Volume 1
Capítulo 9: Embarcação
Voltei ao local das embarcações e aquele comércio, antes movimentado, parou.
Barracas estavam destruídas, a água estava com diversos destroços e mercadorias se espalhavam por todo o lugar.
Pelo menos ninguém estava ferido. As pessoas apenas se amontanhavam para verem o motivo de toda a confusão: embarcações brigavam entre si.
Arranhões de garras enormes eram desferidos, mordidas arrancavam pedaços de construções e, no meio de tudo, o barco-vivo de Sisa arrebentava tudo que via na frente.
A criatura, antes cor de outono, estava raivosa como alguém sem água de coco no verão.
— Ei… — Esmael cutucou as costas da moça. — Ele não iniciou isso tudo, né?
Sisa afirmou com um sorriso de nervoso.
Após a notícia, vi apenas água e seiva descendo pela pele deles. Até eu comecei a suar, por um bom motivo.
Alguns dias atrás, ouvi rugidos e mugidos do meu novo quarto. Fiquei assustado e fui chamar Elideus.
Ele me explicou uma situação que acontecia com frequência em Inferno. Transportes brigavam por diversos motivos e causavam prejuízos enormes a cidade. Infelizmente, custos eram gerados no processo.
Quem pagava por todos os danos não eram os cofres da cidade, mas sim o responsável ou a responsável pelo transporte que iniciou a confusão.
— Sinto muito… — Esmael deu tapinhas nas costas de Sisa. — Você está oficialmente falida.
Dei passos para trás, pois a moça pegou um pedaço de osso no chão e o ergueu para cima. Com uma das mãos soltas, ela apontava para um colar brilhoso no chão e para o xenoprago.
— Muita calma nessa hora. Sei que tenho uma dívida com você que dá pra comprar Linfrutes inteira, mas não tenho dinheiro agora. — Esmael fez uma bacia de escudo.
Fui para perto da moça e abaixei o seu tacape ao pular.
— Vamos tomar um suco de maracujá e deixar os ânimos de lado. Não dá pra piorar, né? — perguntei e um som de sirene saiu atrás de mim. Virei de costas.
Biodemônios e xenopragos de uniformes cinzas e cabelos espinhosos chegaram perto de nós.
Assim que uma mulher ficou rente a mim, Esmael entrou na minha frente.
— Como posso ajudar? — questionou.
— Eu, sargenta Rub, e meu pelotão temos uma multa pra aplicar. — Ela estendeu seu braço e projetou um relatório.
— Nesse caso, não poderei ajudar. — Ele ia saindo de fininho, mas uma trança passou por mim e o puxou.
— Sabemos que sua amiga ali é a dona do culpado de tudo. Que tal ajudá-la na conversa?
— Pode ser, mas saiba que é por livre e espontânea pressão.
Fiquei perto deles e duas coisas me preocupavam: o resultado que teria o bate-boca e quem pararia a confusão das criaturas.
O barco-vivo de Sisa ainda destruía tudo e todos.
Chegou a um ponto que me escondi atrás de uma barraca para não ficar sem cabeça. Pedras e ossos voavam para todas as direções.
O impressionante era que enquanto o fim do mundo rolava, Esmael tagarelava como se nada acontecesse.
Na verdade, apenas eu corria de um lado ao outro tentando sobreviver. Em minha volta, os biodemônios e xenopragos arrumavam suas coisas e andavam normalmente.
— A confusão começou quando ela decidiu comprar um alimento, né? — perguntou Rub.
— Exatamente. — Esmael olhou para Sisa. — Quando ela abasteceu o barco dela, ela decidiu dar uma volta.
Sisa colocou a mão na cara; e eu no meu joelho que acabou de levar uma cabeçada de uma criaturinha fugindo.
— Ninguém vai parar esse caos não? — perguntei.
— Calma aí, garoto. Acabamos de chegar. Estamos sem fôlego — falou um xenoprago de uniforme cinza.
Ele estava suado assim como Rub que interrogava Esmael.
— Sua amiga deixou a comida pro animal e…
— Depois de voltar da volta, ela ficou revolta da vida, porque foi uma reviravolta e tanto. Uma hora, tudo estava normal, em outra, uma zona — explicou o xenoprago.
— Ou seja, o barco dela ficou maluco enquanto ela dava uma saída. — A mulher estava de braços cruzados. — Sinto muito, mas a multa será aplicada.
— Espera aí… — Esmael estendeu a mão para frente.
— Pelotão, favor arrumarem a bagunça e recolher o veículo até que paguem a multa. — Deu passos para trás e foi embora, mas sem usar os pés.
Rub curvou seu pescoço. Percebi seus fios de cabelo engrossarem na hora e tomarem conta do seu corpo como uma armadura.
Ela deu uma cambalhota e começou a rolar rápida feita um pneu espinhoso.
O pelotão perto de mim fez a mesma coisa, mas não para saírem do local.
Eles rolaram em direção às embarcações, que estavam em terra.
Rápidos, atingiram a cabeça dos seres e os desmaiaram. Se as criaturas tivessem mais focadas, talvez o resultado tivesse sido outro, tenho certeza disso.
