Volume 2
Capítulo 7: Batem à porta
— Vamos pensar em alguma coisa... — disse Matthew, encarando as costas cada vez mais encolhidas do amigo, enquanto tentava afastar a raiva. Aos poucos, suavizou a expressão franzida da testa. — Ainda vai dar certo! — completou, com menos agressividade na voz.
As palavras, embaralhadas com o baixo choro de Emily, trouxeram densidade à névoa presente na mente de Edward. Parecia distante de encontrar alguma solução para os duelos que travava internamente. As incertezas dos próximos passos trouxeram um escoar lento e frio de suor pelo seu rosto. Cada novo turbilhão de pensamentos tornava a névoa ainda mais espessa. A sensação de ter perdido a oportunidade perfeita parecia inflar-lhe o peito.
O amigo de Edward mantinha-se calado a espera de alguma resposta convincente. Contudo, a breve espera fora em vão, motivo que secava-lhe a boca — tomava consciência de que precisaria forçar a conversa adiante. Sem saber onde a pequena fantasma estava, ou o que dissera, Matthew lançou um olhar abatido à portaria da escola. Entre leves mordidas nos lábios ressecados, decidiu seguir com sua missão de resgate.
— Qual é? Vai desistir, por conta de uma pequena mudança? — Mordia com força o canto da boca ainda encarando o muro florido do colégio. — Ed… Afinal você está aqui por quem?
— Eu sei… eu sei… — sussurrou Edward, ainda cabisbaixo, enquanto fechava os olhos com força.
— Não parece! — Virou o rosto em direção a figura tímida do amigo. — Você é o único aqui que pode ajudar ela… se estava com medo de tentar então por—
— MERDA, EU SEI! — gritou Ed, os punhos cerrados com fúria. O tom grave de sua voz, carregado de desespero, reverberou nos três corações presentes.
— Ok… então vamos pensar em um novo plano! — longe de se intimidar, respondeu de imediato levantando alguns milímetros o próprio queixo. — Com toda certeza existem formas de facilitarmos esse contato. — Levava a mão direita ao bolso no mesmo instante que começava a gesticular com a esquerda. — Podemos…. podemos explicar toda situação ou até mesmo pedir alguma história muito específica da Emily para podermos contar—
— NÃO, ISSO NÃO FUNCIONA! — Afirmou, cerrando os dentes, no mesmo instante que pequenos tremores percorriam seus braços.
A resposta, trêmula e vigorosa, impactou diretamente tanto Emily quanto Matthew. A garota, invisível às pessoas comuns, apertava ainda mais os joelhos. Já o rapaz arregalou os olhos em espanto — o grande nó na garganta o fazia lembrar do peso da ideia que sugerira.
Sem pensar duas vezes, Matthew correu em direção ao amigo. Desajeitado, tentava encontrar alguma forma de confortá-lo. Com delicadeza, pousou a mão direita sobre o ombro do seu quase irmão. Agora, podia sentir com clareza o ritmo acelerado da respiração de Edward e as pequenas vibrações que percorriam seu tronco.
— Ei… Ei… Podemos tentar de outro jeito, relaxa… não acontecerá de novo!
Distante da segurança de suas palavras, o semblante desamparado — lábios trêmulos junto com piscadas aceleradas — denunciavam uma postura rara de Matthew. Precisava ser certeiro nas próximas palavras. Nunca fora exemplo de aluno perfeito, contudo sempre conseguia se virar bem quando o assunto girava em torno de inteligência emocional.
— Sério, eu tenho um plano genial! — Afastava a voz preocupada para dar espaço à confiança.
— Qual? — Edward, diminuindo o tremor de seus braços, posicionava todos os cinco dedos da mão em seu peito na tentativa de averiguar se o seu ritmo estava desacelerando.
— Bom…
Apesar da repentina firmeza em sua voz, ele ainda não tinha nenhum plano concreto. Mesmo assim, precisava demonstrar ainda mais confiança. Um pouco aliviado pela resposta sussurrada de Edward, o garoto seguiu com a primeira ideia que lhe veio à mente.
— É uma droga pensar dessa forma… Com toda certeza ela está fragilizada… caso seja muito religiosa sinto que nossa oportunidade chegará! — disse enquanto desferia leves tapas no ombro de Edward.
