Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 62: Malucos

Lucas se fodeu… não, Solein se fodeu. 

A adaga permaneceu presa à garganta, pressionando suavemente seu pescoço. Por sorte, a ferrugem e a falta de fio impediram de esguichar sangue para fora.

A elfa ficou tonta de desespero, era a primeira vez experienciando uma situação tão perigosa como alguém querendo cortar sua pele fina e linda.

Ela queria soltar um gritinho fino para acordar o rapaz à sua frente do transe e chamá-lo para ajudá-la, mas sua vozinha não saía de nenhuma forma.

Lucas reconheceu imediatamente o perigo e seus sentidos entraram num modo de alerta.

Ele não era um monstro ao ponto de não se importar com outra pessoa, na verdade era bastante gentil em considerar sua assediadora como uma pessoa em risco.

Além disso, com certeza se sentiria muito culpado mais tarde se ela morresse por incompetência sua. As engrenagens em seu cérebro começaram a girar.

Deveria agir agora? Não, se movesse um centímetro, a faca abriria a garganta de Solein, o que ele não queria que acontecesse.

E se obedecesse cegamente? Era provável que ele faria um pedido extremo, do tipo cortar o próprio pescoço ou ir se matar.

Lucas estava sem sua carteira, mas também duvidava muito que um homem de outra dimensão aceitaria cem mil reais para soltar a garota sem saber o que cem mil reais são.

Ele precisava agora de tempo, tempo o bastante para bolar um plano.

— Ei, colega… abaixa essa arma e vamos nos acalmar, tá bem?

— Quem é você?! — exigiu o homem, apertando um pouco a faca. — É um dos enviados daquela entidade maldita?!? Se for, eu…!

— Nã-nã-não! Eu só… acabei chegando aqui por acaso com essa amiga. Eu não sei que entidade maluca você tá falando, mas eu juro por Deus que não faço ideia de quem é!

A expressão do homem de barba rala não mudou tanto, o que problematizou um pouco o lado de Lucas, que precisou respirar bem fundo para permitir o oxigênio correr pela cabeça.

— Olha, essa mulher que tá nos seus braços é uma amiga minha, e ela tá muito assustada…

— Me tira daqui, pela magia, pelos elfos, pelo gelo, pela natureza e por tudo que é precioso para nós!

— Viu? Ela costuma fazer esse drama também quando tá em situações assim, você já a assustou muito, dá pra pelo menos amolecer um pouco e soltar ela?

— E aí vocês vão me atacar? — perguntou ele, franzindo o cenho mais uma vez. 

— Nós não vamos, eu juro…

 

A deusa Artemis parece muito interessada no desenrolar da cena.

 

“Isso porque você não tá no meu lugar, maldita!”

 

A deusa Artemis franze o cenho para o seu comentário, mas concorda ainda assim.

 

“Espera, você lê meus pensamentos? Se pode fazer isso, porque não dá um jeito nesse cara para gente resolver isso mais fácil, por favorzinho, deusinha!

 

A deusa Artemis diz que não deseja, ela se arrepende de ter escolhido esse humano como seu representante. 

 

“Arrependida? Então ele te odeia por algum motivo e você não o deseja mais, né? O problema que eu não posso me livrar dele, mesmo sendo um favor pra ti…”

— Ei, ô óculos estranho!

Uma veia saltou do rosto de Lucas ao ser chamado assim. Foi sorte sua intenção assassina não ter escapado no processo.

— Sim…?

— Sei que o local que estamos é isolado por magia espacial, então não banque o engraçadinho falando que me achou por acidente. Por onde você entrou?

— Por uma porta há poucos metros de distância daqui…

— Guie o caminho, senão eu mato essa elfa aqui e agora!

O rapaz acenou em resposta e foi andando lentamente em direção ao portão pelo qual entraram. Assim que se deparou com a porta, enfim um plano surgiu na sua cabeça.

— Assim que passarmos por aqui, haverá muitas outras pessoas nos esperando. Se elas te verem com a Solein de refém, vão tentar te matar mesmo que custe a vida dela.

— Oh, agora sim eu gostei de você revelando as coisas pra mim… O que eu preciso fazer pra me safar dessa?

— Precisa esperar algumas horas. Depois disso, eles se dispersam e você tem sua janela para escapar.

