Vol 2

Capítulo 16: O Pesadelo da Culpa e o Peso da Cura

Ela estava sonhando.  

Lululee estava em uma floresta profunda e escura, diante de dois corpos mortos.  

Um era um mago negro. Todo o seu braço, junto com sua varinha, havia sido arrancado, e seu pescoço estava torcido na direção errada. O outro era um espadachim esparramado sobre a raiz de uma árvore. Sua armadura e estômago haviam sido rasgados. Todo o seu corpo estava vermelho de sangue, e seus olhos estavam vazios.  

“Por quê…?” A voz do tanque tremia de ressentimento. Ele estava sem o braço direito, e seus caninos estavam à mostra. “Por que você não nos curou…?!”  

Ele se virou para Lululee, revelando que a metade direita de seu rosto havia sido marcada por lacerações dolorosas. Sua orelha direita fora cortada, e seu olho direito havia sido arrancado, com sangue ainda jorrando dali.  

O rosto de Lululee estava pálido de confusão, e tudo o que ela conseguia fazer era se desculpar.  

“Desculpe-me, desculpe-me, desculpe-me…” Ela nem sequer conseguia tentar se justificar, como dizer: Não, eu tentei curá-los direito. Eu queria salvá-los. Mas aquela situação era desesperadora…  

Aiden continuou a culpá-la. “Você é uma—!”  

Assassina.  

A voz que a amaldiçoava transformou-se na de outro homem.  

Ela ergueu a cabeça de repente e viu que Aiden havia desaparecido, sendo substituído por um homem de cabelos prateados. Ela o conhecia. Ele era o líder confiável deles, um homem que cuidava de seus aliados.  

Então, sem nenhum aviso, a cabeça dele caiu dos ombros com um baque.  

“Eek…?!”  

Aquele pedaço de carne se espatifou no chão, e além dele havia mais corpos. Aquele era o mago negro de cabelos ruivos que sempre a provocava. E aquela era a recepcionista que sempre reclamava das horas extras, mas que era mais forte que qualquer um.  

“—!!”  

Eram todos rostos que ela conhecia, pessoas que ela queria proteger. Mas estavam cobertos de sangue e haviam parado de respirar.  

Assassina.  

Eu os matei.  

Eu fiz—  

 

*****

 

Faltavam três dias para o Festival Centenário.  

Com o grande evento se aproximando rapidamente, as pessoas já começavam a montar lentamente suas barracas nas ruas de Iffole. As decorações para o festival já estavam perfeitas, e, se você não soubesse, pareceria que o festival poderia começar a qualquer momento.  

Mas enquanto Lululee caminhava pelas ruas alegres, sua expressão estava pesada. O movimento e a agitação da cidade não tocavam seu coração. Ela estava fixada demais no terrível pesadelo que tivera naquela manhã.  

Após caminhar em silêncio até os portões principais de Iffole, Lululee finalmente tomou uma decisão e falou com Lowe, que estava ao seu lado. “H-hum.”  

“Hmm?”  

“…Você não vai perguntar?”  

“Perguntar o quê?”  

“Hm, sobre… hm… eu ser uma assassina…”  

“Ahh.”  

Ele se lembrava de Aiden a chamando assim outro dia na Floresta da Eternidade, mas ninguém havia tentado perguntar o que ele quisera dizer desde então. Certamente estavam tentando ser gentis, mas isso tornava tudo mais doloroso para Lululee — a ponto de ela preferir que a interrogassem sobre isso.  

E assim, incapaz de aguentar mais, Lululee trouxe o assunto à tona ela mesma.  

Mas Lowe apenas olhou distraidamente para as multidões na rua enquanto respondia, desinteressado: “Na verdade, não. Eu não ligo.”  

“…”  

“Estou mais preocupado com o que nosso líder nos chamou de repente… Será que ele vai me expulsar da Espada de Prata porque estou muito desmotivado?”  

Lowe parecia tão desinteressado pelo passado dela que Lululee ficou um pouco aborrecida com isso, mas respondeu a ele seriamente. “…Ele disse que era um treinamento especial.”  

“Hã? Eu não ouvi nada sobre isso.”  

“Ele disse que vai fazer um treinamento especialmente perigoso, então quer que estejamos com ele. Você só não estava prestando atenção.”  

“Hã, sério? O que ele está tentando fazer dessa vez…? E eu pensando que ele deveria estar de cama pelos próximos dois meses…”  

“…”  

Parecia que ele era genuinamente indiferente ao passado de Lululee, do fundo do coração.  

Que diabos? Isso não é um pouco frio? Embora ela fervesse de raiva pela atitude absurda dele, ainda tinha medo de ser questionada em detalhes, então fechou a boca.  

