Volume 3
Capítulo 3.7: A cadeia de montanhas está queimando
O Guardião do Norte, Marquês de Rosenberg, Georg von Rosenberg
Calendário Imperial: 01/03/1506
As Montanhas Negras, Fortaleza Branca
Tarde da noite.
Um capitão veio correndo e relatou para mim.
“General, nós estamos sendo atacados! Bruxas estão bombardeando as muralhas!”
Um ataque inimigo.
Graças a aquela frase, eu peguei a bainha que continha minha espada e fui imediatamente até o topo do portão.
“O que está acontecendo?”
Os soldados não conseguiram me dar uma resposta satisfatória e apontaram em direção ao céu. Assim que olhei para cima, eu vi bruxas voando pelo céu noturno. O luar estava sendo encoberto pelas nuvens e pela neve caindo, fazendo com que ficasse difícil de identificá-las bem. Apesar disto, eu conseguia dizer que o número de bruxas era aproximadamente vinte. As bruxas jogaram objetos secos na muralha.
“Essas são…”
Elas eram cabeças. O mesmo tipo de cabeças que haviam sido catapultadas da última vez, agora estavam caindo como granizo, sendo jogadas pelas bruxas. As cabeças de humanos, escurecidas pelo fogo, cobriram a muralha.
— Hii, hiiiiiik!
Os soldados se abaixaram e tremeram. Eles acreditavam que as bruxas haviam colocado maldições nas cabeças. Ao escutar os gritos vindos dos soldados de baixa patente, eu estreitei os olhos.
“…”
Por quê?
Depois de atravessarem o ar frígido do inverno, por que elas vieram até aqui tão tarde da noite só para jogar cabeças de corpos?
Apesar de ser um método bem eficaz de baixar a moral dos nossos soldados, o momento que escolheram para fazê-lo era peculiar. De todos os momentos possíveis, foi tão tarde desta noite. Que significado isto teria se eles não fossem iniciar um cerco?
Enquanto franzia o cenho, eu dei uma ordem.
“Mandem todos os magos para lá.”
Nossa Força Mágica Aérea foi até a muralha e voaram em direção ao céu noturno.
A coisa que estes magos mais temiam era lutar no ar no meio da escuridão noturna. No entanto, desta vez estava tudo bem. O número de bruxas do lado inimigo era vinte, e os de magos do nosso lado eram quase trinta. Nós podemos sobrepujá-las.
Uma batalha intensa preencheu o céu. As bruxas foram derrubadas pelas bestas e gritaram enquanto caíam. As bruxas, que haviam perdido as suas vassouras, caíram no chão e tiveram suas cabeças esmagadas pelo impacto.
O som das cabeças rachando ecoou na parte de baixo da muralha. Assim como faisões sendo caçados por caçadores, as bruxas caíram uma de cada vez. Como não havia uma fonte de luz no local onde as bruxas caíram, parecia que lá era um poço para o Inferno. Não era possível ver os cadáveres, e apenas o som das cabeças quebrando ressoavam uma após a outra. Apesar de estarem sendo sobrepujadas pela força militar, as bruxas não fugiram.
Naquele momento, uma onda de compreensão passou pelo meu corpo como se fosse uma corrente elétrica.
“…!”
Então era isso.
Eles estavam organizando as preparações para que a força principal pudesse se retirar imediatamente.
Para que suas tropas pudessem recuar, pelo simples objetivo de ganhar mais tempo para recuar, eles enviaram estas bruxas. Ao jogar as cabeças queimadas, eles nos ameaçaram. Enquanto estivéssemos lidando com as bruxas e tremendo de medo da ameaça, muito provavelmente as forças inimigas estariam recuando rumo ao horizonte esta noite.
“General!”
Um capitão gritou.
Duas bruxas estavam avançando na minha direção.
Surpresos pela guinada repentina delas, os besteiros atiraram desesperadamente as flechas que haviam carregado antes. Uma das bruxas foi atingida na cabeça pelo tiro e morreu. No entanto, a outra bruxa ainda estava viva e veio até mim enquanto sacava sua espada.
“Heub!”
Metal afiado colidiu um contra o outro. Eu levantei minha espada longa e recebi o golpe da bruxa.
Apesar do físico dela ser muito menor do que o meu, e logo a sua força não ser tão impressionante, aquele golpe, que também continha à força acumulada do voo com a vassoura, foi poderoso.
Transferindo a força do ataque para a lateral, eu rolei recuando. Imediatamente a bruxa se atirou contra mim. Já que a bruxa estava próxima a mim, os soldados não podiam se aproximar enquanto trocávamos golpes com nossas lâminas.
“Ahahah! Aha, ahah hahahaha —!”
A bruxa soltou uma risada insana.
