Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 17: Oberons

Atravessei a janela com cuidado e eu teria que ser mais precavido ainda dentro do templo. Apesar de ser um ambiente religioso, ele não teria misericórdia de mim. 

Os perigos estavam por toda a parte. No chão, bancos-vivos esperavam um desavisado pisar em suas superfícies, no teto, espinhos esperavam alguém ser jogado ao alto e, nas paredes, vinhas queriam amarrar quem as tocasse.

Logo avisei Bila para olhar onde coloca o pé a fim de irmos ao que chamou minha atenção: um altar projetando uma gravação no centro do local.

Na esperança de tentar achar espectadores da atração, eu procurei cabeças em diversos bancos. Infelizmente não achei nenhum coqueiro ou um cervo florido. 

Esmael e Sisa não estavam ali, mas a esperança é a última que morre. Eles poderiam estar atrás de algumas portas do local.

Antes de subir algumas escadas para procurá-los, fiquei paralisado ao ver a projeção, bem diferente das de Paraíso. 

Em cima do altar, uma espécie de geléia vermelha moldava-se em diversos corpos, lugares e sons…

— Vamos lá! — exaltou Bila. A voz dela estava mais fina. 

—  Vamos lá não — disse a verdadeira Bila perto de mim. 

— Os esporos dos neuropuns me deixaram maluco para eu estar vendo uma mini-Bila? — perguntei suando frio.

— Essa meleca é uma parte traumatizada dessa floresta, assim como eu, e sempre reproduz um certo dia bagunçado nesse templo. O Jardim Enervado antigamente era agradável. Talvez você entenda como tudo mudou ao ver essa projeção.

A geleia voou na minha direção e se moldou em uma biodemônia parecida com Bila, porém maior. 

— Sem cerimônia hoje, filha — avisou a mulher. 

— Hoje vamos ter uma visita, lembra? — relembrou um biodemônio. 

— Ela não, pai. Eu não quero que a idiota, desvairada e fedida entre na casa dos Oberons. 

A mini-Bila inchou as bochechas e cruzou os braços. Antes que piorasse a situação, seu pai a pegou no colo, contendo algumas lágrimas que saíam.

Na mesma hora, a Bila real sentou em um banco e apontou para minha direção.

Senti uma cutucada no ombro e me virei. Haviam diversos biodemônios formados pela geléia na minha retaguarda.

Por um momento, pensei que Sisa estava no grupo, pois as projeções eram seres arbóreos como ela. 

–- Nosso povo também não quer ela aqui, mas não temos outra opção, querida. –- A bonsai mais velha do grupo acariciou os chifres da mini-Bila.

— Deve ter outro jeito. Sempre teve — esperneou a pequena. 

— Nevi comanda essa floresta e, sem ela, perderemos nosso lar. — Balançou a cabeça de cervo florido. 

A geleia terminou de falar e se desmanchou no chão, a não ser pela mini-Bila. A pequena projeção correu e se escondeu atrás de um banco, recolhendo-se de joelhos. Ficou por lá, tremendo.

Fui até ela, a fauna real também. 

Antes de eu conseguir falar alguma coisa, a Bila real começou a rir descontroladamente. Entender o porquê foi fácil, pois ela zombou de si.  

Aprendi que ela tinha um gosto particular pela palavra idiota e que, na verdade, sentia uma dor absurda ao ver sua miniatura.

— Burra… 

                     Idiota… 

                                        Ingênua… 

                                                            Por que teve que lascar com tudo? 

Bila pegou um pedaço de madeira e tacou na projeção, que se desmanchou igual a um boneco de neve perto de um vulcão. 

Uma nova cena entrou em cena. 

Começou com alguns membros do Oberon se escondendo onde dava. Por todos os lados, a geleia se moldava e se disfarçava. 

Apenas os bonsais do grupo ficaram, juntos dos pais de Bila; e ela. 

Eles estavam arrumados como se estivessem preparados para um casamento. 

Pressumi que, na verdadem, esperavam nada menos do que uma visita idiota, desvairada e fedida.

A geleia se dissolveu outra vez e se concentrou à frente dos meus pés. Ela formou um redemoinho vermelho. Por um segundo, vislumbrei um pouco da Bomba de Pragas, mas na realidade era uma pessoa.

Uma baixinha apareceu na minha frente. Logo tampei o nariz ao vê-la, seu cheiro era de sangue podrido, o mesmo aroma que senti na floresta, uma mistura de desastres e folhas secas. 

Talvez o odor viesse de sua blusa espinhosa ou de seu short acima do joelho. As vestimentas estavam sujas e só perdiam para a lama presente em seu cabelo branco e pele escura, recheada de cicatrizes. 

Ela virou seus olhos azuis para mim e concluí que era uma xenopraga. Diferenciar os olhos quentes de Paraíso e os frios de Inferno está ficando mais fácil a cada dia.

— Por que sempre que venho pra essa espelunca de lugar tenho que cair em dez poças de lamas diferentes? — perguntou ela, fechando o punho.