Eles passaram pelos portões principais e saíram para a rua.  

Como era de se esperar, o lugar estava cheio de pessoas indo e vindo para se preparar para o Festival Centenário. Enquanto muitos — mercadores, viajantes, aventureiros e suas carroças cobertas — entravam em Iffole um após o outro, Lululee e Lowe entraram em uma carruagem. Eles informaram ao cocheiro que seu destino era a sede da guilda, pagaram e partiram.  

Sentados frente a frente, Lululee e Lowe observavam a paisagem pelas janelas e permaneciam em silêncio. Mas logo quando começaram a ouvir o som dos cascos…  

“O que Aiden disse era verdade!” Lululee gritou, finalmente se levantando.  

“Nossa, você me assustou.” Lowe, que estava olhando pela janela, arregalou os olhos com a declaração abrupta de Lululee. “O que é isso de repente?”  

“Há muito tempo, quando eu ainda era uma aventureira iniciante, Aiden era o tanque do meu primeiro grupo! Isso foi quando eu era novata, antes de minha habilidade Sigurth se manifestar!” Lululee declarou tudo de uma vez, com o rosto vermelho.  

O medo de ter seu passado exposto havia evaporado completamente — agora ela só queria que Lowe a ouvisse. Não, não era bem isso — era que esconder seu passado doía mais.  

Agora era Lowe quem estava ficando nervoso. “T-tá bem, tá bem, você quer que eu escute, né? Eu vou te ouvir, então senta, tá?”  

“…” Com as bochechas inchadas de birra, Lululee se jogou de volta no assento com força, como lhe foi dito, desviando o olhar enquanto falava rápido. “N-não é como se eu quisesse que você escutasse…! Só, hm, já que me chamaram de assassina, achei que tinha que dar uma explicação decente…! Na verdade, a curiosidade não te pega em momentos como esse e você me perguntaria?! Por que diabos você está me ignorando?! Você me odeia?! Tá tão desinteressado assim?! É melhor você ouvir minha história!!” Os sentimentos de Lululee explodiram contra Lowe enquanto ela desatava a chorar com um uáááá.  

Lowe congelou, ficando cada vez mais surpreso. A reação dele fazia sentido. Mesmo que Lululee chorasse facilmente, o fato de ela ter começado a gritar como criança de repente era bem estranho. Lowe a considerava a pessoa mais equilibrada do grupo.  

“Uh, não é como se eu estivesse te ignorando,” ele disse. “O líder e eu evitamos perguntar porque não ligamos pro que eles têm a dizer sobre você—”  

“Eu ligo!”  

“Tá, entendi, eu vou ouvir, eu vou ouvir. Quer dizer — me deixa ouvir sobre isso?”  

“…”  

Embora se sentisse um pouco irritada por ser consolada como criança, Lululee respirou fundo algumas vezes e começou a contar sua história em um murmúrio baixo. “…Um dia… nosso grupo de novatos chegou a uma sala de chefe mais rápido que qualquer um pela primeira vez. A masmorra não tinha muitos andares, então ficamos felizes… E aí simplesmente fomos em frente desafiar o chefe do andar sem pensar.”  

O resultado foi uma derrota esmagadora.  

O tanque deles, Aiden, não conseguiu segurar a aggro do inimigo, então o chefe do andar começou a mirar nos atacantes e em Lululee. Na confusão da batalha, tanto os atacantes da linha de frente quanto os de longo alcance ficaram gravemente feridos. Mas Lululee ainda não havia manifestado sua habilidade Sigurth na época, e ela não era boa em magia, então não tinha capacidade para salvar ambos.  

Então ela foi forçada a tomar uma decisão — abandonar um dos membros do grupo.  

“Mas eu simplesmente não consegui escolher entre eles… então curei os dois pela metade…”  

O tempo que ela perdeu hesitando na decisão resultou em um desfecho devastador. Aiden acabou perdendo o olho direito e o braço esquerdo, e tanto o atacante da linha de frente quanto o de longo alcance perderam suas vidas.  

“Ahh… Entendi, então foi isso que ele quis dizer quando te chamou de ‘assassina’.” Parecia que Lowe havia entendido, mas sua voz ainda estava completamente calma.  

“Do ponto de vista do Aiden, eu não consegui lançar uma única cura quando meus aliados estavam em apuros, o que custou um braço a ele. Não é de se admirar que ele me chame de assassina.”  

“…Hmm.”  

