Dívida a Quitar Brasileira

Autor(a): The Mask

Revisão: TheMask


Volume 1 – Parte 3

Capítulo 21

O dia parecia avançar de maneira lenta. Os ponteiros no relógio de Goldberg não rodavam, parecendo colados no período matutino. Ainda eram 9:30. 

Havia chegado no horário de sempre em seu trabalho, algumas poucas horas antes, porém estava acontecendo uma agitação anormal. No instante que seus pés pisaram no banco, seu chefe o chamou:

— Goldberg! — Ele gritou através do salão principal, onde todos puderam ouvir. Cada um dos clientes presentes naquele momento ali e seus colegas de trabalho olharam para o chefe e lentamente olharam de volta para o banqueiro, que se sentiu infimo  perante tantos olhares. — Na minha sala, agora!

Tanto a voz quanto o olhar de seu chefe pareciam inflamados, e quando ele se virou e caminhou para voltar a sua sala Foi como se um peso saísse dos meus ombros!

Eu sabia, agora estou desempregado!

Não posso terminar desempregado! Como vou pagar pela casa? 

Como?!

— Goldberg? — Perguntou uma voz feminina em seu encalço e Samuel gritou em questionamento “O que?!” quando ouviu. Sua voz soou mais assustada do que raivosa e sentiu-se como um pequeno rato, preso a uma gaiola. — Desculpe… — Continuou a secretária do banco, aparentando um claro desconforto com o grito do banqueiro. — Mas um homem marcou um horário com você hoje e pediu para que fosse seu único compromisso do dia. 

Ela apontou com a cabeça na direção do balcão, e Goldberg já imaginava quem estava ali, parado no balcão de atendimento. 

Quando acompanhou a visão da secretária, viu o sorriso amarelo do homem de pele negra que tanto o incomodou nas últimas semanas. Lorenzo vestia as exatas roupas caras do dia que mostrou o anel de jadeíta ao banqueiro, com o exato mesmo tipo de engodo.

— Diga pra ele que estou ocupado… Agenda cheia! — Disse, formulando uma desculpa. 

— Está com a agenda vazia… — A secretária adicionou, notando o desespero e a pressa do banqueiro. — Senhor Goldberg. 

— Ele não precisa… — Não… Samuel pensou, se calando antes de terminar sua fala. Eu combinei com ele… Preciso fazer isso… 

Mas não estou pronto ainda! 

— Diga para ele vir ao meio-dia… Mantenha minha agenda livre por hoje… Por favor. — Falou, hesitando em marcar aquele compromisso. 

Os passos seguintes foram em direção à sala de seu chefe, e permaneceu lá pelos vários minutos seguintes. Teve de ouvir como a falta de Goldberg no dia anterior custou “a mim milhares de dólares!”. Dizia isso esperneando, andando por sua sala, que era maior que a própria sala de descanso dos funcionários. Deitou-se várias vezes em sua enorme poltrona de couro e disse olhando nos olhos de Samuel “Você não compreende minha dificuldade! Minha situação!”. Apertava as próprias têmporas, fazendo o relógio rolex em seu pulso refletir sobre a fraca luz de seu lustre. São 8:20… quanto tempo mais nisso?

— Samuel, você tem de melhorar… — Reclamou em dado momento, suspirando com frequência e se prostrando em frente a um enorme quadro de paisagem que representava uma onda do mar, em um vivíssimo tom de azul, seria uma réplica do quadro de Katsushika Hokusai?— Não vê? Você é… essencial? Sim! Essencial!

Ele pensou nessa palavra agora. 

Discursinho de merda. 

Se eu tivesse metade do dinheiro dele…

Até mesmo um terço me ajudaria à… 

A que me ajudaria? 

Já não prestava atenção ao homem no centro da sala. Sequer notou quando o assunto terminou e foi convidado a sair. Não prestou atenção aos passos que o levaram de volta ao seu escritório, teve apenas a noção que desabou. 

Sua cabeça bateu sobre a mesa, derrubando os porta-lápis e outros copos descartáveis que estavam largados ali desde do dia anterior. O cheiro de café subiu no ambiente conforme encheu xícaras e mais xícaras de cafeína com açúcar, assim como o insuportável cheiro de guardado dos movéis, de suas roupas e das gavetas.