A sugestão poderia parecer óbvia, ainda assim a fala carregava o doce de uma grata surpresa. Gradativamente a névoa começava a se esvair, diminuindo o tremor e iniciando um suave calor no peito de Edward — a satisfação de encontrar um novo rumo contaminava seu sangue.
O olhar antes caído, também estremecido, agora exalava um brilho ameno. Após 1 minuto de silêncio, a voz menos retraída de Edward rompeu o clima de apreensão.
— Faz sentido… — Levou com cuidado o indicador e o polegar da mão esquerda até os lábios. — Porém, ainda… ainda pode dar errado… Sinto que—
— O que resta é apenas tentar! — Matthew atropelava o raciocínio pessimista após abruptamente se distanciar da figura do amigo. Visando dar o último empurrão, continuou a fala com rigor. — Se não está disposto a isso, é porque no fim você não se importa em—
A frase amarga foi interrompida de forma repentina por um som alto e seco. Sem vontade de ouvir em voz alta aquilo que tanto questionava em silêncio, Edward desferiu um estrondoso gancho de direita contra o próprio rosto. O impacto fora intenso, forte o bastante para deslocar seu corpo alguns centímetros.
Ligeiramente com a postura curvada, ainda sentindo a pele do rosto queimar, girava seu corpo à procura de traçar uma reta até Emily. Matthew exibia um semblante que misturava confusão e orgulho, marcado por um sorriso de canto e sobrancelhas erguidas.
Cada passo estonteado recuperava parte da mesma postura segura que Edward iniciava sua pequena aventura. Percorreu as pedras acinzentadas da calçada em breves segundos, sem qualquer tipo de ruído. Outra vez dispôs-se frente a frágil garota.
Focado no amarelo dos girassóis que enfeitavam a base do muro, reparou em como as flores, de forma quase harmônica, pareciam apontar para Emily, que se acomodava suavemente entre a decoração. A vermelhidão causada pelo golpe se intensificava com a vergonha que sentia ao tentar retomar a conversa.
— Desculpe… — Respirava fundo, precisa dizer tudo de uma vez. — Lembrei de momentos ruins e pensei que seria incapaz de continuar te ajudando. Emily, me desculpe! — clamou dobrando os joelhos na busca de um melhor contato visual com o espírito.
— Tá tudo… bem… — Erguia vagarosamente o rosto choroso, que antes escondia entre as pernas.
— Não está, não! Eu dei minha palavra e, até pouco tempo atrás, estava fugindo disso. — Olhando nos olhos, entendeu o quanto sua postura havia impactado a criança. — Nós vamos conseguir. Mas, para isso, precisamos combinar algumas coisas… podemos?
— Uhum… — Esfregava com força as próprias pálpebras em busca de um ânimo nostálgico.
— Ok… Caso sua mãe não esteja em casa, vou escrever uma carta para ela com tudo que você quer dizer… — Jogava fora a timidez para citar seu plano com firmeza na voz e com chamas em cada uma das pupilas. — Porém, só vou entregar ela depois que você pegar seu brinquedo e ir para o outro lado!
Aguardava a reprimida confirmação, com a cabeça por parte da garota, para continuar com a explicação.
— Certo… se ela estiver em casa, vou tentar conversar da mesma forma que fiz com o Matthew. Mas preciso que você entenda algo, caso ela desacredite você precisa seguir com nosso plano principal! Você precisa ir para o outro lado, então foque em pegar o Joy e depois eu faço uma carta para sua mãe.
— E se ela acreditar? — Menos chorosa, o rosto apreensivo esperava por uma resposta positiva.
— Vou falar tudo que você quiser, todavia preciso que você entenda que deve partir! Sua conversa necessita ser breve…
— Acho que entendi… mas o que é “todavia”?
A espontaneidade em torno de uma pergunta inocente e banal infligiu em uma alta e sincera risada por parte de Edward. Desfazia a postura ajoelhada, convidando a garota a fazer o mesmo, e esclareceu a dúvida.
— É a mesma coisa de “mas”... Então, entendeu que você vai apenas se despedir?
— Pode ser… parece que não posso ficar aqui… e também seria chato. Eu só gostaria de dar um tchau…
— Então podemos ir! Aquela ali é mesmo a sua casa? — perguntou, apontando para a casa à direita do extenso muro da escola.