Lowe franziu a testa e coçou os cabelos ruivos enquanto suspirava. “Isso é tipo, bem — talvez você não fosse poderosa o suficiente. Mas se o grupo já estava desmoronando desde o início, a culpa também é do tanque por não segurar a aggro e dos atacantes por não vencerem o inimigo. Mas ele tá jogando tudo em cima de você? Eu ficaria bem irritado se ele realmente pensa assim.”  

“B-bem, mas ainda é verdade que o curandeiro tem muita responsabilidade…”  

“Se você começa a discutir quem é responsável por uma derrota, isso nunca acaba. Mesmo que membros do grupo morram, você nunca culpa ninguém… Essa é a regra não dita dos aventureiros. Há um limite para o que as pessoas podem fazer. Se você tem várias condições ruins, não importa se é novato ou veterano, você vai acabar morto. Você tem que estar preparado pra isso como aventureiro.”  

“I-isso é verdade, mas…,” Lululee murmurou baixinho, ainda não convencida.  

Havia coisas no mundo que não podiam ser explicadas racionalmente. Lululee sentia que podia entender os sentimentos de Aiden, como ele se agarrava a ser tanque mesmo após perder um braço.  

Do jeito que ele via, ele havia perdido o olho e o braço por razões injustas. Era preciso uma força inimaginável para engolir toda aquela raiva e ressentimento e seguir em frente. Aiden continuar como tanque tinha que ser uma forma de vingança contra Lululee.  

“Eu não sou nada além de uma curandeira com uma habilidade poderosa. Sozinha, eu sou inútil—,” Lululee começou a dizer antes de fechar a boca rapidamente. Se ela dissesse algo assim, Lowe saberia que ela era apenas uma curandeira sem talento com uma habilidade especial.  

“Uma habilidade que continua te curando automaticamente depois de ativada? Essa é uma habilidade Sigurth incrível.”  

Jade ficara surpreso com a habilidade de Lululee depois que ela se apresentou no dia em que foi escolhida como curandeira da Espada de Prata.  

Mas isso não era novidade. Lululee manifestar o Sigurth Revive mudou completamente como as pessoas a viam. As pessoas a reavaliavam completamente depois que ela explicava, dizendo: Uau, isso é incrível. Mas Lululee não conseguia aceitar esse elogio. Ela não havia conquistado a habilidade com esforço; Deus simplesmente a entregara de bandeja.  

“…” Lowe observou Lululee por um tempo enquanto ela hesitava em falar, então estendeu lentamente a mão para bagunçar seu cabelo.  

“Uááá?!’  

“Bem, se algum perdedor não consegue parar de trazer o passado à tona e te chama de assassina, não se preocupe com isso. Eu acredito mais no que vi você fazer do que no que ele tem a dizer.”  

“…” Com o cabelo ainda bagunçado, Lululee olhou para baixo em silêncio por um tempo.  

Para um cara que estava sempre fazendo piadas levianamente, Lowe, na verdade, mantinha um olhar firme sobre seus aliados — assim como fizera naquela luta contra o deus sombrio um mês atrás. Talvez ele tivesse percebido todas as preocupações de Lululee.  

Mas parecia que ele genuinamente não ligava para o que Aiden havia dito, de uma forma boa. Isso, em outras palavras, também era prova da confiança que Lululee havia construído com eles como membro da Espada de Prata.  

Então ela deveria simplesmente parar de se preocupar e seguir em frente como sempre fez. Não deveria haver nada com que se assustar.  

Não deveria, mas…  

“Q-que diabos?” Lululee resmungou. “Você tá fazendo parecer que eu sou idiota por me preocupar com isso.”  

“Hãã, então você se preocupa com coisas?”  

“Eu me preocupo!”  

Lululee fez biquinho, virando a cabeça e inflando as bochechas enquanto Lowe ria de forma provocadora. Isso era tão normal para eles que parecia fora de sintonia.  

“Eu me preocupo…”  

Mas ainda — não, exatamente por causa de quão normal isso parecia — os sentimentos turvos em seu coração só aumentavam.  

Está tudo bem eu estar aqui?  

Não era inevitável que ela traísse a confiança de seus companheiros de grupo e os decepcionasse algum dia? Seu reencontro com Aiden havia destacado a inquietação que se infiltrara em sua mente desde a batalha com o deus sombrio. Quanto mais ela pensava nisso, mais fundo isso se enraizava, espalhando-se e crescendo.  

“…”  

Mas chorar mais sobre isso com Lowe seria apenas irritante. Com um agradecimento silencioso, Lululee desviou o olhar para os portões frios da sede da Guilda dos Aventureiros, visíveis pela janela. 

Não era inevitável que ela se tornasse uma assassina mais uma vez? Lululee estava insuportavelmente com medo disso…

 

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