Eu Selarei os Céus Chinesa

Tradução: Devlin

Revisão: Bonadeo


Livro 3

Capítulo 288: Flor de Pêssego

A montanha sumiu e bem longe, ao horizonte, era possível ver o contorno quase imperceptível de uma cadeia de montanhas.

O céu não mais estava azulado e sim vermelho como uma chama, pois estava no crepúsculo vespertino.

Esse crepúsculo carregava consigo os últimos raios de luz do pôr do sol, que derramavam-se envolvendo toda a região de uma pequena cidade-condado. As muralhas dessa cidade estavam cobertas de manchas e marcas que eram evidências da passagem de tempo, dando uma impressão de ancestralidade como se existissem há bastante tempo.

Em cima das muralhas, alguns guardas faziam suas rondas despreocupadamente. E ocasionalmente alguns sons distantes de risadas e conversas podiam ser escutados de baixo onde ficava um bordel. Uma nova garota tinha aparecido na cidade e a risada deles continha a beleza jovial da antecipação daqueles que sonham ter a chance de conhecê-la.

Carroças puxadas a cavalo estavam enfileiradas para entrar pelo portão da cidade, em cima de cada carroça seu cocheiro brandia um chicote direcionando seus cavalos rumo ao centro da cidade.

Apesar de o sol estar se pondo, um calor intenso ainda permanecia influenciando toda a região, tornando-a como se estivesse em um forno que quisesse assar a terra.

Não havia vento, sequer chuva nesse lugar.

A única coisa que existia era esse calor desértico.

Essa cidade murada não era muito grande; afinal era apenas do tamanho de um condado. As pessoas transitavam pelas ruas em grupos de dois ou três se abanando com leques e ocasionalmente xingavam o calor.

Os lugares mais agitados da cidade eram as casas de chá, onde eram servidos chás gelados em que podiam se aliviar um pouco do calor que sentiam. Em uma tarde de verão sufocante como essa, o passatempo principal da população era fofocar com amigos e vizinhos.

Além das casas de chá havia também o Distrito da Luz Vermelha da cidade, um lugar que só as pessoas mais ricas iriam. Muitos homens que passavam por lá não podiam deixar de olhar para as deslumbrantes jovens bem vestidas que se apoiavam nas varandas das casas de madeira olhando de cima a rua. Era uma visão suficiente para incendiar o coração de qualquer homem que as vissem e fazê-los esquecer de quão insuportável estava o calor.

Se a esposa de um deles caminhasse por esse distrito, seu rosto iria se distorcer de inveja e ela rapidamente iria puxá-lo para longe dali. Uma esposa com o temperamento mais explosivo iria olhar para cima e xingaria algumas vezes essas jovens promíscuas e obstinadas.

Todos sabiam muito bem que as garotas do Distrito da Luz Vermelha eram delicadas como flores e refinadas como jade, possuindo uma beleza inumana. Nos quartos dessas casas havia cubos de gelo em bacias e lindas servas abanando leques. Por causa disso, apenas clientes ricos tinham o luxo de desfrutar uma brisa gelada como essa.

Obviamente, além disso, lhe eram servidos uma comida deliciosa e um bom vinho. Era o sonho de todo homem ir até lá, seja pelas garotas, pela comida ou pelo frescor dos cubos de gelo.

“Olhem só, o ponto é, que esse lugar é o melhor lugar do mundo!”, falou Meng Hao em uma voz baixa e assertiva para as duas crianças que estavam ao seu lado, cerrando seus punhos fortemente quando falava isso. Essas duas crianças tinham a mesma idade que ele, doze ou treze anos. “Vocês não têm nenhum senso de irmandade!”

Meng Hao colocou os braços nos ombros de cada um. Um deles era magricelo e o outro gorducho. Ambos pareciam estar entusiasmados, mas ao mesmo tempo tímidos demonstrando nervosismo.

