Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 2: Desconhecido

Aquele evento divertido perdeu seu brilho, pois, ao meu redor, tudo mudou.

As alterações começaram quando os ternos de prata decidiram cercar os funcionários Tino.

Por causa das suas atitudes, eles transformaram as gargalhadas das crianças em bocas perguntando por que os guardas estavam de rostos fechados, protegendo a bomba de pragas e com armas em mãos.

Eu também questionei algumas dessas questões, mas, acima de tudo, me preocupei com minha mãe.

Nunca vi ela daquela forma. Haika lacrimejava a cada vez que eu queria saber a hora de ir embora. Antes, sorria ao dizer sobre o bolo de chocolate me esperando em casa.

— O Palatino estava mentindo. Não tem nenhum biodemônio vindo, né? — perguntei oferecendo um guardanapo para ela.

— Ele falou a verdade, filho. — Minha mãe pegou o papel da minha mão e se ajoelhou perto de mim. — Mas você sabe que nosso diano nos protegerá, certo? Então não tem porquê nos preocuparmos.

— Como nos filmes dele?

— Sim. — Apontou para Palatino. — Acho melhor irmos pra perto dele.

Ela se levantou e peguei a mão dela. Apesar dela estar usando uma luva de couro de cacto, consegui sentir o suor entre os seus dedos.

Eu não estava muito diferente dela. Parei de suar apenas quando vi o cabelo ruivo mais perfeito de Paraíso, Palatino, cercado por uma multidão.

Diversas pessoas falavam com ele e sua guarda pessoal. Sempre batendo boca, paravam na mesma frase.

 — É impossível eles estarem em Paraíso — afirmou um homem de olhos vermelhos. Passou por mim e nem viu que me derrubou.

— Não se preocupe. Já, já os drones estarão de volta e bem acompanhados, eu te garanto. — Piscou para o moço.

Era àquela piscadela dada quando ele salvou todos em Paladino, uma história Palatinosa.

Ao lembrar da pipoca com manteiga de amendoim, que comi durante a sessão daquele filme, levantei cheio de energia e contive o choro.

Não tinha porquê eu me preocupar, minha mãe estava certa. Palatino sempre nos protegeu dos biodemônios e sempre nós protegerá.

Mesmo eu o vendo com alguns fios de cabelo a menos e com uma mancha de sangue no seu terno dourado depois da bomba de pragas — coisas que eu nunca tinha reparado antes — o meu diano nunca deixaria de me proteger.

Até sorri por um momento, pois um bolo de chocolate inteiro me esperava em casa. Com Palatino e seus ternos de prata, nada poderia machucar os cidadãos de Paraíso.

Ele era tão forte, que atraia até mesmo os animais mais indefesos.

Pássaros começaram a ir para nossa direção à procura do meu diano. Primeiro, veio apenas uma graviota, mas, depois, mais pássaros, de pelos pontiagudos e verdes, vieram para onde eu estava.

Não parava de surgir asas batendo em cima da minha cabeça.

O pior de tudo era que não estavam querendo pousar no ombro de Palatino. Na verdade, os animais fugiam.

Tum! Tum!

Sons de tiros surgiram da floresta. Vinham de todos os lados que eu olhava.

Direita, esquerda, frente, atrás, os socos ocos e raivosos entravam nos meus ouvidos de todas as direções.

— Pro palco! — ordenou um terno prata.

Sem muita opção, e com os sons aumentando, eu e minha família seguimos a ordem. Infelizmente, ela valia para todo mundo do evento, então ficamos presos em uma fila quilométrica à espera da plataforma de subida.

Demoraria para pormos os pés no palco, mas os biodemônios demorariam para chegar onde queriam também?

Uma série de perguntas rodeava a minha cabeça, assim como os diversos murmúrios das pessoas em minha volta.

— Palatino está aqui. Ficará tudo bem, meu amor — falou um homem de olhos vermelhos a sua filha.

— Quando a carrocinha chegar, esses vira-latas vão ver só! — Um velho em minha frente fechou o punho e rangeu os dentes.

Prestei atenção a outros comentários, mas por pouco tempo. Meu pai me virou para ele e pediu para me focar nele, na minha mãe e em mais ninguém.

Fiz sim com a cabeça, então abracei Haika e me concentrei nela. Seus braços estavam quentes como o perfume dos seus bolos e cookies de chocolate — por algum motivo o cheiro deles parecia distante.

