Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 39: Sobrancelha

Lucas estava numa outra situação ruim. Ele não queria nem saber qual habilidade que Natália possuía, especialmente por conta do frio na barriga que aquela energia dourada trazia.

Ela era forte, isso dava para entender fácil. Um vacilo e cairia na cova, agora era a pior hora de arranjar uma briga. Se demorasse, os guardas também viriam.

— E-ei, não me reconhece? — Apontou para o próprio rosto. — Eu sou o irmão do Levi, não lembra? Vim deixar uma coisa pra ele, nada demais. 

— Levi disse que tinha um irmão, mas ele com certeza não viria nessa hora e também duvido muito que ele mexeria com a mestra do jeito que você fez! 

A energia pulsou, escamas apareceram na pele de Natália. Lucas não soube dizer que tipo de habilidade era, mas se assemelhava a de Viviane em disparado. 

Não desviou o olhar, suor frio descia de seu pescoço. 

— Eu juro que sou irmão dele, e quanto a Viviane, eu só tava conversando com ela! É sério!

— Duvido muito, aposto que você é um daqueles caras maus… — Ela entrou numa posição agressiva, um pé na frente e as mãos em formato de foice para frente. — Não vou te deixar sair, não importa o quanto fale! Vou te torturar até falar tudo o que quero ouvir, entendeu?

Aquela cabeça dura ouvia e as palavras saiam pelo outro ouvido. Lucas levantou suas mãos na base do boxe, ele não queria bater na garota, mas só comprar tempo para fugir.

Outro problema também eram os guardas. Aquelas mãos de luz com certeza já tinha alertado alguém, em breve eles apareceriam e sabe-se-lá o que aconteceria a Lucas se fosse pego.

O rapaz disparou em linha reta, assustando Natália, que não esperava tanta velocidade de seu oponente. Ela reagiu batendo com toda a força no chão, levantando um cogumelo de poeira para cima.

O barulho e o impacto eram monstruosos, o equilíbrio de Lucas desapareceu por um momento, mas dentro da cortina de poeira ele era invisível.

Ele correu na direção do muro e deu um salto enorme, sua silhueta foi a única coisa que Natália viu antes dele sair de vista.

“Que merda, por que sempre que eu tento fazer algo direito dá merda pro meu lado?”, pensou, escutando sons de explosões o perseguindo.

A pior coisa naquele momento era uma maluca caçando no meio da noite. Lucas olhou para trás por cima do ombro, observando uma garota sobrancelhuda com um par de asas grossas voando em sua direção.

Parte do corpo dela estava revestido por escamas. Certos traços também se assemelhavam a um lagarto, como a pupila em risco e um nariz mais avantajado.

“Meu irmão pegou a PORRA de um dragão?!”

Agora sim Lucas estava em dúvida da escolha de seu irmão. Quer dizer, uma maluca não tinha problema, o que tinha problema era uma maluca dragão que podia varrer uma cidade toda!

Dobrou na primeira rua que viu, deslizando o dedo para o lado com a Loja dos Heróis já em segundo plano. Numa situação de emergência, provavelmente teria algo para pegar dali.

— Volte aqui, seu maldito! — Os gritos e ameaças ficaram gradativamente piores conforme a perseguição aumentava. — Se eu te pegar, tu vai ver! Desista de uma vez antes que as coisas fiquem piores pro…!

Uma bola roxa voou na direção da garota, que rapidamente cortou o objeto. No entanto, isso liberou uma fumaça extremamente densa com um cheiro fedorento tão forte que qualquer um que inalou sentiu imediata vontade de vomitar. 

 

Bomba de Muco

Um objeto usado por  uma estranha dinastia que tinham o propósito de estragar a vida alheia das piores formas possíveis. Libera uma cortina de fumaça e lança um odor horrível que ficará no corpo da vítima por alguns dias.

 

“Foi mal, menina, mas é pro nosso bem!”

Assim, Lucas enfim foi capaz de despistá-la. Provavelmente as autoridades chegariam lá para conferir a situação, quem sabe interrogassem a menina dragão.

Já não importava mais, de qualquer forma, pois havia escapado em segurança e se tudo desse certo não teria que lidar com as autoridades.

Após realizar um padrão aleatório pelas ruas e passar cerca de uma hora dentro de uma zona farmando goblins, ele se permitiu voltar para casa.

