Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 19: Reencontros

Meu coração parou por um momento. 

Receber as palavras Pode ter certeza que sim. A gangue da minha velha conhecida, e irmã de Sisa, sempre me surpreende, foi um choque de enguia no cérebro.

Um sem noção e boca porca eu tinha certeza de que Esmael era, porém admirar Nevi extrapola todos os limites. Sisa ser irmã dela piora ainda mais a situação.

Para acabar de vez com o meu dia, eles também viram a projeção. 

Tanto Bila, quanto eu, poderiámos estar em perigo. 

Logo abri a boca para dar um aviso indireto para ela, entretanto Esmael fincou suas unhas no meu ombro.

Não doeu.

— Calma! — apressou. — Nos dois também não vamos com a cara da idiota, fedida e desvairada da Nevi. Belos apelidos por sinal, garota — gritou para Bila ouvir.

— É sério? — Tirei a mão de Esmael do ombro. Estava com cheiro de neuropuns.

— Lógico que sim. Ao contrário de você, não sou um mentiroso, Pinóquio. — Ele puxou meu nariz. — Agora me fala a verdade, quem é a sua namoradinha? Vimos suas reações à projeção e não preciso ser nenhum detetive de ossos para perceber que aquela garotinha era a sua amiga.

— Não vou falar nada antes de saber se Bila está segura com a irmã de Nevi. 

Olhei para Sisa. Estava séria. 

A biodemônia andou para perto de mim e estendeu sua mão. 

Eu nunca tinha visto a sua palma com grandes detalhes, mas tirei minha dúvida de como ela podia se comunicar com o Croc durante a navegação.

Os oberons da projeção cuidavam da natureza; senti que Sisa fosse uma pouco diferente por causa da coisa que estava grunhindo em sua mão: um pequeno olho com tentáculos no lugar dos cílios.

— Sisa tem mais motivos para odiar Nevi do que você e eu. Uma das razões é o Júnior — falou Elideus. 

Sisa mostrou o dedo do meio para ele. 

— Não vem com essa. Tive que dar um apelido pra esse treco aí que não sai do seu corpo.

— Júnior… — Cutuquei a coisa. Inofensivo para mim.

— Foi um presente de Nevi para sua irmã. Tem algumas vantagens como conseguir se comunicar com animais, entretanto as desvantagens são cruéis. 

Com as palavras de Esmael, apertei a mão de Sisa e fiz um joinha. 

Talvez eu possa confiar nos dois; não que eu tivesse outra opção.

A biodemônia tem motivos suficientes para ficar eriçada ao perceber o nome da irmã. O xenoprago não demonstrou se importar nem um pouco com o que acontecesse com Nevi.

Não custava tentar falar a verdade sobre a proposta assassina de Bila.

— Vamos lá pra baixo — indiquei.

Juntamos alguns bancos-vivos em volta do centro do templo e nos olhamos em silêncio. 

Ninguém sabia o que estava acontecendo ali, então comecei a quebrar o gelo pedindo apresentações. Se Esmael não se apresentar como ele fez comigo na clínica de Fepis, eu já estaria feliz. 

— Sou Esmael e ela é Sisa. Meu parasita mentiu bastante ao falar de você. Agora quero ouvir de você. Quem é você, chifrudinha? — perguntou se envergando no assento.

— A única saída para vocês recuperarem o Croc. Soube que vocês precisam de dinheiro ou do Encapetuzado para pagarem a multa dele. É isso mesmo? 

— Você está bem informada. Até parece que certo alguém fala tudo da vida dele para estranhos e, para os conhecidos, menti. — Esmael deu um tapa na minha cabeça.

— Que relação parasital meiga!

— Temos um vínculo especial, mas, se você quiser ter também, é melhor continuar a falar sobre o Croc.

— Tenho as duas coisas que vocês precisam em meu corpo, dinheiro no meu Meliodes e a maravilhosa Encapetuzada na minha pele. 

— A proposta é ótima para sair de graça. Pelo seus cascos batendo no chão, você está coçando para dizer o que quer em troca. 

— Pode ter certeza. — Bila se levantou e estendeu a mão. — Quero que a sua amiga mate Nevi para mim em troca da liberdade do barco-vivo dela. O que acha? 

Sem consultar Sisa ou até mesmo pedir minha opinião, Esmael agarrou a mão de Bila, porém não da maneira que eu queria.

Ele a puxou para si e a empurrou para os braços de Sisa.

Ela foi cercada por vinhas de Sisa. Nunca vi a expansão dos braços dela antes. 

Me levantei na hora, porém a sensação de perigo se foi logo ao perceber que se tratava de vinhas sem espinhos. Foi como um beijo de uma planta carnívora banguela.

Quando as vinhas se dissiparam, percebi Bila abraçada a Sisa.

— Sisa está feliz por você ter ajudado os oberons e o meu parasita — avisou Esmael.

— Não recebo esse abraço há anos. O último que recebi foi da bonsai do Jardim Enervado. — Suas orelhas se abaixaram. — Adoro como os oberons tem suas formas de agradecimento.

— Você deve ter aprendido coisas com eles. Consegue se comunicar com Sisa na linguagem deles? — perguntou gesticulando. Não entendi nada.

Bila quase invocou um saposo ninja no processo de resposta. Preciso urgentemente entender o que esses três malucos falam entre si.

De alguma forma, ela concordou.