A cada gole, encarava o relógio e seus finos ponteiros. Foi aqui que a sensação surgiu, essa maldita hora! Eram 9:32.

O tempo lhe sobrava, mas as atividades eram escassas. Tudo que podia fazer era encarar para o teto, ver suas ranhuras e as teias acumuladas nos cantos e pensar esse lugar precisa de cuidados… 

Preciso fazer algo… Qualquer coisa!

Esse maldito negro vai demorar, e demorar demais… 

Planejo como enganá-lo? 

Não faço sequer idéia do que ele quer… ou seus planos! 

Apenas sei que ele quer destruir a casa… 

A casa… preciso saber mais sobre ela. 

Mas tudo que temos aqui no banco é… a prefeitura! 

Com o surgimento da ideia, agarrou o telefone que estava em seu escritório, discou o número de dois dígitos que levava a mesa das secretárias no saguão e esperou alguém atender. Olhou mais uma vez para o relógio. Eram 9:33. 

Se passou só um minuto?!

— Sim? — Disse uma voz mecânica através da linha.

Goldberg então disse um bom dia breve e seguiu a dizer, de maneira lenta, o pedido dele. Tentou se aproximar a um tom de ordem, mas não tinha as energias para tal. Pediu finalmente que lhe trouxessem os documentos que tinham da casa.

— Todos os documentos! — Enfatizou. — Todos que a prefeitura possuir. Plantas, nomes de ex-donos, revendas, históricos de reforma. Por favor, me traga tudo!

Após entregar os dados e as devidas autorizações e assinaturas, despediu-se e agradeceu. Eu não estava tentando soar irritado? Por que agradeci? Desligou o telefone e suspirou, com força demasiada. 

Encarou mais uma vez para o relógio, eram 9:37. Como pode a hora simplesmente não andar!

Pois hora não anda idiota, relógio não tem perna… Riu da própria piada, com um singelo tom de desespero em sua voz. Ainda tem muito tempo até ele vir… e esses documentos vão demorar… 

— E agora…? — Finalmente disse, sentindo sua boca ficando seca. Bebeu um enorme gole de café, esvaziando a xícara, e balançou a cabeça. Apertou os próprios joelhos, bateu os pés no chão, estalou os dedos e murmurou para que qualquer divindade o ouvisse. Nunca havia rezado de maneira tão baixa quanto naquele dia, mas nunca ansiou tanto para que fosse ouvido. 

Não queria ficar inerte, não podia. Sua mente caminharia a passos lentos para o dia anterior, lembraria das coisas que aconteceram e pensaria, com extremo horror e terror, na casa.

A casa… O que tem lá dentro? Finalmente pensou, evocando com medo e nojo do gosto doce e sufocante. Ele retornou a sua garganta, como um convidado não bem-vindo, mas que não podia dispensar. Se arrastou de maneira lenta, como um melado azedo e vencido.

Sua garganta, boca e nariz… tudo se transformou naquele cheiro. O odor do café desapareceu e tudo que era guardado se renovou para algo totalmente novo e, ao mesmo tempo, quebrado. Massageou a garganta, buscando por ar e se virou para sua janela. Com toda a força que podia, tentou destranca-la, tentou abri-la, mas não. Ela não cedia. 

A janela estava emperrada. 

A maçaneta de prata estava enferrujada. 

Os rodapés estavam trincados e empoeirados. 

Não é bonito.

Não é bom.

Não é…

Não é… aqui…

Não pode ser… aqui…

O meu lar? 

Esse é o meu lar? minha casa? 

Um lugar que me mata… um lugar que me sufoca? 

É tão lindo…

É tão grande… gigantesco…

Tão maior que eu… Tão perigoso… Tão mortal…

Não há Deus naquele lugar, nenhuma divindade pode me salvar!

— Mãe… — Sussurrou… as lágrimas quentes saindo, escorrendo por seu rosto e chegando em sua boca, o único gosto salgado que sentiu em meio aquele rio de água doce em terra seca. — Socorro!



Comentários