Me afastei dela. Por mais que fosse uma projeção, a interação era um 3D real e a geleia parecia querer me dar alguns golpes, ou apenas relatar algo traumatizante.

— Quem é essa maluquinha? — questionei Bila, protegendo-me atrás de um banco-vivo ativado.

— Box, uma das principais rosas de Nevi. — A fauna pegou uma pedra e tacou na cabeça da projeção, que apenas a engoliu.

— Mais uma guloseima não faz mal. Sabiam que essa é apenas a minha décima refeição do dia? — avisou Box.

Ao engolir a pedra, o estômago dela começou a roncar. Meu ouvido zumbiu na mesma hora.

Fiquei constrangido por ela. Outras projeções que tinham surgido também não contiveram reações, porém não apenas de nojo. 

Os Oberons, os pais de Bila, a mini-Bila e até mesmo a própria fauna estavam suando. 

— Comi essa guloseima, mas ainda estou com fome. Já era pra eu estar na minha vigésima primeira refeição. Infelizmente a cozinha da gangue de Nevi está sem recursos. Por que será ervas daninhas? — Box olhou para a bonsai mais velha do grupo.

— Nossas mentoais estão em crise. A terra está cheia de pragas, que estão estraçalhando as plantações, e não conseguimos resolver o problema ainda — relatou a Oberon. 

— E o que eu tenho a ver com isso? Preciso da quantia combinada de Cérebros para agora. — Bateu o pé no chão.

— Impossível. Vai levar de 1 a 2 meses para acabarmos com as pragas. 

— Nada é impossível comigo. Um exemplo disso é a Nevi esconder o seu povo de Paraíso e de qualquer outro lugar. Imagina se parássemos de proteger vocês, o que será que aconteceria? — Soltou uma risadinha ao quebrar um galho bem na minha frente.

Os pais de Bila entraram na frente da bonsai dos Oberons. 

— Beni e Boros, vocês conseguem resolver essa questão, né? — perguntou Box.

— Vai levar de 1 a… — a mãe de Bila foi cortada.

— De 1 a 2 minutos pode ser. Vi algumas mentoais vindo para cá, que tal aqueles? 

Com o pedido de Box, os Oberons presentes começaram a murmurar. 

Houveram diversas reclamações, mas nenhuma delas chegava perto do falatório da mini-Bila. 

— Você não pode fazer isso — gritou. — Aquelas mentoais são nossa comida, sua… sua… idiota e fedida. 

Uma veia pulsou na cabeça de Box enquanto o pai da fauna e a Bila real afastavam a pequena para os braços dos Oberons. 

Foi uma atitude ousada, também muito inconsequente. 

Box riu bastante e estalou os dedos. Com o ato, a geleia deu forma a outras pessoas vestidas de forma igual à subordinada de Nevi.

— Sem mentoais, sem proteção. Capturem todos — falou Box, séria. 

O pior de tudo foi a Bila real vindo para perto de mim, cabisbaixa. 

— Estraguei tudo. Era só fazermos um regime de um mês que todos estaríamos bem. Depois nós virávamos, sempre nos viramos quando a caquita estacava. 

Com certeza ela já viu aquela cena diversas vezes, mas a dor ainda continuava no seu peito, eu sabia muito bem. De costa para as projeções, Bila começou a choramingar e se escondeu em uma pilastra.

Tentei ir atrás dela; sem sucesso. Pisei em um banco-vivo e ele me jogou ao alto.

Sem mais nem menos, fui parar no andar de cima, dolorido. 

Oberons projetados saíram das portas fechadas do templo.  Estavam preparadas para o pior, pois, assim como Sisa na confusão da fumaça, estavam com seus espinhos apontados para a gangue de Nevi.

— Esses espinhos não funcionarão conosco. Nosso sangue está protegido graças aos novos trabalhos da minha querida chefinha — falou corada ao mencionar Nevi.

Mesmo com as palavras da mulher, os Oberons dispararam os espinhos de imediato. Agir primeiro seria uma vantagem, então fizeram.

Dardos por toda parte.

Os aliados de Box também reagiram. Desta vez, a gangue de Nevi estava com pistolas normais, pequenos animais portáteis cuspidores de ácido. 

Ambas partes sofreram baixas, acontecendo uma contradição: os espinhos fizeram efeito em diversas pessoas.

— Ops, achei que todo mundo estava protegido. Só euzinha que estou. — Box riu bem na cara de seus aliados, enquanto ela tirava um dardo do umbigo, que nem se alojou. 

Eufórica, ela se moveu. Além de suas pernas, todo o seu corpo se movimento, inclusive as suas cicatrizes; pareciam fios prestes a se soltar.

Algo estava para sair de dentro dela. 

Fiquei de olhos bem abertos para ver o que aconteceria. 

Ela tirou sua jaqueta espinhosa e ficou apenas com uma regata como a minha. 

Box foi para cima de todos os Oberons e, em um super pulo, as suas cicatrizes se abriram. Seu corpo começou a se expandir em uma chuva de sangue e a ganhar outra forma: uma forma bestial.



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