E daí que sou uma Aranha? Japonesa

Tradução: zehclaudio

Revisão: Marinovisk


Volume 1

Capítulo 6.5: O Segundo Colega de Classe (S5)

Eu estava aproveitando meu tempo sozinho.

Sue tinha saído para visitar a mãe. Por sermos apenas meio-irmãos, eu não tinha nenhuma relação com sua progenitora; na verdade, a mulher era a esposa do rei, e eu havia nascido de uma das concubinas do palácio - uma espécie de amante particular à disposição de seu real esposo. Fazia sentido que não tivesse mais apreço por mim do que por uma barata esmagada, portanto, eu me assegurava de ficar a uma distância segura quando Sue ia visitá-la.

E a despeito de estar fazendo isso por sensibilidade a ela, não podia deixar de aproveitar esses raros momentos de solidão. Em geral, Anna ou Klevea (a outra camareira) sempre estavam presentes para me escoltar… Mas nenhuma delas estava presente hoje.

Não é como se tivesse escapado delas nem nada do tipo, O.K.? Apenas disse que queria ficar sozinho.

Anna era uma meia-elfa, uma mestra da magia com habilidades afiadas como uma adaga. Klevea, por sua vez, era uma ex-cavaleira - tão calejada e musculosa que poderia ser confundida com um homem à primeira vista. Nenhuma das duas teria dificuldade em enfrentar até mesmo inimigos capazes de ameaçar o próprio palácio.

Não poderia ter escapado delas nem se tentasse com muita força.

Embora tecnicamente já tivesse mais poder mágico que Anna, ela havia me dito que o poder sozinho, cru, era equivalente a dar a melhor espada do reino a um homem sem braços: algo muito poderoso, mas inútil. A magia só podia ser ativada por alguém com Percepção Mágica, Operação Mágica e uma habilidade mágica.

Eu ainda não tinha uma habilidade mágica, então não era capaz de invocar nada. 

Para aprender uma habilidade mágica, existiam duas opções: gastar os pontos de habilidades necessários para assimilá-la, ou adquirir a proficiência ao usar uma ferramenta com poderes mágicos, como uma Pedra de Avaliação.

Eu tinha pontos de habilidade, mas Anna me informou que haviam outras restrições na aquisição de habilidades mágicas. Ao que parece, era perigoso para alguém tão jovem como eu adquiri-las tão cedo.

Meus atributos físicos podiam até ser altos para minha idade, mas ainda não eram páreo para os de um guerreiro adulto; em outras palavras, era um inútil. Sendo um fracote desse calibre, que sequer era capaz de usar magia, era de se esperar que ao menos fosse livre para perambular pelo castelo, certo?

A resposta era não.

Sem dúvidas alguém estava me protegendo nas sombras, e eu apenas não pude perceber.

Caminhei pelo castelo tranquilamente com Fei em meu ombro, em direção ao campo dentro do castelo. Eu era fraco no momento, mas se continuasse treinando, eventualmente ficaria forte como aqueles que agora me guardavam. Mais, até. As habilidades e status que existiam neste mundo eram prova disso.

Se treinasse com afinco, os números de qualquer habilidade ou atributo que estivesse treinando aumentariam de acordo.

Como Katia havia mencionado enquanto folheávamos a enciclopédia de habilidades, se eu aumentasse minhas habilidades básicas de status, seus níveis aumentariam.

A forma mais eficiente para aumentar as habilidades físicas básicas de status eram exercícios simples - então, pratiquei correndo e levantando pesos no campo. Ao meu lado, Fei fazia movimentos parecidos. 

Não pude discernir se ela estava apenas me imitando ou compreendia o significado por trás dos exercícios; porém, Fei era muito inteligente, então supus que devia estar tentando treinar com todas as suas forças.

— Ufa.

Assim que cada parte do meu corpo parecia estar aquecida e cansada, fiz uma pausa, bebendo um pouco da água que havia trazido; Fei não bebeu nada. Eu não entendia nada de fisiologia dos monstros, mas no fundo de minha mente, percebi que nunca a havia visto beber coisa alguma.

Enquanto descansava, cantarolei distraidamente uma música do Japão. Era uma das que eu, Kanata e Kyouya costumávamos cantar no karaokê.

O pensamento me deixou nostálgico.

“Eu conheço essa música.”

O súbito comentário em japonês me deixou sobressaltado e confuso, com uma mistura de assombro e saudades de casa. Até mesmo quando falávamos em particular, Katia e eu não usamos tanto o idioma nipônico. Então quem…? 

“Aqui embaixo.”

A voz falou de novo, e com ela veio um puxão no meu braço. Inclinando a cabeça na direção do toque, vi Fei mordendo a pele de meu cotovelo, puxando sem força.

— Então, Fei, você é… Shinohara?

“Isso mesmo.”

Passada a confusão e o susto, escutei Fei, que na verdade era Shinohara, contando sua história.

Para ser preciso, ela não estava conversando comigo, mas usando uma habilidade que a permitia usar telepatia. Ao que parecia, ela havia descoberto isso quando estávamos olhando a enciclopédia de habilidades, e gastou seus pontos de habilidade para ser capaz de se comunicar.

“Ah, mas você pode continuar me chamando de Fei, é claro.”

— Certo… com certeza.

