Volume 2

Capítulo 1: A Primeira Missão do Clube de Amigos

*CHUUUÁÁA*

— Isso é tão chato...

Faltando apenas cerca de duas semanas para o fim da primavera, as chuvas se tornavam cada vez mais presentes. A transição entre o clima confortável e gentil da primavera, para o calor intenso do verão é sempre uma surpresa. Principalmente, quando você tem que passar o tsuyu¹ numa sala úmida e com uma companhia 'complicada'

Sendo bem sincero, minha opinião sobre o tratamento inclusivo e acolhedor da escola sobre seus estudantes PcDs havia desmoronado. Me perguntava como uma escola de elite podia apenas deixar uma sala tão afastada e abandonada para quem mais precisava de apoio e cuidado. Além, de que, a companhia que tinha também não me ajudava em nada. Desde que me entendi com Rina, acabei descobrindo algumas coisas sobre o clube em que me encontrava

Basicamente, descobri que sou o único membro que é OBRIGADO a estar presente todos os dias no clube — além da presidente, claro. O restante dos membros tem dias específicos em que devem estar presentes na sala do clube. Como já estava há alguns dias ali, mesmo que não me dissessem, meio que entendi qual era o cronograma do restante dos membros:

Segunda-Feira: Yumi Natsuki
Terça-Feira: Naoko Rina
Quarta-Feira: Risa Himari
Quinta-Feira: Sakura Mei
Sexta-Feira: Risa Himari

Não minto que apenas presumi que a garota que se chama Mei-san vinha nas quintas. Isso porquê é o único dia da semana que nenhum dos outros membros estão presentes (mesmo que a presidente sempre deixe claro que está esperando por alguém). Eu acabei notando também que a garota idiota e extremamente positiva de cabelo azul é a única dos membros que tem mais que um dia de presença no clube. Por mais que me perguntasse sobre isso, não tinha coragem suficiente para ir mais fundo nisso, afinal aquilo não tinha nada haver comigo.

"Bem, acho que não tem jeito... vou ter que tirar uma sonequinha para passar o tempo."

***

*CHUUUÁÁA*

*Ploc* 
*Ploc*
*Ploc*

—...Hum...

Havia se passado alguns minutos. Parece que eu havia cochilado um pouco

—...Hum...uhm...

Dormir com o barulho da chuva é de longe uma das melhores coisas que existe. É como se você estivesse envolvido em uma paz que ninguém poderia interromper. O som da tempestade me levava vez após vez ao mundo dos sonhos, sempre que fechava minhas retinas. Algumas vezes, eu acordava por alguns segundos, mas logo voltava a cochilar mais uma vez. No entanto, de alguma forma eu soubera que na próxima vez que fechasse meus olhos definitivamente eu não acordaria. Seria melhor encarar a realidade fria ou calor do mundo imaginário? 

Eu escolhi permanecer dormindo.

"..."

 —..e..

—.......i....

Entretanto, mesmo que eu me sentisse perfeitamente confortável no meu mundo onde apenas o som da chuva alcançara, uma voz fraca e tenra começou a aparecer no meio das gotas de chuva. 

—......r..........y....

"É a voz de uma mulher... ou seria de uma garota?"

No entanto, a voz que escutei começou a desaparecer pouco a pouco no meio do alto som da tempestade. Chegando a ponto de quase desaparecer. 

Se eu apenas deixasse de focar por um único instante a voz com certeza desapareceria. Como se nunca tivesse existido para começar

*CHUUUÁÁA*

"..."

Era com certeza estranho...

*CHUUUÁÁAAAAAA*

Por mais que eu apreciasse escutar o som da chuva mais que qualquer um...

*CHUUUÁÁAAAAAAAAAAAAAA*

...Eu ainda tinha mais medo de não escutar mais aquela voz.


*PLOF*

*TCHUF*

*TCHUF*

"Arf... arf..."

Estava muito escuro

"Urgh... onde... onde...?"

E a tempestade não ajudava

"Cof... ah..."

No entanto, quanto mais pensava sobre a voz. Mais ela se tornava perceptível para mim.

*PLOF*

*TCHUF...*

E lá estava...

Era como se o mundo estivesse dividido em dois

De um lado, o barulhento som da chuva

 *CHUUUÁÁAAAAAA*

Do outro, o o mundo imóvel e a quietude da neve...