Meng Hao deu-lhes um olhar muito sério, como se fosse um Patriarca de uma Seita preparando-se para entregar um legado. “Amanhã, eu o jovem mestre, serei mandado para um internato. De agora em diante estarei renunciando meu título de Melhor Valentão do Condado do Advento Oriental para vocês dois. Não esqueçam, vocês não podem fazer nada que irá arruinar a reputação desse título dado a vocês.”

Se eles estivessem em algum lugar sagrado, talvez essas palavras carregassem algum tipo de poder. Mas infelizmente, os três estavam na verdade deitados de barrigas para baixo em cima de um muro.

O que tinha do outro lado do muro era nada menos que o Distrito da Luz Vermelha e o muro onde eles estavam cercava o distrito. À frente deles tinha uma casa com dois andares que era interligada a outra casa menor que estava posicionada à frente do pátio. Pela posição que eles estavam, podiam ver claramente sombras de homens e mulheres pelas janelas do segundo andar das casas e escutavam sons de risadas e conversas que vinham daquele lugar.

O garoto gorducho, que tinha o rosto coberto de sardas, falou animado. “Jovem mestre Fang, não se preocupe. O título de Melhor Valentão do Condado do Advento Oriental pertencerá sempre a você. Quanto a nós, os valentões de números dois e três, nós certamente manteremos essa reputação!” o garoto magricela do lado dele assentiu veemente com a cabeça.

“Ótimo, sabia que podia contar com vocês”, Meng Hao respondeu solenemente. “Entretanto, vocês ainda precisam de seus distintivos de iniciação na gangue. E hoje é o dia da última prova. Agora prestem bastante atenção. Logo, alguém irá sair e quando isso acontecer vocês irão arremessar essas pedras nessa pessoa o mais forte que conseguirem!”

Cada uma dessas crianças segurava nas mãos pedras do tamanho de suas próprias mãos.

“Aquele maldito desgraçado!”, falou Meng Hao com os dentes cerrados. “Ele se atreve ir atrás da minha Flor de Pêssego!? Este jovem mestre irá definitivamente descobrir quem exatamente tem o atrevimento para fazer isso!” Ele olhava fixamente para a casa de dois andares. Ofegante, ele continuou, “Flor de Pêssego prometeu que esperaria até eu crescer para que dormisse comigo. Quem poderia adivinhar que haveria um filho da p*ta que ousaria escolher ela!” Seu coração estava repleto de fúria. Quando os dois garotos lhe olharam nos olhos, seus corações ficaram repletos de uma enorme admiração.

“Ele definitivamente merece ser nosso Irmão Sênior”, pensaram. “O Melhor Valentão do Condado do Advento Oriental tem uma amante. Ele com certeza é o único garoto de doze anos no condado inteiro que é capaz de conseguir isso!” eles trocaram olhares e suas expressões ficaram ainda mais fanáticas. De acordo com o que eles acreditavam, qualquer um que fosse capaz de entrar no lendário Distrito da Luz Vermelha e conseguir uma amante tinha uma habilidade que alcançava os Céus. E ser capaz de falar abertamente sobre isso os fez sentirem ainda mais orgulhosos.

Logo após o tempo suficiente para um incenso queimar ter passado o anoitecer chegou e a lua ascendia ao céu. A porta da varanda do segundo andar da casa se abriu e uma linda jovem bem vestida guiava um homem de meia-idade pelo braço. Ele parecia estar bêbado e eles conversavam com o tom de voz suave quando apareceram.

A luz do luar estava ainda fraca e o céu estava um tanto escuro, deixando difícil ver exatamente a aparência deles. Entretanto, Meng Hao reconheceu de imediato a Flor de Pêssego. Seus olhos instantaneamente ficaram vermelhos e ele berrou, “Seu filho da p*ta desgraçado, este jovem mestre irá espancar você até a morte! Você se atreve a tocar na minha Flor de Pêssego!” com um rugido ele arremessou a pedra de sua mão. E com rugidos igualmente ferozes, os dois garotos o acompanharam jogando suas pedras.