A sua aparência mal parecia ser de uma garota de dez anos.
Já havia uma flecha cravada no peito desta garota com cabelo loiro platinado. Toda vez que ela brandia sua arma, sangue escorria da sua ferida. Isto por si só já seria doloroso o suficiente para levar alguém à loucura, e ainda assim, a bruxa simplesmente ria. Para não dar a ela a oportunidade de entoar um feitiço, eu a encurralei com minha arma. E então, no momento que surgiu uma brecha, eu soquei o estômago da bruxa com meu punho esquerdo.
“— Pa, ha.”
Não conseguindo aguentar o meu golpe, a bruxa foi jogada para longe.
O corpo da bruxa caiu de cima da muralha e foi em direção ao chão.
Os besteiros foram à beira da muralha e começaram a atirar para baixo. Os locais por onde as flechas passaram estavam silenciosos. A bruxa não se levantou de novo. Como não foi possível escutar o som da cabeça quebrando, eu concluí que ela conseguiu sobreviver.
“General, você está bem!?”
“Você não consegue dizer só de olhar para mim? Eu não envelheci o suficiente para ser derrotado por uma garotinha.”
Eu embainhei minha espada.
Ao longe, no céu noturno, as bruxas que sobreviveram estavam fugindo. Aparentemente cerca de seis ou sete das vinte bruxas morreram. Dava pena de ver que o número de sombras escapando era pequeno.
“Todas as forças, abram os portões da fortaleza e entrem em formação! As tropas inimigas estão planejando escapar usando as bruxas como bodes expiatórios para nos distrair. Soprem as trombetas!”
Depois de repelir as bruxas, os soldados gritaram comemorando. Os magos atiraram bolas de fogo no céu noturno para celebrar nossa vitória.
Nesta noite nublada, as explosões das bolas de fogo podiam ser enxergadas claramente. Influenciados pela luz vívida das explosões, nossos soldados esqueceram-se do frio, esqueceram-se da morte, e foram pelos portões. Os comandantes da companhia e seus ajudantes correram pelas redondezas para organizar nossas fileiras de soldados. Eu montei um cavalo branco e fui à frente.
Não havia dúvidas.
Depois de escutar que a força de ataque principal deles havia sido derrotada, o Lorde Demônio estava planejando evacuar de volta para o território dos demônios.
Já que ele não tinha confiança para nos enfrentar e também não tinha determinação para ficar e defender, ele provavelmente pretendia recuar completamente colocando a culpa na derrota da outra unidade.
“Sigam-me!”
Não havia tempo a perder.
Se Dantalian conseguisse se retirar em segurança, então isto não seria uma vitória minha. O triunfo iria unicamente para a Princesa Imperial.
Porque a Princesa Imperial havia vencido, as tropas inimigas recuaram. Se eu ficasse aqui assistindo, então eu me tornaria um mero tolo que havia perdido a Fortaleza negra e que só conseguiu retomá-la graças a Princesa Imperial. Se isto acontecesse, então esta guerra seria completamente retratada como sendo uma vitória da Princesa Imperial. Isso não devia acontecer!
Alguém deveria bloquear o avanço do poder dela. Se ela não fosse obstruída, então ninguém saberia dizer quando este avanço se transformaria em uma marcha total. Quando a Princesa Imperial destronar o próprio pai em nome da glória do Império, e quando ela usar sua vitória como justificativa para eliminar o próprio irmão, nessas situações, quem poderia condená-la por isso? Se ninguém é capaz de fazer isso, então não me resta outra opção que não seja tomar à frente.
Já que isto é o dever de um nobre.
Já que isto é minha missão como um Rosenberg.
Pela paz no Império, e pela minha vingança, Lorde Demônio Dantalian, hoje você será derrotado nestas Montanhas Negras.
O Rei da Escória, 71º Rank, Dantalian
Calendário Imperial: 01/03/1506
Montanhas Negras, Desfiladeiro
Vinte bruxas foram e doze voltaram. Todas as doze estavam com o tórax perfurado e com hemorragias.
Eu não consegui ver a Humbaba entre elas.
“…”
Sentindo-me miserável, não consegui perguntar onde ela estava. Eu só pude perguntar se elas conseguiam continuar lutando. Se as bruxas dissessem que seria difícil, então eu planejava tirá-las da batalha.
“Vocês conseguem voar novamente?”
“Nós pagaremos a gentileza de nosso mestre com nossas vidas.”
As bruxas se ajoelharam na neve com seus corpos ensanguentados. Nos locais onde o sangue pingava, buracos eram perfurados na neve. Olhando para aqueles buracos vermelhos, eu jurei. Custe o que custar, eu vencerei esta batalha.