Parando de devorar uma barraca, o barco-vivo de Sisa percebeu um biodemônio rolando em sua direção e abriu a boca.
Nhac!
Foi feio de se assistir. No momento, virei o rosto para o lado e tampei a incubadora do meu ovo.
O pelotão inteiro se juntou em volta do barco-vivo e começaram a golpear a fera.
Depois de cinco pancadas na testa, a criatura desmaiou.
Corri para perto de Esmael.
— Ele matou o cara! — desesperei.
— Calma. Coisas assim acontecem com certa frequência. — Esmael cutucou o pulso de Sisa.
Uma projeção apareceu rente aos meus olhos, cinzas.
Apesar de não entender o significado de algumas palavras, consegui perceber que era a multa.
Um valor salgado apareceu na tela.
— Antes a multa era de 400,000 falsos. Com a morte do camarada aí, foi pra 400.100 F$. Troco de pinga pra falar a verdade — Olhou para Sisa. — É uma pena que não tenho dinheiro sequer pra uma bebidinha.
Fui para perto da moça para ampará-la, mas apenas piorei a situação.
Sem querer, encostei o dedo no braço dela e abri um aplicativo.
Falsos começaram a subir na interface.
— Você não tem dinheiro suficiente também… — Esmael deu um sorriso de nervoso. — Fodeu um pouquinho agora.
Enquanto chorávamos, o pelotão levava o barco-vivo em uma jaula enorme.
Sisa saiu disparada para perto deles. Os espinhos dela se eriçaram e as suas flores desabrocharam, mas Esmael pegou no seu ombro e balançou a cabeça.
— Não quero pagar tantos trocos de pingas. — Suspirou. — Tirando o fato que, se não pagarmos a multa em um mês, o Croco vai virar churrasco, tá tudo numa boa.
— Quê? — Entortei o pescoço.
— Uhum! Falo por experiência própria. Você me perguntou naquela janta se já tive uma tarasca. Sim, já tive uma e o resultado foi desagradável quando esqueci de pagar a multa dela.
Ele bateu palmas e sentou em um banco semiquebrado.
— Ficar parado será pior. Vamos pedir um dinheiro emprestado com Elideus e resolvemos essa parada. — Estendeu o braço, porém o fechou ao aparecer um biodemônio.
Era o mesmo diabrete que vendia a criaturinha devorada por um homem horas atrás.
— Tenho uma informação interessante.
— Palatino está vivo? A tensão entre Inferno e Paraíso aumentou? Já sabemos dessas. — Esmael chegou perto do meu ouvido. — Esse daí quer apenas dinheiro por informações.
— É sobre a confusão. Talvez vocês não tenham que pagar multa.
— E quanto custará pra você desembuchar?
— Três mechas de cabelo do garoto.
— Uma.
— Duas e não se fala mais disso.
— Fechado.
Sai correndo, mas Esmael conseguiu me puxar pelo cabelo. Lá se foi metade do meu coque.
— Ei! — Dei um chute na canela dele.
— Deixa meu parasita de lado, ele é assim mesmo. Pode falar agora — se dirigiu ao diabrete. Apenas cruzei os braços.
— A moça tinha deixado a comida pra abastecer o barco dela, certo? — O diabrete recebeu concordâncias. — Ela se virou de costa e saiu. Depois de um tempo, o pedaço de carne foi roubado e a fera ficou emputecida por causa disso.
— Ou seja, podemos tacar a bomba monetária pra outra pessoa. — Esmael sorriu. — Nomes?
— Apenas um apelido: Encapetuzado. É uma pessoa pequena que fica roubando essa feirinha. Eu mesmo já perdi diversas mercadorias por causa dele. Ninguém sabe o nome ou aparência.
— Mais alguma ajuda?
— Tem chifres e usa um capuz bege.
— Boa, eliminou 0,1% dos suspeitos. — Esmael deu minhas mechas ao salafrário. — Até mais.
Dei outro chute na canela dele, pois o meu coque demorou muito para crescer. Comigo tendo razão, ele nem retrucou.
Ao afofar o cabelo, fiquei triste por um momento, mas valeu a pena perder alguns fios. Uma informação daquelas era importante, ou poderia ser importante.
A ideia de capturar o Encapetuzado passou pela minha mente. Apenas na minha.
Esmael abriu seu meliodes e começou a discar para Elideus. Dava para ver uma foto de perfil do biodemônio, ele abraçava o irmão.
Assim que os dois entraram em contato, um chiado saiu dos ouvidos de Esmael.
— Quer me deixar surdo, cabeça de bola de bilhar? — zombou.
— É porque tá uma confusão aqui no trabalho — falou Elideus.
— Dá pra continuar na ligação?
— Com um pouco — pausou e ouvi apenas um grito — de esforço, dá.
— Ótimo. Temos que pagar uma multa pra soltar o Croc. Tem 400.100 F$?
— Apenas depois do pagamento daqui 31 dias — disse triste. — Foi mal, mas terei que desligar.
— Se concentra no trabalho. — Esmael desligou o meliodes. — É… vamos atrás do Encapetuzado.