Eu não podia evitar de me sentir um pouco desconfortável.

Quer dizer, esta criatura - que estive tratando como uma mascote por todo este tempo - era na verdade minha antiga colega de classe.

Como havia me tornado criança de novo, minha maturidade sexual havia basicamente sofrido um hard reset. Aquilo não era esquisito, mas de certa forma ainda era constrangedor.

“Aww, não posso acreditar que você se tornou um príncipe Shun. Tenho que admitir, estou um pouco decepcionada.”

Uh, como é!?

Se quisesse me agredir, poderia ter só me dado um tapa na cara. Teria doído menos.

“Quer dizer, fui reencarnada como um dragão bebê, sem mencionar que me tornei a mascote de um príncipe. É claro que o curso lógico daqui seria eu eventualmente me tornar uma humana e virar uma princesa, não é?”

— Não, na verdade não.

“Oh, por favor. Uma garota pode sonhar.”

Isso é sonhar um pouco demais, se você quer saber minha opinião.

“Quero dizer, como eu devo prosseguir sem um sonho? Você não pode imaginar como é renascer como algo que não seja humano.”

Eu não tinha parado para pensar sobre isso, mas era verdade. Quando fui reencarnado como um bebê - mesmo que humano - ainda havia entrado em pânico. O que ela deve ter sentido por todo este tempo, renascendo como algo inteiramente diferente? Algo que sequer existia quando estávamos no Japão?

Shinohara estava certa. Eu não podia nem mesmo começar a entender a situação.

— É… você está certa, sinto muito. Isso deve ter sido duro para você.

“Sim, suponho que sim. Fui capaz de ouvir os sons do exterior enquanto estava naquele ovo, sabia? Então me agarrei a isso com tudo que tinha e tentei aprender a língua.”

— Oh, sim! Eu fiz isso também, quando era um bebê. Espere, isso significa que quando você está se aconchegando comigo sempre que estou lendo, é porque você está tentando estudar?

“Sim, isso mesmo! Ahh, eu estava decepcionada no início, mas é um alívio ter um amigo aqui.”

Um amigo, hein?

— Ó, é verdade, acho que posso contar a você. Na realidade, Katia também é uma reencarnada.

“O quê? Sério?”

— Sim. Ela é Kanata Ooshima.

“Você está brincando? Mas Ooshima era um homem.”

— Maluquice, né? O gênero dela mudou na reencarnação.

“É sério? Isso é hilário!”

— Não creio que Kanata ache tão engraçado.

“Ah, acho que não. Tudo bem, não vou rir na frente de... dela.”

Essas palavras me surpreenderam um pouco.

Para ser sincero, eu não tinha uma impressão muito boa de Shinohara. Em sua vida anterior, ela era praticamente uma valentona. Estava sempre implicando e forçando a barra com outra colega de classe, chamada Wakaba. 

A raiz do problema era que Shinohara gostava de um veterano que tinha uma queda por Wakaba. A própria Wakaba não fazia ideia, mas quando Shinohara confessou seus sentimentos e fora rejeitada, o veterano revelou que gostava de sua colega - e isso machucou seus sentimentos.

Wakaba era a garota mais bonita da sala... não, de toda a escola. Como resultado, se tornou alvo do ciúme de praticamente todas as garotas, que não mediam esforços para persegui-la.

E Shinohara era a líder dessa turba.

Apesar de ser importunada com palavras rudes, ter seus pertences escondidos e, no geral, ser sacaneada em qualquer oportunidade, Wakaba nunca deu qualquer sinal de que estava incomodada. Não era algo insustentável como os casos que acabam indo para a TV, mas ainda era basicamente bullying.

“Surpreso?”

Meus pensamentos devem ter aparecido em meu rosto.

— Um pouco.

Eu respondi com honestidade. Pensei que seria melhor fazer isso.

“Bom, tive muito tempo para pensar enquanto estava presa no ovo. Não levou muito tempo para perceber que eu não era mais uma humana, entende? Pensei que talvez estivesse sendo punida.”

Suas palavras telepáticas soaram pesadas, quase amargas.

“Mas, goste ou não, sou sua mascote agora; desde que nasci, percebi que também poderia tentar servir a meu dono o melhor possível. Não é como se eu estivesse intencionalmente tentando me redimir por meus pecados, já que essa parece a melhor forma de sobreviver. Mas essa é uma punição adequada, já que meu ‘mestre’ se provou ser uma ex-colega de classe.”

— Me desculpe por ser uma parte dessa punição, Shinohara.

“Ah-ha-ha! Isso te incomoda? Eu estava apenas brincando.”

— Não pareceu uma piada para mim.

Ora, ora. Vamos apenas tentar continuar amigos por enquanto, certo, Mestre?”

Sua voz havia abandonado o amargor e exibia uma melosidade sarcástica, que me fez revirar os olhos enquanto a erguia no braço. Assim, me reuni com minha segunda companheira reencarnada.

Sim, a segunda.

Quando conheci Katia, comecei a ter uma leve suspeita. Agora que havia encontrado duas, concluí que não poderia ser coincidência; o que até então era apenas a sombra de uma ideia, agora era uma convicção firme.

Os outros alunos da minha antiga classe também haviam reencarnado - e poderiam ter assumido qualquer forma nesse novo mundo.



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