Volume 1
Capitulo 3: Do Lado de Fora (II)
Quanto tempo se passou? Cinco minutos? Dez? Eu não sei dizer, já estavamos caminhando a muito tempo. Uma visão do horrível beirou em meus olhos por toda aquela caminhada silênciosa, o barulho da lava destruindo tudo o que tocasse acompanhada daquele horizonte avermelhado, eram devastadores.
Junto ao som das brasas que pularam da lava queimando o gramado, escutei algo se arrastando. Virei-me para saciar meu temor e encontrei Soltrone se afastando para a direita, ele puxou sua foice enquanto retirava mais alguma coisa de baixo do manto.
O seu manto branco sujo de sangue se levantou aos poucos, revelando... asas?! Ele possuía asas?! Por que raios Soltrone tinha asas?! Isso é normal?! Não, não, não, não, obvio que não! Eu nunca tinha visto asas assim na minha vida, ao invés de penas... pareciam mais; cabelos. Fios longos entrelaçados entre si formando longas camadas que balançavam com a ventania.
Por baixo daquela camada gigante de cabelo consegui enxergar pele. Os cabelos estavam saindo de uma camada de pele humana como se fosse uma variação de seu corpo e não algum tipo de magia. Esse cara tinha asas de verdade... todavia, o mais curioso era que mesmo com essa aparência, suas asas não me amedrontaram, do contrário; elas acolheram.
Soltrone começou a levantar voo subindo reto para cima, acredito que usando alguma magia para impulso. Já em boa altitude, bateu suas asas mantendo algum tipo de estabilidade no ar, ele olhava para um lado, depois para outro, procurando algo nos arredores. Em um rápido momento ele olhou para baixo e então desceu em frente a Dominus.
— Lava chegando, e rápido!
Junto a sua breve explicação o barulho aumentou. Algo estava se arrastando quase ao nosso lado. Eu escuto, um grunhido muito grave vindo de baixo da terra, por instinto direcionei minha visão para a direção do som perturbador; e eu o vi.
Uma criatura gigante que saiu da terra pulando em nossa direção. Seus músculos eram enormes, diferente de seus pelos de cor mais escura seus olhos brilhavam ferozmente em vermelho, mantendo-se de pé, percebe-se presas afiadas em suas patas, ele se assemelhava a um urso, mas existia algo muito mais diferente que sua cor, sua boca não possuía apenas dentes afiados, mas também uma fonte de magma sem fim!
Aquele monstro moveu seu punho esquerdo em minha direção... eu estava paralisado. Nunca pensei que as criaturas que os Caçadores enfrentavam... seriam tão assustadoras.
Com minha visão tomada pela criatura, vejo Karla socando a boca do monstro o jogando para a direita, punho de Karla estava cheio de magm, embora ela tenha demonstrado resistir a aquela lava, agora sua carne estava deteriorando em queimadura bem lentamente.
Ela se pôs entre mim e a criatura, suas costas longas me lembraram de Gaius... tenho certeza que ele ficaria decepcionado comigo naquele instante. Eu via Karla uma mulher que eu nem mesmo conhecia caminhar até a criatura para me proteger... todos aqueles anos foram simplesmente jogados no lixo em poucos segundos.
Um vento veloz passou rapidamente pelo meu lado esquerdo, Soltrone fez uma investida rápida no ar para cima do monstro, fincando a lâmina de sua foice por pouco no ombro da criatura.
Com a criatura de costas para Karla ela se encontrou indefesa. Dessa vez com a mão esquerda Karla o acerta enquanto o urso se vira rugindo e jogando magma com sua boca totalmente aberta.
Karla conseguiu se proteger com a sua magia de explosão na mão direita, todo aquele magma é respingado de volta na criatura e nos arredores, empurrado pela explosão a criatura teve sua visão tomada pelo seu próprio magma, entretanto, Karla não moveu mais nenhum dedo, ela permaneceu imóvel.
Passos rápidos soaram pelo meu ouvido, alguém estava correndo em minha direção. Essa pessoa era Akiris, ele passou do meu lado direito correndo em direção a aquela aberração. Do mesmo lado que Akiris veio encontrei mais uma visão horrenda, uma onda gigante de magma vindo em direção ao caçador Yuki, ele estava relativamente distante com os braços para frente brilhando em azul, brilho esse que parecia estar direcionado para Karla.