Esperou um pouquinho antes de entrar em casa para pegar um ar, aquele corre corre estava matando seu coração de dor. Ao se acalmar, entrou em casa.

Sua mãe não estava, um sinal estranho, levando em conta que sempre ficava em casa naquela hora. 

Também não encontrou Amora em canto nenhum, e mesmo que fosse uma razão para se preocupar, pensava que os dois saíram juntos, o que acalmou seu coração.

“Nenhum dos dois deve voltar tão cedo… e sinceramente, depois de tudo isso que teve, eu só tô afim de relaxar.” Ele pegou uma colher larga, algumas salsichas e um queijinho. “Posso finalmente posso comer o que eu quiser porque o Amora não tá vendo!”

Fazia um tempo que ele sentia falta de comer de maneira “normal”. Por conta do treino, Lucas era obrigado a seguir uma dieta rígida, sem nunca poder saborear o lado ruim da gastronomia com suas refeições hipercalóricas e horríveis para a saúde.

Ele comeu sem pensar nenhum, mas sua mente flutuava para vários lugares ao mesmo tempo. 

Nem os programas aleatórios da TV ou a paisagem do alto do apartamento serviram para distraí-lo, pois a forma como as coisas andavam naquela realidade ainda mexia com ele.

“Em pensar que nem conheci o Theo, ou que aquela desgraçada de Imperatriz não apareceu… pensando bem, ela me mandou uma missão e nem concluiu. Parece até que o que aconteceu foi de propósito para que tudo fosse reiniciado.”

A tal imperatriz a que ele se referia era a suposta aparição que ordenou o sequestro de seu irmão. Ele ainda queria entender como outra pessoa interagia no sistema.

Talvez fosse uma entidade superior ou um ser semelhante a Moon, mas vai saber, ele não era adivinho para entender como tais coisas funcionavam.

O relógio bateu 21:29. A dona da casa não havia retornado ainda. Lucas sacou seu celular e discou para sua mãe, levando duas ligações para enfim ser atendido.

— Alô, filho? — A voz estava meio ruim, ela estava num lugar com sinal baixo. 

— Alô, mãe. Eu queria saber onde a senhora tá, fiquei preocupado. 

— Eu tô resolvendo umas coisas aqui, Amora insistiu em vir comigo. É uma besteira de nada, mas tive que vir. 

O som de uma explosão altíssima tomou conta do celular, forçando Lucas a afastar o aparelho de tão alto que foi o barulho.

— Mãe?! Que que foi isso?! Você tá bem? Mãe!

— Se acalma, menino, eu tô sim! — A voz outra vez engasgou um pouquinho, algumas vozes ecoavam no fundo. — É… ai ai, um cara bateu o carro aqui perto! Dá pra acreditar? Ainda bem que o Amorinha tá comigo, vai que isso passava por cima de mim!

— Mãe, pelo amor de Deus, não diz algo assim… Eu me preocupo contigo, viu?

— Tá, tá, eu entendi, meu menino… Às vezes você me lembra teu pai, sabia? Ele era carinhoso e fofinho que nem você.

— Não precisa me causar vergonha a essa hora também, mãe… 

— Hahahaha, o que mais eu poderia dizer, bebezão da mamãe? Bem, eu vou desligar, é perigoso ficar com o celular na mão no meio da rua, viu? Aliás, faça a janta enquanto estou fora, porque eu ainda vou demorar.

— Tá bom, tá bom. Toma cuidado, te amo.

Houve um momento de silêncio. A dona de casa não respondeu, na verdade demorou muito mais que o normal para ela dizer qualquer coisa.

— Eu também te amo, Lucas.

E assim a ligação acabou. O rapaz estranhou a reação dela, especialmente essa demora. Não que tivesse vindo de maneira fria, só era esquisito mesmo.

Como um bom filho, ele obedeceu às ordens dela, preparando uma panela de arroz e alguns empanados para comer. 

Estava tarde e ele não tinha saco para cozinhar um frango ou pedaço de carne, ir pela opção era mais fácil.

Ele foi atrás de dormir quando aprontou tudo, tapando com tampas e um pano pra não acumular moscas. 

Lucas fechou os olhos, sua concentração foi voltada a alcançar um lugar esotérico, um tipo de meditação estranha que enviava seu corpo a outro plano.