 *Vuuuushhh*

E uma beleza sem igual permanecia imóvel sobre esse paraíso branco

Dona de uma beleza sem igual, sua pele e cabelos são brancos como a neve

Seus olhos são como duas joias translucidas de valor inestimável 

Ela veste um kimono branco — quase que transparente. E a neve branca que sai de sua boca mostra que sua respiração é congelante

Ela é linda de um jeito que causa medo.
Uma beleza que parece:

distante

imóvel

E inaproximável

Como uma paisagem de inverno tão perfeita que você sabe que morreria se ficasse ali para sempre.

Porém, ela não faz qualquer barulho e nem suas pegadas podem ser enxergadas na neve

De alguma forma, eu também sabia que não poderia me aproximar mais daquela figura feminina

E ela também parecia não poder chegar mais perto do que aquilo

"É tão injusto..."

No entanto, talvez percebendo a tristeza em minha face, a figura que permanecera calada até então deu um sorriso e disse para mim...

EI... RyYiIooOchHhhIi-kuuuuun... AcoOoOOoRdEeeee...

AHHHHHHHHHHH!!! So-socorro!!! 

Acordar com a voz da presidente definifivamente não é das melhores experiências. Acho que tive um ataque cardíaco...

— Ah, ah.... v-você não poderia ser mais gentil?!

— Deixa de drama. Você queria o quê? Um beijinho de bom dia? — Retrucou, a presidente. — Eu lhe acordei porque a chuva já está quase passando e já é hora de fechar a sala do clube

— Ah... ok, ok. 

Por mais que tenha sido coagido pela presidente, imaginar ela me dando um beijo de bom dia foi bem cômico eu diria.

— Ei, qual é a graça?

—  He... não é nada. 

Decidi então me aproximar da janela da sala do clube para ver com meus próprios olhos e realmente a chuva intensa já era agora apenas uns poucos chuviscos. E o barulho intenso da tempestade já não podia mais ser escutado

No entanto, era realmente uma pena que a chuva tivesse passado logo agora. Eu gostaria de ter escutado o que aquela mulher do meu sonho iria dizer...

— Ei, Ryoichi-kun...

—...Você gosta mais da neve ou da chuva? 

"Aquela voz..."

Quando me virei para atrás, vi que lá estava Haruka-senpai. 

Sua voz ainda parecera estranha para mim, mas era como se ela carregasse algo diferente dessa vez

— [...]

— Acho que gosto mais da chuva

— [...]

—...Hum, sim. Meio que eu já sabia — Disse, a presidente.

Eu não entendia onde minha senpai queria chegar com aquela conversa. Aquilo parecia totalmente deslocado para mim. No entanto, de alguma forma eu sentia que devia saber mais sobre aquilo. Afinal, era extremamente raro a presidente começar uma conversa comigo

— Ryoichi-kun... você já escutou a lenda da Mulher da Neve e o Homem da Chuva? 

—...Não. Pelo menos creio que não. 

— Era esperado. Acho que você não é muito de ler mesmo

"Bem, acho que nisso eu não posso retrucar mesmo..."

— Mas, afinal, sobre o que é essa lenda? — Perguntei, curioso.

— Dizem que, muito antes de os humanos nomearem as estações, os fenômenos naturais eram guiados por pequenos espíritos — não deuses, mas forças com forma e coração...

—...Entre eles viviam:

Yuki-onna, espírito da neve fria.
Silenciosa, translúcida, e tão leve que seus pés não deixavam marcas na neve.
Ela amava o mundo imóvel, o ar parado, a pureza do branco absoluto.

Ameotoko, o homem da chuva.
Um espírito menor, que surgia nos dias de chuvisco.
Ele sorria quando ouvia água pingando dos telhados e ria quando gotas escorriam pelas folhas...

Parecia ser apenas uma lenda comum. Daquelas que escutamos algumas vezes das pessoas mais velhas. No entanto, diferente do que eu imaginava a história acabou indo para um caminho totalmente diferente

— Era só isso? — Indaguei a presidente.

—  Não, o problema vem depois disso...

— O que aconteceu?

— Eles se apaixonaram. — Revelou, Haruka-senpai. — Não foi imediato.
Dizem que se viram pela primeira vez no fim do inverno, quando a neve ainda recobria o solo, mas o ar já cheirava a umidade. Yuki-onna notou que o homem da chuva caminhava sobre a neve como se ela estivesse viva. Ameotoko notou que o silêncio dela era tão profundo que fazia qualquer som parecer mais verdadeiro. 

— [...]