— Faça sua proposta a ela e quero que entenda qualquer decisão dela. Enquanto isso, eu e o meu pobre, ingênuo, desprovido de inteligência infernal, lastimável parasita colocaremos o papo em dia — falou Esmael puxando minha orelha.

Subi para o andar de cima tropeçando nos degraus e entrei, junto de Esmael, na sala de onde ele e Sisa saíram. 

Espirrei quando adentrei por uma porta quebrada ao meio. Deve ter acontecido um combate intenso o suficiente para haver marcas de unhas no chão e móveis jogados por toda parte por aqui.

Talvez um tornado de mosquitos teria sido melhor do que a gangue de Nevi.

Não tinha nem lugar para se acomodar. 

Tive que ficar em pé, encarando o xenoprago.

— A situação tá foda, moleque do caralho. — Esmael quebrou uma unha ao mordê-la. 

— Eu sei. Desculpa por ter mentido.

— Não é isso. Quando chegarmos em casa, se chegarmos, deixo você sem comer por duas semanas e está resolvido. Temos um problema maior para resolver.

— Tem razão. O Croc deve ser resgatado urgentemente. 

— Não se preocupe com isso. Sisa de alguma forma vai convencer a garota de dar o dinheiro. Isso sem matar Nevi.

— Mas…

— Sisa odeia a irmã, mas não ao ponto de assassiná-la. Essa opção é inexistente; ainda mais quando se leva em consideração apenas uma vingança infantil. 

Bati o pé no chão e neguei com a cabeça.

Por todos os locais que passei de Linfrutes, o nome de Nevi causava algum tipo de caos. 

A Bila nunca deixaria Nevi sair ilesa. Ela teve seus pais pegos por ela, seus amigos, sua própria vida cotidiana.

Por todos os locais que a fauna ia, ela presenciava o caos provocado pela mesma pessoa.

De certa forma, eu sei o que ela sente.

Do fundo do meu coração, eu odiava Palatino e não me importaria com o que acontecesse com ele. Se ele permanecesse vivo ou não, queria que a resposta ficasse longe.

A dor ao ver a cor roxa sempre surgia, mas eu apenas queria esquecer a sensação dos meus dedos entortando ao ser arremessado na parede, ou relembrar daquelas malditas câmaras.

Felizmente, Bila era diferente de mim e não parecia querer deixar de lado a ideia de matar Nevi. Essa vontade parecia até uma necessidade carnal.

— Não acho que Bila achará a ideia de deixar Nevi viva legal. Sisa revelar de quem ela é irmã exclui mais ainda essa possibilidade. Cada um com seu cada um, mas qualquer decisão que elas tomarem estou dentro. — Levantei os ombros.

— Qualquer coisa nós entregamos sua namoradinha e está tudo resolvido. 

— Não.

— Roubamos o dinheiro dela, pode ser? 

— Pode…, mas só se você me contar onde estava. — Cocei o nariz e olhei minhas unhas.

— Fomos direto para um bar de um amigo e descobrimos algumas coisas fodásticas lá. Que você e uma fauna viriam para cá e uma notícia de cair os pelos da bunda. Nada de tão especial até chegar aqui. Aliás, como você chegou aqui sem ser pelos buracos principais?

Esmael me olhou com um ar de dúvida forte. 

Verdadeiramente existiam passagens principais e mais largas do que as fendas de Bila. Falar sobre as exclusivas da fauna poderia ser útil, porém perigoso.

Havia uma forma de vida protegendo Bila e sua casa, então era melhor eu apresentá-las somente com a presença dela.

— Também tivemos ajuda do Botis e de segredos faunístico. — Ri relembrando do tatu.

— Não se acostume com a compaixão dele. Tive que pagar um preço para descobri o que descobri. 

— A Bila também, de certa forma.

— Tomará que ela tenha bastante dinheiro como ela disse, pois a situação mudou um pouco. — Ele escorou em uma pilastra. — Antes nosso objetivo era voltar para casa apenas, mas a confusão da fumaça e as informações dadas por Botis alteraram tudo.

— Linfrutes tem seu ar agradável, apesar dos neuropuns, cheiro de merda de uns bichos orelhudos, bebâdos por toda parte, a polícia local ter pegado o Croc e existir uma louca chamada Nevi enfiada em algum buraco esquisito. Não vejo problema em aumentar a minha estadia.

— Quem disse que você vai ficar? — Esmael me olhou de cara fechada. — Assim que pegarmos o Croc, você e Sisa voltarão para a nossa casa.

— Quê? — fiquei descrente.

— A chama esquentará em Linfrutes. Lembra daquelas pistolas de dardos da fumaça?

— Sim.

— Só Nevi e Sisa conseguem reproduzir aquelas armas e foi firmado um contrato antes da invasão do seu evento para Nevi nunca distribuí-las. Adivinha só o que ela fez? Distribuiu para a gangue dela e ainda por cima fez antídotos para Paraíso. A única vantagem de Inferno contra Paraíso foi perdida.

— E agora temos que tirar essas armas dela para que ninguém corra perigo. — Meus olhos pegaram fogo.

— Nem fudendo. Botis me disse essa traição e me contratou para dar uma olhada no que está acontecendo. Vou fingir que investiguei um pouco, pegar a grana e esquecer disso. 

— Mas…

— Se ficar de boca calada, deixo você levar a sua amiguinha com você, que tal?

— Pode ser. 



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