“Este jovem mestre irá… hãã?” Meng Hao estava prestes a pular na varanda quando seu corpo começou a estremecer. O homem bêbado de meia-idade facilmente desviou do ataque das três pedras e ergueu a cabeça furiosamente e assim que ele viu Meng Hao, ele deu um sorriso leve e então sua fúria incendiou-se ainda mais intensamente.

“Ah seu moleque maldito!”, ele bradou. “Isso é um motim!

Meng Hao instantaneamente se tremeu todo.

“Pai…” toda a valentia e nobreza de Meng Hao evaporaram-se por completo como se água gelada tivesse sido jorrada sobre seu corpo. Ele imediatamente pulou do muro e começou a correr. Os rostos dos dois escudeiros ao seu lado ficaram pálidos de medo e as batatas de suas pernas ficaram bem vermelhas enquanto corriam a toda velocidade.

“Nós estamos ferrados. Ferrados! O Pai de Fang Mu era o antigo Melhor Valentão do condado! Agora ele é um policial que pode matar pessoas num piscar de olhos!” os rostos dos garotos ficaram tão pálidos quanto à morte enquanto eles fugiram.

Depois dos três sumirem de vista, o homem de meia-idade permaneceu no pátio, ao mesmo tempo com raiva e se divertindo com a situação. A ideia de seu filho se rebelar contra ele era ao mesmo tempo enfurecedora e hilária.

“Aquele moleque nunca estuda e não quer aprender nada. Mandar ele para estudar em um internato é definitivamente a melhor escolha!”

Tarde da noite, Meng Hao circulava pelas ruas, suspirando continuamente e pesarosamente. Quando ele finalmente alcançou o portão principal de sua casa, ele olhou para as luzes que brilhavam lá dentro e profundamente franziu suas sobrancelhas.

“Por que tinha que ser o pai…? Ô, mãe, você nos deixou cedo demais. Se não tivesse partido as coisas seriam bem diferentes. Eu irei ter uma palavrinha com ele por você!” ele já tinha empurrado o portão que dava ao pátio da casa e subitamente começou a chorar.

“Ô mãezinha, como eu tenho saudade de ti! Você que me visitaste em meus sonhos noite passada e me disse para ir visitar a Flor de Pêssego… ô mãezinha…”

“Calado!” interrompeu uma voz furiosa de dentro da casa. A porta abriu e dela saiu o pai de Meng Hao, o mesmo homem de meia-idade de antes. Sua sobrancelha estava franzida e olhava com cara de pouco amigável para Meng Hao. “Pode parar com seu fingimento! Por que não está na cama ainda? Irei levar você para o internato amanhã cedo para que conheça seu novo tutor.”

“Eu não vou!”, gritou Meng Hao, dando um passo para trás. “Quero ir para uma escola normal! Todas as pessoas da cidade irão rir da minha cara se eu for!”

“Seu moleque maldito. Ainda tentando os mesmos truques manjados para cima de mim…” o homem franziu o cenho e subitamente correu adiante e agarrou Meng Hao, este que estava se preparando para fugir dali. O homem o ergueu no ar e deu umas palmadas na sua bunda algumas vezes.

Os sons das palmas ressoavam bem altos, mas não houve nenhuma dor. Tinha sido assim desde que Meng Hao era pequeno. Ele e seu pai eram os únicos da família que restaram e um só podia depender do outro. Cada vez que ele tinha algum tipo de desentendimento, seu pai daria a impressão de ser alguém bastante rígido, mas na verdade ele não suportaria batê-lo com muita força.

“Para que serve uma escola normal?”, seu pai rugiu como resposta. “O que você precisa é aprender a respeitar os professores e seus ensinamentos! Você precisa aprender a ter ética e disciplina! Você vai ou não!?”

“Não vou!”, berrou Meng Hao, revirando os olhos.

