ir até Polaris, permita que eu leve a espada para que seja reparada. Dito isso eu não posso pedir que fique longe de sua lâmina se eu também não puder fazer o mesmo. Aceite minha espada, até que a sua esteja completamente restaurada e eu possa lhe devolver.
Os olhos de Lana brilharam, ela ficou sem reação, todos ficaram.
— Eu não posso aceitar. É uma responsabilidade muito grande — disse ela fitando a espada já notando que não se tratava de uma arma qualquer.
— É uma responsabilidade que está a sua altura. Tenho certeza de você vai cuidar bem dela até que eu retorne com o seu florete — disse estendendo novamente a arma. — É um acordo entre espadachins.
Lana empunhou a espada, e pode apreciar a peça, seu punho estriado prateado com a ponta do cabo da espada em forma de uma cabeça de urso estilizado, e sob a bela guarda da mão nascia uma lâmina transparente que reluzia como o cristal, extremamente afiada e longa e em seu corpo uma inscrição:
— Glacial! É nome desta espada? — murmurou Lana.
— Sim! Aqui está a bainha.
— Parece tão frágil — vacilou Lana com a espada na mão.
— É como um cristal de gelo, mas não a subestime, ela é mais resistente e mortal que qualquer aço que já tenha visto.
— Espere. Por que eu? Por que está fazendo isso por mim? — indagou Lana.
— Porque você é especial. Você é incrivelmente talentosa. Um grande espadachim deve saber reconhecer outro grande espadachim.
Lana sentiu-se envergonhada, seu rosto corou e ela baixou a cabeça querendo ocultar a face. Ela então guardou a lâmina em sua bainha, prendeu-a em sua cintura por meio de uma tira e me entregou o florete e disse:
— Isto é mais do que uma arma. É um tesouro de família. Por favor, restaure-a.
— Confie em mim. Sua arma estará nas mãos de um grande ferreiro e tão logo possível eu a devolverei.
— Obrigada — respondeu a moça ainda encabulada.
Após mais algumas despedidas cada grupo seguiu para um lado. O povo refugiado rumou para as terras de Álbion, Edmundo e eu seguimos novamente para o norte enquanto Lana, Aline acompanhado pelos dois meridianos, seguiram para o sul.
— Agora eu entendi tudo — falou Ricardo após ouvir atentamente os relatos de seu irmão. — Seu idiota, você realmente ficou treinando todos os dias em Porto Celeste.
— O que?
— Ninguém seria tão generoso a ponto de confiar a própria espada a uma desconhecida. Sua inexperiência deixou você enfeitiçado por uma garota e agora a razão lhe atormenta pela fé depositada ingenuamente.
— Mas…
— E nem tente me dizer que ela é diferente ou algo assim. Agora que o calor da emoção esfriou com o tempo, não vejo convicção nenhuma em seus olhos.
— Você não entendeu nada.
— Como não?
— Eu não estou preocupado com a espada. Fiquei anos, a maior parte da minha vida na academia de esgrima de Porto Celeste. Eu fui forjado um espadachim acima de qualquer coisa neste mundo, o que eu fiz está feito e não me arrependo disso — declarou Rafael. — É ela que preocupa de verdade.
— Bem, se está tão certo disso… quem sou eu para censurá-lo. Mas eu preciso lembra-lo que você colocou a espada, um tesouro de família em segundo plano por causa de uma mulher. É uma atitude nobre eu admito, mas espero que jamais coloque o reino ou a própria família em segundo plano por conta de uma mulher desconhecida.
— …
— Grande espadachim e linda mulher. Com certeza não é todo dia que encontramos essa combinação. Só espero que saiba exatamente o que está fazendo irmão — disse Ricardo pousando a mão no ombro de Rafael. — O vento está ficando mais forte. Eu vou entrar, você vem?
— Depois irmão. Ainda quero ficar mais um pouco sozinho. A propósito, eu ainda não te agradeci por ter intercedido com o nosso pai.
— Sobre? — perguntou Ricardo intrigado.
— Sobre a espada, sobre a viagem de Edmundo. Não sei exatamente o que você disse ao nosso pai, mas obrigado. Ele sequer questionou o fato de eu não estar portando glacial.
— Está agradecendo a pessoa errada, irmão. Eu não disse nada.
— Espere! Se não foi você, quem foi? — perguntou Rafael confuso.
— Ainda não está claro? — disse Ricardo deixando o irmão sozinho no alto da torre.