— Uhum
— Ok, vamos Matthew! — Encarava o perfil do amigo. — Caso Flavia esteja em casa, vou precisar muito de sua ajuda.
— Pode deixar, sei me virar! — afirmava enquanto batia o próprio punho em seu peito.
Lado a lado, os três caminhavam em direção à charmosa residência de Emily. Ao final do extenso muro azulado da escola, começava outro muro, agora de um tom bege claro, que delimitava o espaço da casa. Alto e sólido, impedia qualquer visão do interior do terreno, exceto por uma porta metálica da mesma cor — em um tom ligeiramente mais escuro — e um largo portão do mesmo material.
Sem acesso visual ao quintal, era possível ver apenas parte da morada. Simples, porém elegante, ela tinha dois andares. As paredes esbranquiçadas combinavam com o tom suave do muro, enquanto o telhado, com detalhes em madeira, trazia mais vida ao conjunto — assim como as janelas, também de madeira.
Alguns breves segundos marcaram a chegada do grupo diante da intimidadora — e ao mesmo tempo comum — campainha. O frio tempestuoso na barriga de Edward paralisava parcialmente seus movimentos. Incapaz até mesmo de apertar um botão, coube ao amigo, decidido a encerrar todo aquele drama, fazer as honras.
— Vai dar certo… Ed, apenas siga meu raciocínio! — Alertava verificando o semblante cada vez mais preocupado do amigo.
— Ok… E Emily, fica perto de mim!
Alguns instantes de silêncio causavam ainda mais angústia e, consequentemente, levavam Matthew a pressionar o botão mais uma vez. Mais alguns segundos sem qualquer tipo de resposta já traziam aos pensamentos de Edward a confortável sensação de estar evitando uma conversa direta.
— É sempre na terceira vez… — Matth apontava realizando outra tentativa.
Desta vez, foram imediatamente atendidos. A porta se destrancou, revelando a fisionomia de Flavia e pequenos trechos de um jardim. Ela vestia uma camisa cinza e uma calça de moletom preta — peças largas e desgastadas, como um pijama improvisado. Nos pés, usava apenas um par de meias pretas. Seu rosto exibia profundas olheiras, e o cabelo curto e loiro parecia não seguir qualquer tipo de penteado.
Cansada, como se estivesse recém acordado, tentava receber da melhor maneira os dois rapazes.
— Bom dia, ou já é boa tarde? — Forçava um frágil sorriso. — Desculpem minha demora, estava procurando a chave… Posso… — Caminhava com os olhos em cada figura na tentativa de reconhecer as figuras. — ajudar?
— É… então… boa t—
— Bom dia, você é a Flavia, correto? — questionava energeticamente Matthew interrompendo a tentativa falha do amigo em tentar iniciar a conversa.
— Sou sim, por que?
— Prazer, meu nome é Matthew e este daqui do meu lado é meu amigo Edward.
Voluntariamente, os dois garotos estenderam a mão em um gesto de apresentação — atitude que Flavia respeitou por educação.
Sem dar margem a maiores confusões, Matth prosseguiu com as apresentações, apenas substituindo o tom alegre por um mais sereno.
— Bom, peço de antemão desculpas… Sabemos que estamos atrapalhando, é que meu amigo aqui veio buscando formas de conversar com você e eu precisei dar um empurrãozinho. Pode ficar despreocupada, vai ser rápido e também podemos conversar daqui mesmo…
— Está complicado mesmo… — Fugia de qualquer contato visual e seguia com o raciocínio. — Mas, o que posso ajudar?
— Bem, a irmã de Edward estuda nessa escola ao lado e—
— Eu busco ela quase todos os dias, muitas vezes via ela se divertindo com suas amigas. — Seguia o rumo da invenção do amigo, buscando todas as energias possíveis para soar convincente.
Ansioso demais para também buscar contato visual com Flavia, apenas buscou concentrar em cada nuance dos atos de Emily. A criança cruzava as mãos e pacientemente buscava encontrar algum espaço próximo a sua mãe a partir de passos frágeis. Encarar a figura e suas ações, o recordava de todas as informações reunidas assim como todas suas motivações.
— Em um desses dias conheci Emily. Minha irmã sempre falava muito sobre, principalmente como ela sempre era a melhor aluna da sala…
— Minha Em é incrível mesmo… — Outro tristonho sorriso dava as caras.