“Ora seu…!” o pai de Meng Hao ergueu sua mão para cima prestes a batê-lo novamente.

Meng Hao apressadamente falou. “Se você me prometer que nunca mais verá a Flor de Pêssego, então eu irei… você pode ir atrás de qualquer outra pessoa, mas não ela!” ele dessa vez estava com medo que seu pai poderia começar a bater com força de verdade dessa vez.

O pai de Meng Hao ao ouvir isso não sabia se devia rir ou chorar. Ele abaixou a mão e a repousou na cabeça de Meng Hao desgrenhando seu cabelo gentilmente.

“Tá legal, garoto. Você está crescendo e posso ver que tem uma imaginação fértil. Como queira, daqui para frente nunca mais irei atrás da Flor do Pêssego novamente. Irei deixá-la pra você e quando você ficar adulto irei arranjar para que ela seja sua concubina!”

“Verdade?”, respondeu Meng Hao com os olhos brilhando.

“Você ainda não foi para cama por quê?!”, ele olhou bravamente para Meng Hao enquanto o largava. Já Meng Hao corria para dentro de casa, jogando suas roupas no meio do caminho e pulou pra cama. Ele teve alguns sonhos maravilhosos naquela noite.

Cedo na manhã do dia seguinte, quando o céu estava começando a brilhar com os primeiros raios de sol, Meng Hao estava de pé com os olhos sonolentos sendo vestido pelo seu pai.

O pai olhou para o filho e podia ver claramente que este não tinha dormido suficiente. Uma expressão rígida cobria seu rosto e também demonstrava amor e carinho enquanto cuidava dele, era um comportamento que Meng Hao não via com muita frequência.

Ele se virou se agachando para levar Meng Hao nas costas, igual tinha feito desde pequenino. A cabeça de Meng Hao se apoiou sobre ombro dele enquanto continuava a dormir. O pai de Meng Hao segurou firmemente o presente que tinha planejado presentear o tutor e então partiu.

Durante o caminho, suas passadas eram um tanto trôpegas. Afinal, carregar um garoto já grande durante um longo caminho não era uma tarefa muito fácil.

Uma hora depois, eles alcançaram o portão principal da casa do famoso senhor de idade que vivia na parte leste da cidade. O pai de Meng Hao o acordou e o deixou no chão. Então, ele bateu na porta e entrou no pátio do estabelecimento.

Meng Hao foi deixado bocejando no pátio e seu pai entrou na casa, portanto não viu a cena de seu pai respeitosamente juntando as mãos e fazendo outros gestos de súplicas.

Não muito tempo se passou até que seu pai saiu da casa. Do lado dele vinha um senhor de idade com cabelos brancos por toda a cabeça. Tinha feições de um ancião, mas repletas de vitalidade. Isso lhe dava um ar de nobreza e prestígio, muito diferente de qualquer pessoa comum.

Isso era verdade especialmente por causa dos olhos dele. Eram olhos repletos de profundidade como se contivessem estrelas dentro deles. Qualquer um que os visse ficaria encantado. O olhar desse senhor de idade repousou sobre o olhar de Meng Hao.

Esse olhar parecia ser capaz de ver as vidas que ele tinha vivido e vidas que ele ainda podia viver.

Esse olhar parecia ser capaz de penetrar pelos três estágios dessas vidas: o passado, presente e futuro.

Esse olhar fazia parecer como se a vida inteira desse jovem foi destinada para o simples propósito de vir até ele hoje e prostrar-se reverenciadamente diante dele e se tornar seu aprendiz.

Depois de um longo momento ter se passado, o senhor de idade assentiu com a cabeça levemente.

O pai de Meng Hao olhou para o filho e falou, “Um Mestre é como um pai. Fang Mu, eu quero que você respeite seu Mestre. Respeite-o ainda mais do que você me respeita! Se você não fizer isso, então não será mais meu filho!” após falar isso, ele partiu.



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