 

Dimensão dos Sonhos acessada.

 

Naquele mundo, sentiu uma coisa gostosa, um conforto incomum de estar plenamente sozinho com seus pensamentos.

O horizonte indescritível e infinito pareceram nuvens aconchegantes, enquanto o piso macio atuou como um enorme sofá.

Queria dormir por ser um lugar tão confortável, mas seu corpo normal realizava esse trabalho enquanto permanecia ali.

Ainda não havia acostumado a esse ambiente, mesmo que estivesse muito feliz por enfim conseguir acessá-lo novamente. 

Levaram dias para voltar a esse lugar, onde poderia praticar qualquer coisa que quisesse por horas a fio se assim quisesse.

Lucas trabalhou um pouco de sua imaginação. Se era um mundo de sonhos, supostamente qualquer coisa era possível ali dentro.

Ele imaginou ter quatro braços e magicamente dois surgiram abaixo das axilas. 

“Caramba, que negócio estranho! É como se eu tivesse mexendo dois braços ao mesmo tempo ao troco de um… Eu, hein, não tem nem como descrever direito o que tô sentindo!”

Outra coisa engraçada era o som de sua voz. Toda vez que ele pensava, um eco dos seus pensamentos surgia naquele mundo e ia gradualmente diminuindo.

Tirando essas coisas, ele começou a experimentar que mudanças podia fazer no próprio corpo, desde um olho nas costas até ficar com um braço a menos. 

Por outro lado, uma das coisas que queria experimentar era especialmente saber como funcionava quando usava 100% do seus músculos.

Naquele mundo de sonhos, mesmo que as experiências não fossem exatamente reais, ainda serviam de base para suas ideias.

“Se eu posso manipular e controlar qualquer coisa aqui, significa que também posso colocar cenários que já vi… Tipo o Leviatã.”

Antes de experimentar como enfrentaria aquela criatura, Lucas primeiro se colocou numa posição de corrida. 

Ele usou tudo da sua mente para aumentar a força dos músculos a 100% e entrou em disparada.

Seu corpo voou no primeiro passo, a pancada no chão causou um tremor pelo longo sofá, junto da sensação de uma lâmina cortando sua perna em pedaços.

A dor era tamanha que não conseguia dar um segundo passo, junto de um impulso repentino que o jogou de volta à realidade. 

Lucas se impressionou com os efeitos, mas pior que isso era a dor ser tão forte que seu corpo acordou e ele ainda tinha parte da sensação ao longo da perna.

“Caramba, a coisa é séria… Hah, se eu conseguisse liberar 100% e ainda manter por muito tempo, seria incrivelmente roubado… Não, pense em metas a curto-prazo. Alcance o 50% primeiro, o resto vem depois!”

Infelizmente o sono não voltava, e a hora no relógio digital em cima da mesa batia 1 da madrugada. Um assalto à geladeira não era má ideia.

Lucas andou em direção a porta, mas quando ia abrir a maçaneta, surgiu uma voz do outro lado da porta.

— Amora, meu filho está muito diferente. O que você tem feito com ele?

Era sua mãe, sem sombra de dúvidas era ela. Sua mão tremeu, ele se manteve estático no lugar para ouvi-la.

— Eu não fiz nada — respondeu o gatinho da voz grossa. — Nem faço ideia do que aconteceu para que ele começasse a agir assim. Foi muito repentino, da noite pro dia.

— Certeza que nenhum espírito ou ser semelhante o possuiu? Ele nunca me disse um “te amo” tão diretamente assim!

— Sim, foi muito bonito ele ter dito isso. Mas, sinceramente, não acho que ele foi possuído, seu jeito só parece ter sido amenizado. Ele está mais dócil, por assim dizer.

— Estranho, estranho… Em todos os meus anos como raider, não imaginei que isso era possível. — Um suspiro e estalos soaram do outro lado. — Os portais mudam as pessoas, já me peguei pensando se o pai dele ainda estivesse entre nós, Lucas não teria ficado tão violento. Eu ficava com medo até mesmo dele ter a repentina ideia de se aventurar nos portais…

Lucas estava pasmo, tão perplexo que não podia sair do lugar. Sua mãe esse tempo todo era uma raider, e ele nunca desconfiou disso.



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