Por outro lado, depois da fila diminuir e eu consegui subir na plataforma, os drones pareciam próximos. Eram quatro no total.

O nosso reforço se aproximava pelo céu de whisky, uma forma comum de dizer o quanto olhar o bege entre as nuvens deixava qualquer um tonto.

Os murmúrios diminuíram devido a vinda deles; os tiros também.

— Aproximem pra embarcarem! — advertiu um terno prata. — Primeiro o nosso diano.

Após um tempo, os transportes apareceram em cima da minha cabeça. O vento de seus propulsores balançou meu coque. Se eu não o tivesse prendido bem, estaria solto.

Olhei animado para meu pai, pois uma sensação de alivio tremenda tomou conta de mim. O ventilador gigante dos drones realmente funcionava.

Ficando um pouco mais frio, esperei eles chegarem mais perto.

Uma manobra automática e os drones sem piloto abriram suas portas.

Eu consegui contar quantos nanosegundos elas demoraram para descer por completo. Não por ser um gênio da matemássica, mas por minha esperança de voltar para a casa ter ido embora.

De dentro do transporte, haviam dezenas de pessoas, entretanto estavam desmembradas em centenas, talvez milhares. Era uma cena que me fez vomitar.

— Puta merda! — gritou Palatino.

O susto do diano não foi o único, pois todos os seus funcionários berraram em desespero.

O clima quase-calmo se transformou em um clima de pura desorganização e medo. As pessoas correram para a floresta, alguns foram para dentro do drone e outros ficaram parados perto de Palatino, como a minha família e eu.

Todos se depararam com a mesma ocasião: ficar de frente a frente com biodemônios, de uma forma direta ou indireta.

A minha família não foi a primeira a encará-los, pois vi qual foi.

Aquela criança medrosa do arrozfálo e os seus pais foram os primeiros a entrar na mata.

Ouvi apenas tiros na direção onde foram.

Segundos depois dos disparos, tampei os ouvidos para amenizar o peso no meu peito após um grito afinado. Fiquei parado por um instante nesse estado, mas logo meu pai me sacudiu.

Mesmo eu não querendo, a minha atenção foi retomada.

Talvez ter ficado naquele estado congelado para sempre fosse melhor, porque surgiu um barulho intenso de botas subindo dentro do drone e uma dor forte no meu corpo após decolarem e explodirem.

— Pai… — Segurei a mão trêmula de Mustang. Ele suava e olhava para todos os lados.

— Dará tudo certo. Não se preocupe — falou e olhou para minha mãe. — Haika, fique grudada ao nosso filho e vice-versa.

Ele se distanciou de nós e foi para perto do nosso diano, ainda vivo.

— Essa raça de inseto, mataram… mataram meus funcionários. — Palatino estava coçando a cabeça.

— Tem alguma rota de fuga? Alguma coisa que ajude? — meu pai perguntou para um guarda.

— Deixa eu ver. — O terno prata foi para trás, falou com Palatino por um momento e voltou para nós. — Vamos para a região norte.

Ele não só informou minha família, como também disse as outras restantes a nova rota. Lacrimejando e tremendo muito, os funcionários concordaram em segui-la.

Descemos na plataforma, mas não sairíamos tão fácil.

Os biodemônios surgiram da mata, apontando suas pistolas, disparadoras de espinhos venenosas.

Em resposta, os seguranças de imediato entraram na frente deles. Os ternos prata sacaram suas armas, que eram arpões com serras circulares na região da mira.

Naquela situação, era impossível ter diálogo. Até tentei abrir a boca para falar algo, porém fui ingênuo ao imaginar que daria certo.

Se iniciou um tiroteio. O primeiro lado a agir foi Paraíso.

O gatilho de um gancho foi puxado e, após se alojar em um biodemônio, ele trouxe o ser direto para a serra da arma.

Depois do golpe inicial, uma chuva de sangue e carne cortada se iniciou em minha volta.

Obviamente, a força inimiga ficou descontente, então atiraram suas pistolas de espinhos em diversas direções.

Alguns disparos passaram por cima da minha cabeça. Por pouco desviaram da minha mãe. Outras pessoas não tiveram a sorte, pois os espinhos se fixaram em suas peles, que ficaram roxas após gritos de agonia.