O homem largou um enorme sorriso. Só precisava segurar a refém por uma hora? Seria igual tirar doce de criança.

Ele fez isso muitas vezes na vida passada, tirar a vida ou manter alguém na corda bamba era uma de suas especialidades.

— Senta aí — ordenou, soltando um pouco o braço ao redor do pescoço de Solein, mas sem afastar tanto a faca. — E permaneça sentada, se você se levantar vai ganhar uma ferida bem feia. Eu não tô nada afim de estragar seu rostinho bonito.

A pobre Solein se contorceu de nojo, e ao invés de Lucas sentir pena disso, ele na verdade sentiu que a garota estava recebendo o que merecia pelo que aconteceu uns dias atrás.

O homem aproveitou para esperar o tempo, confiando fielmente que logo logo estaria de volta a sua liberdade. Pena que mesmo um desses pensamentos surgiam de uma certa ingenuidade. 

Acreditar que aquele rapaz era santo e também ingênuo foi a maior idiotice que esse mercenário cometeu.

 

*****

 

“Ele está atrasado, muito atrasado.”, o pensamento saiu de um gatinho sentado no meio da neve.

Ele não usava relógio algum no pulso, muito menos engoliu um crônometro para saber quando seu pupilo estava fora do tempo.

Era uma ocasião bastante rara, mas não impossível. 

Nas últimas semanas Lucas se provou ousado o bastante para escapar das sessões de meditação, logo, por que não faria de novo? 

“Ainda assim, é estranho ele desaparecer. Hurrto me avisou sobre ele ter entrado numa porta cheia de folhas e plantas, como a que tá na minha frente.”

De fato, havia uma porta com tais características estranhas unidas de uma energia oscilando do outro lado. 

Amora esperava que a qualquer momento Lucas reaparecesse, o que não aconteceu e começou a mexer nas preocupações dele.

Podia ser meio sem coração, no entanto, ainda cuidava fielmente dos filhos de seu antigo mestre e da sua esposa querida. Era seu dever como guardião da família proteger todos.

O único motivo pelo qual não entrou era a certeza de que Lucas não havia morrido. 

Em sua cabeça, seria rídiculo acreditar que aquele idiota enfrentaria um desafio do qual não conseguiria vencer. 

Mesmo com certas atitudes burras, o garoto tinha algum mérito por usar bastante a cabeça em circunstâncias perigosas, tal como nos exercícios contra os elfos.

Odiava admitir, mas Lucas era um monstro quando se tratava de usar a cabeça e agia de forma ardilosa. Ele sempre partia para cima de forma ingênua, no entanto, seu olhar era afiado.

Poucos perceberiam, mas aquele menino fazia isso justamente para que seu oponente revelasse a forma como lutava, e uma vez adaptado a essa forma, ele tomava a dianteira na luta e pressionava quaisquer pontos fracos que achava.

Padrões previsíveis? Era fácil encontrar janelas. Muito lento? Ele usaria a velocidade para atingir pontos vitais. 

Como um lutador, Lucas demonstrava muitas qualidades, mas assim como qualquer pessoa capaz de erguer os punhos e bater, havia seus defeitos.

No entanto, para seus próprios objetivos, até aquele momento o resultado foi bastante agradável. Até mesmo no primeiro sparring que tiveram, Amora tomou um susto com a habilidade do garoto.

“Ronaldo ficaria muito orgulhoso se o visse no seu estado atual.”

Quando tal pensamento flutuou por sua mente, a energia na porta tremulou. Apareceram três silhuetas, o reflexo de uma lâmina o forçou a mudar de forma num piscar de olhos.

O tempo parecia paralisado para Amora, cujos sentidos se aprimoraram ao limite enquanto seu corpo se impulsionava para frente. Ele não teve esforço em dominar o sujeito segurando a faca.

Uma de suas mãos puxou o pulso do homem de barba desgrenhada, enquanto a outra o pegou pelo cabelo, puxou-o para perto e em seguida afundou sua cabeça com toda força na neve.

Solein, que estava bem pertinho, deu um pulinho de susto e voou com a onda de choque criada por aquele impacto, mas Lucas a pegou no meio do ar antes que caísse.