Apesar das nossas forças possuírem cinquenta bruxas, eu enviei vinte propositadamente para atrair o inimigo. As vinte bruxas aceitaram esta ordem irracional sem uma palavra de reclamação. E também sem dizer uma só palavra, oito delas caíram para a morte. O que as oito garotas pensaram enquanto sentiam o vento do inverno pela última vez? O quão solitárias elas devem ter se sentido enquanto caíam abandonadas no abismo infinitamente sombrio? Eu sequer ousava tentar imaginar esse sentimento. Elas morreram por mim.
Silenciosamente, eu comandei os capitães.
“Façam bom uso das cercas de madeira. Os inimigos vão posicionar a cavalaria na frente e avançar contra nossas forças. Estaremos acabados se vocês perderem essas cercas. Os lanceiros protegerão os besteiros, e os besteiros vão confiar nos lanceiros. Confiem uns nos outros e ajudem uns aos outros.”
Os capitães repetiram as ordens e correram para as linhas de frente.
Ao longe, o som de cascos reverberou e sacudiu o solo. Conforme os cascos levantavam nuvens de neve do solo, a cavalaria inimiga se aproximava. Nesta noite escura, as suas silhuetas não podiam ser enxergadas detalhadamente, então na verdade elas pareciam ser uma grande massa, como uma única sombra gigantesca. Em meio às sombras estava misturado o som alto de trombetas. Cascos, nuvens de neve e trombetas estavam misturadas caoticamente, fazendo parecer que o que se aproximava não eram mil, mas sim dez mil pessoas.
“Soem as trombetas.”
Nossos trombeteiros assopraram seus instrumentos. No céu noturno, a respiração dos soldados inimigos e a respiração dos nossos combatentes se misturaram, e mais uma vez as bruxas voaram em direção a este céu.
E neste mesmo céu em que ressoavam o barulho das trombetas, bruxas e magos se cruzaram. E no chão que tremia pelos cascos dos cavalos, a infantaria e a cavalaria se enfrentaram. O sangue que jorrava do céu espirrava para baixo, e o sangue que espirrava de baixo jorrava para o céu. O mundo estava ensopado de sangue.
Um ajudante de capitão gritou.
— Vossa Alteza, a infantaria inimiga!
O luar exibia fracamente os soldados inimigos do outro lado do desfiladeiro. Apesar de não ser possível ver seus rostos, as lanças que eles seguravam brilharam resplandecentes na penumbra. Meu exército central consistia de dois mil e quinhentos soldados, mas parecia que os soldados inimigos numeravam cerca de cinco mil caso somasse a cavalaria com a infantaria.
Apesar das cercas de madeira que nossos soldados estavam usando para se defender serem resistentes, a quantidade que tínhamos era pequena. Haviam grandes espaços entre cada cerca. A cavalaria inimiga pressionava seus cavalos incessantemente rumo a esses vãos. Lentamente nossos lanceiros estavam sendo forçados a recuar. A lança de um membro da cavalaria inimiga perfurou a cabeça de um de nossos soldados de infantaria. A ponta da lança atravessou pelo buraco do seu olho e saiu pela parte de trás do seu crânio.
Depois de montar no meu cavalo e olhar para o campo de batalha, eu falei calmamente.
“Aguentem. Nós sobreviveremos se vocês aguentarem. Se vocês cederem, então todos nós morreremos.”
A minha falta de força me fez sentir um gosto amargo na boca. Nesta noite sombria, todos os soldados estavam verdadeiramente sozinhos. Por conta própria, nossos soldados conseguiram lidar com as sombras inimigas que vinham como uma enchente. As batalhas foram realizadas pelos soldados e não por mim, eu não podia morrer no lugar deles, a tarefa de morrer pertencia somente aos soldados.
Nossas tropas caíram sobre a neve e morreram. Contanto que não fossem aliados, os soldados inimigos pisavam nos corpos e os enterravam ainda mais fundo na neve. O cabelo dos cadáveres semi-enterrados balançava ao vento. Seus corpos estavam frios, não há nenhuma palavra bonita para descrever isto. A morte é algo que nega qualquer palavra.
Eu olhei para a floresta de pinheiros à esquerda do campo de batalha. Farnese provavelmente estava escondida lá, se mantendo em silêncio. Eu parecia conseguir sentir a respiração dela enquanto ela encarava o campo de batalha com seus olhos verdes, como se fosse uma loba.
Se eu cairia primeiro, se os soldados inimigos conseguiriam quebrar nossas defesas primeiro, ou se Farnese conseguiria cercar os inimigos pelas costas primeiro, eu não conseguia imaginar como tudo isto iria acabar. Todos estavam sozinhos nesta batalha noturna. Eu repeti as mesmas palavras de alguns momentos atrás.
“Aguentem. Nós sobreviveremos se vocês aguentarem.”