— Então, eles logo começaram a se encontrar nos dias indecisos, quando o mundo não sabia se chovia ou nevava. — Completou, a presidente 

— Parece ser apenas uma história clichê de um romance 

— Só parece mesmo. Porque logo o problema apareceu...

—...Quando ela se aproximava demais, o frio congelava as gotas em seu corpo. A alegria dele ficava rígida — ele perdia o movimento. — Haruka, narrou. — Quando ele se aproximava demais, a chuva derretia seu corpo.
O silêncio dela se desfazia em água — ela perdia a sua forma. — Dissertou, Haruka. 

Curioso sobre o que aconteceu com eles, decidi perguntar a presidente:

— E o que aconteceu com eles? Eles desistiram? 

— Não. Ainda assim, continuaram insistindo...

—...Os espíritos maiores — Primavera, Verão, Outono e Inverno — chamaram os dois...

—...O Inverno falou primeiro:

“Neve não pode coexistir com chuva.
Se ele ficar, você derreterá.”

O Verão acrescentou:

“E se você ficar, ele desaparecerá no frio.”

A Primavera foi mais suave:

“Tudo que nasce precisa mudar. Até vocês.”

Mas o Outono disse a frase que marcou a lenda:

“Quem ama o silêncio busca clareza.
Quem ama o som busca movimento.
São destinos diferentes.”

Os dois espíritos ficaram em silêncio.

— Então... — A resposta logo apareceu em minha mente, mesmo que de alguma forma eu não concordasse totalmente com aquilo. Mas antes mesmo que eu pudesse dizer alguma coisa, a presidente decidiu completar.

— Para que um existisse plenamente, o outro tinha que ceder. — Respondeu, Haruka-senpai. 

— M-mas então... o que eles fizeram? Eles iam simplesmente aceitar isso?

A presidente que estava um pouco mais distante de mim, no meio da sala, logo se movimentou em sua cadeira de rodas até ao meu lado. Porém, ela se pôs de frente a janela como que tentando apreciar os últimos resquícios da chuva. Eu a acompanhei e também voltei a olhar pela janela mais uma vez.

— Há uma única época do ano — curtíssima — em que neve e chuva se misturam... quando a neve começa a derreter, mas o ar ainda está frio demais para a primavera chegar...

—...É um momento em que:

a neve não é mais firme,
e a chuva ainda não é quente.

— Ameotoko e Yuki-onna decidiram que a única forma de ficarem juntos era se encontrarem nessas horas raras. Ali, nem ela derretia totalmente, nem ele congelava por completo. Eles se encontravam em rios rasos, onde a neve virava água, ou em florestas de bambu onde gotas se misturavam a flocos quebradiços. Por alguns minutos — às vezes horas — eles existiam sem ferir um ao outro...

—...Mas logo a temperatura mudava.
Ou chovia mais forte.
Ou nevava outra vez.
E cada um tinha que voltar ao seu domínio.

Já ansioso demais para a conclusão da história, cobrei para quea senpai contasse o fim daquele casal de uma vez. 'Afinal, eles conseguiram ou não ficar juntos?' Essa perguntava martelava em minha cabeça repetidas vezes

— Essa história já está se prolongando demais... no fim, o que aconteceu? 

— [...]

Era como se a presidente não quisesse revelar o fim da história. Seu rosto normalmente inexpressivo se tornou nublado e sua testa franzida era prova clara de sua expressão tensa

— Senpai?

*BLAM!*

Entretanto, um som que já era conhecido pelos membros do clube tomou conta da sala. Era o barulho de alguém entrando na sala. Virei-me em direção ao dono do som, por sua vez, Haruka-senpai continuou a focar na janela 

Era Yumi-senpai. Era estranho... ela não deveria vir a sala do clube nesse dia. No entanto, antes mesmo que eu pudesse a questioná-la, Yumi começou a falar:

— Algumas versões antigas dizem que Ameotoko pediu:

“Venha comigo. Vamos viver onde sempre chove.”

Mas ela respondeu:

“Se eu for, deixarei de ser eu.
E você me amaria se eu não fosse mais neve?”

— Já outras versões afirmam que foi ela quem pediu:

“Venha comigo. Vamos viver no frio.”

E ele respondeu:

“Sem som, eu desapareço.
Você me amaria se eu não tivesse mais voz?”

No fim, nenhum dos dois escolheu o outro completamente.
Escolher o outro significaria deixar de existir, apagar sua essência.

Então eles escolheram o único momento em que não precisavam mudar:

a neve derretendo
e a chuva esfriando.

O instante em que ambos são verdadeiros.

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários

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