Os dois se encararam por um momento,nas bochechas branquinhas da elfa ficaram um pouquinho vermelhas. 

Um clima esquisito se formou ao redor deles, o rapaz em especial não gostava nada desse clima, mas Amora repetidamente batendo a cabeça daquele homem contra o chão estragou qualquer atmosfera.

— Mi-minha nossa... — Solein colocou uma mão na boca por tamanho desconforto com a cena.

— Não precisam dizer nada. — O gato monstro levantou um pouco o crânio do homem, mas não demorou para afundá-lo de novo na neve e manchá-la com gotas vermelhas. — Lucas, não se preocupe com o treino, vou resolver isso de antemão.

O rapaz não respondeu, na verdade achou melhor levar a moça em seus braços para longe daquela cena brutal. 

Essa era sua primeira vez vendo Amora num humor tão ruim, apenas a demonstração serviu de prova para não irritá-lo mais.

Quando os dois saíram de perto, em que não ouviriam o que aconteceria, Amora pegou aquele nojento no chão pelo cabelo e o arrastou em direção a floresta, sem se importar com a trilha vermelha deixada para trás.

Num lugar fundo o bastante, ele o ergueu até ficarem cara a cara. O homem ainda estava consciente, mas sem sua arma, e muito menos completamente em si.

Veias saltavam de seu rosto, mas nem isso abalava o frio semblante de Amora, que apenas o jogou com um movimento leve para que ficasse de pé a poucos metros de distância.

Uma baforada de ar escapou da boca do mestre, suas garras retrairam de volta ao lugar, enquanto suas emoções eram afundadas no coração para não se despertarem contra um humano fraco.

Ele não precisou falar nada, muito menos se apresentar, o homem desgrenhado rapidamente entendeu a situação que estava e não tentou fugir, sabendo que seria impossível de qualquer forma.

O silêncio ao redor desapareceu assim que um galho quebrou, seguido por um estalo no chão e o movimento abrupto do maldito nojento.

Amora sequer se esforçou para desviar, retribuindo com um punho que se afundou no rosto dele, entregando-o uma marca vermelha e um nariz quebrado.

— Não recue. Estamos longe de terminar…

Uma aura intensa se formou sobre os ombros do gato, espalhando-se pela floresta inteira como um incêndio.

Só durou um instante, mas o homem se arrepiou por completo, até perder por completo a visão. Lentamente, uma dor se alastrou pelo corpo.

Não demorou para que sua consciência fosse levada embora, seguido de sua vida. O corpo caiu de costas no chão.

Amora olhou para as mãos ensanguentadas e as balançou, retirando o excesso. O problema era o cheiro, mas talvez pudesse disfarçar quando mudasse de forma.

Ele deu as costas após afundar o cadáver no fundo da neve, agora poderia apagar esse incômodo da sua mente e focar no que realmente deveria

A silhueta de gato-monstro apareceu no meio das árvores e rapidamente se aproximou, fazendo Lucas ganhar uma expressão aliviada.

Não havia dúvidas que Amora lidaria facilmente com o problema, mas ainda estava curioso para saber o que aconteceu com o homem.

— Tá tudo bem contigo? — perguntou, vendo-o retornar a sua forma de gatinho.

— Está sim, eu já resolvi o problema. Foi bastante inteligente hoje, Lucas.

— É, valeu… Não encontrei outra forma de resolver, sabe?

— Eu entendo, não se preocupe muito. Seria melhor agora acolher aquela menina chorona ali… Se bem que, a essa altura, não faria mal ela também participar do seu treino, né?

— Eu prefiro não ter a possibilidade que essa coisa aconteça.

O rapaz largou um sorriso, se esquecesse o que aconteceu hoje, talvez se sentiria melhor mais tarde.

 Um suspiro fugiu de seus pulmões, pelo visto teria que dar uma ajudinha para que Solein não enlouquecesse e pensasse que ele era uma pessoa sem coração.

Quem sabe ela o considerava um tipo de monstro por colocá-la numa situação de perigo, servindo de lição para não levá-la de novo.

No entanto, mesmo focando em outra coisa, sua atenção não conseguia sair de perto daquela tela flutuante com uma mensagem bastante curiosa.

 

A deusa Artemis parece muito interessada no monstro à sua frente.



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