— Sigam pra dentro da floresta! — avisou Palatino. Estava com o cabelo desvairado. — Minha guarda pessoal, fique pela metade e façam o trabalho sujo. Têm a minha permissão pra fazerem qualquer coisa quando estivermos longe daqui.

Ninguém discutiu com ele, então todo mundo foi para a direção mostrada.

Com a minha corrida e dos outros humanos, disparos foram desferidos e almas perdidas.

No final, restou apenas uma dúzia de famílias, algumas já pela metade. Pelo menos, consegui sair com a minha e entrar dentro da floresta.

No matagal, ouvi berros de ursos vindo da retaguarda e gritos na vanguarda. Nesse momento, meus dedos doíam pelo sapato social.

Tive tempo para reparar na dor do mindinho, mas não para parar de correr.

Na minha frente, biodemônios saíram de trás das árvores. Avisaram suas posições muito rápido.

Devido à brecha, os ternos pratas conseguiram enganchá-los e serrá-los com facilidade.

Poderia ter sido uma vitória prévia, mas minhas mãos tremeram após um arpão ser atirado.

Um segurança estava perto de mim. Conseguiu acertar e finalizar o inimigo. O problema era que ele desfigurou o ser por completo e o sangue dele jorrou no meu rosto, tinha a exata mesma textura que o meu.

Até os outros atributos que me recusei a analisar, eram parecidos.

— Corram! — gritou Palatino. — Enquanto forem meia-dúzia, ainda há esperança.

— Vamos filho — falou minha mãe. Seu rosto também estava manchado de vermelho.

Agarrei a mão dela e não a soltaria até chegar ao destino indicado pelo nosso diano, mas antes de eu parar e respirar um pouco, aconteceu muita informação para eu absorver.

Conforme corríamos, biodemônios apareciam do nada e nos deixavam em menor quantidade cada vez mais.

Chegou a um ponto que os ternos pratas se transformaram em ternos rubis. Alguns estavam pendurados, outros seguiam lado a lado seu cavalheiro.

Por algum motivo, os rugidos de urso aumentavam quando eu me afastava dos guardas deixados para trás.

Infelizmente, poucos ternos pratas sobraram, mas chegamos ao local. Nesse momento, eu já não sentia às pontas dos dedos do pé.

O nosso destino era uma cúpula velha. Havia um vidro envolta de sua base de concreto armado e, principalmente, arbustos, troncos e matos a decorando por dentro e fora.

Dava para se ver alguns projetores solares no seu alto. Era uma base boa para ficarmos até o resgate chegar ou até os biodemônios se dissiparem.

Com toda certeza, era uma das primeiras construções da terra onde eu pisava.

Estava trancada e precisa de uma digital de acesso. Como aquela estrutura era de uma coloração dourada, eu sabia quem era o porteiro dela.

— Entrem — avisou Palatino com a mão perto da maçaneta, que escaneou todo o seu corpo.

A porta da cúpula se abriu na mesma velocidade que eu tinha empurrado meu armário quando seu sistema de levitação havia quebrado.

Saiu uma fumaça de poeira dentro dela, porém não foi a única coisa.

Quando a barreira cinza se esvaiu, os guardas entraram em minha frente e dispararam seus arpões, atingindo biodemônios que estavam dentro da cúpula.

Levantei as sobrancelhas ao ver as carnes atravessadas, pois os seres já estavam mortos. A pele deles confirmava.

O tom de pimentões vermelhos deles mudaram para mirtilos congelados.

— Isso é o que acontece quando se tem um cérebro de mosca. — Palatino se agachou perto de um biodemônio. — Ratálces não deveriam entrar em buracos, porque senão pode aparecer uma navalha para cortar suas alfaces.

Ele sorriu, porém sua boca foi fechada e assisti de perto o motivo.

Thwack!

O biodemônio debaixo de seu pé sacou uma pistola e atirou bem em sua garganta.

Corri para trás no instante e cai sentado.

— É assim… que um ratálce se arma quando não se tem pulmões reais… — cortado por um gancho no meio dos olhos.

A guarda saiu de perto dos funcionários e se concentraram perto do diano. Palatino segurou o ombro de um terno prata e falou palavras em seu ouvido.

Em seguida, levaram o meu diano para dentro e apontaram suas armas, não para biodemônios, mas sim para olhos vermelhos, os meus olhos vermelhos.



Comentários