Reparar na forma que a mãe descreveu a filha convenceu Edward de que a adulta possuía algum tipo de crença em torno do pós vida. Confiante, aplicava de forma espontânea mais carinho em cada palavra.
— Sim, muita gente a admira… Inclusive, o pouco que conversei com ela me mostrou o quanto a mesma é especial! Quando descobri a notícia senti a necessidade de enaltecer tudo isso…
— Agradeço pelas doces palavras, é curioso perceber o quanto ela impacta tanta gente. Parece que já te vi na escola algumas vezes, bonito da parte de vocês lembrarem com todo esmero dela. — Apesar da fala contínua, parecia que a qualquer momento Flavia desmoronaria em prantos. Agarrada a este motivo, a mãe de Emily tentava retomar para a escuridão de sua casa. — Muito obrigado mais uma vez. Preciso retomar algumas atividades, então, com licença...
— Por favor, espere! — Ed direcionava a visão para Flavia enquanto crescia o braço em direção à porta que estava perto de se fechar. — Quero fazer algo por ti… digo, quero entregar um presente… Preciso saber se acredita ou pratica alguma religião? — O ritmo acelerado da fala revelava o desespero que crescia em seu coração
— Ahn, por favor… não sei se tenho energias para lidar com brincadeiras. Caso estejam aprontando alguma coisa, vou ligar para a polícia! — Engrossou a voz a partir de toda a pouca energia de seu corpo.
— Pode ficar tranquila, prometo que não queremos nenhum tipo de problema… — O amigo completava na tentativa de amenizar as iniciativas inconvenientes de Edward. — Apesar de estarmos distantes da mesma página que a senhorita, o mínimo é mostrarmos compaixão por este momento tão delicado. De verdade, queremos apenas o bem seu e dela. Poderia nos ouvir?
— Eu não sei… eu não sei se quero… — Tampava os dois olhos com cada palma e tentava engolir de volta as lágrimas que quiseram sair sem qualquer tipo de restrição.
— Estamos dispostos a ouvir também... Pode ir no seu tempo — disse Matth, agora ainda mais calmo, tentando encontrar uma forma de preparar a conversa para a loucura que estava por vir.
A tentativa da mulher de manter a postura firme, impactava diretamente a figura da filha que se mostrava invisível para seus olhos. Emily, chorava no mesmo instante que buscava formas de abraçar a cintura de sua mãe.
— Fica difícil acreditar em alguma coisa neste momento — disse a mãe, ainda com o rosto coberto pelas mãos. — Na verdade, nunca acreditei muito... religião nunca foi pra mim. Mas... acredito que exista algo além disso aqui. Minha filha precisa estar em um bom lugar agora. Se não estiver... eu não sei o que seria de mim...
— Neste exato momento ela está ao seu lado. Estou aqui justamente para tentar ajudar Emily a alcançar esse mundo bom! — Avistar toda a aflição das duas, assim como a filosofia de vida da mulher, despertava a vontade ardente de Edward em resolver de forma direta toda a situação.
— Pare de brincar com coisas tão delicadas! — Flavia mostrava seu rosto avermelhado, claramente abatido.
— Eu posso te provar que falo a verdade!
— Ei, Ed se acalma… Vamos em partes, para deixar bem claro o que—
— Escuta pirralho! — Em prantos ia rumo a figura do garoto que se mostrava tão conhecedor a respeito de sua filha. — Já basta tudo que está acontecendo em minha vida, quer falar algo sobre mim então falo isso bem longe. Emily é minha filha, ela merece ser protegida e respeitada!
— Estou aqui justamente para ajudar Emily a ser protegida e respeit—
Flavia golpeava o rosto do garoto com um instintivo e corretivo tapa de mão aberta. Reação justa mas ainda assim surpreendente para Matthew e Emily, que apenas observaram imóveis.
— Me escute por 1 minuto, se tiver a certeza que estou fazendo algo errado… ligue para a polícia que irei esperá-los aqui!
Aceitava que, se a mulher lhe virasse as costas, perderia a maior oportunidade de provar a utilidade de seu dom. Por isso, foi natural responder de forma segura e direta.
Nota do autor
Obrigado pela atenção e não percam o próximo capítulo...
~ Gusty
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