Com os passos de Akiris já relativamente baixos, eu observei uma silhueta azul surgindo perante a Karla, fazendo-a parecer cada vez mais outra coisa, ela ficou azul, maior, e quase idêntica a criatura, com sua silhueta azul sendo a única diferença.
O monstro vermelho com sua visão retomada, preparou outro soco focando completamente na silhueta azul, quando Akiris já entre a Karla e o monstro preparou um ataque, porém, ele simplesmente se dissipou no ar. Uma fumaça estranha surgiu em cima do urso, era Akiris! Ele agarrou o pescoço do monstro com seus braços e rapidamente o estrangulou, a ciratura estava se debatendo tentando jogar magma em Akiris, mas ele não largava.
Aos poucos o pescoço do monstro foi sendo cada vez mais apertado, quando um estralo aconteceu. O pescoço do urso ficou totalmente molenga e seu corpo decaiu para frente. Aos poucos, a criatura começou a brilhar, sua pele vermelha escura ficou cada vez mais clara, brilhando fortemente em vermelho, e simplesmente; explodiu.
Fuijogado a poucos metros batendo minha cabeça no chão. Ela ardia enquanto ouvia meus ouvidos zumbindo, junto a ele escutava a grama sendo queimada pelo magma enquanto minha visão aos poucos se apagava.
Um pequeno susurro vem até mim, leve e incompreensível. Onde está? De onde vem? O susurro se tornou mais nítido aos poucos, até se tornar um cochicho.
— Eu... você... não! Eu não sou você!... maldito seja... maldito seja o sangue!
Ao abrir meus olhos, não sentia dor nenhuma. Consesgui me levantar aos poucos sem problema. Levantando minha cabeça eu me deparei com Dominus, ele estava em minha frente, parado olhando os arredores. Dos demais, pelo visto apenas Akiris estava no chão.
— Está tudo bem Wally?
— Sim, senhor Dominus... estou bem.
Eu apenas fiquei... parado. Eu apenas observei enquanto pessoas que nunca tinha visto na vida partiram para cima da criatura sem pensar duas vezes. Treinei minha vida inteira, para no momento decisivo... ficar parado. Definitivamente isso não era estar bem.
O impacto da explosão acalmou meu corpo, eu já não estava tremendo, ao menos isso consegui fazer. Nos arredores não restou nada do monstro, nem ao menos sangue, o local da explosão parecia apenas barro comum em meio a uma grande cratera, até mesmo quase toda a magma havia desaparecido. A única prova que esse monstro esteve aqui era a destruição e devastação que ele deixou para trás.
Até mesmo eu consigo entender, um demônio como aquele na capital, acabaria com centenas de vidas. Mais a diante, Akiris estava se levantando próximo a Karla, para um Nullu, ele parecia ileso. Como isso podia ser possível? Aquela explosão foi forte o suficiente até mesmo para me alcançar, e apenas sua blusa vermelha e a jaqueta branca foram destruídas? Isso não fazia sentido.
Soltrone retornou flutuando com suas asas semiabertas, em sua mão estava sua foice, mas sua lâmina possuía algo de diferente, um tom avermelhado parecido com o da criatura, por algum motivo não gostei de olhar para aquela coisa vermelha, ela me causou uma rápida dor de cabeça.
Yuki não parecia ter sido atingido pela explosão, ele caminhou tranquilamente em nossa direção com os braços esticados a poucos centímetros de seu corpo, como se segurasse a mão de outra pessoa.
— Todos aparentam estarem bem, foi um bom trabalho — Dominus os parabenizou com seu tom contínuo e postura perfeita. — Agora que a criatura foi destruída, vamos retornar para Bahamut e pegar uma outra carroça — Dominus terminou se virando para Akiris. — Caminhando vocês devem chegar antes do sol se pôr.
Ele se aproximou de Soltrone e lhe entregou um papel. Meu corpo ainda estava molenga, não sei dizer nem mesmo como estava de pé, desequilibrando-me um pouco, cai para trás.
Sentado, ainda me encontrava confuso, talvez até mesmo debilitado, preciso de respostas, respostas para muitas perguntas. Entretanto, quando procurei o portador das respostas, ele já havia sumido outra vez. Como sempre, sem deixar rastros ou mesmo fazer um simples barulho.
Soltrone parecia bem confuso, ele virava o papel de lado, de cabeça pra baixo, para esquerda, para direita... Será que... ele não sabia ler? Akiris logo se aproximou, estendeu a mão direita e pegou o papel de Soltrone. Leu por alguns segundos e se virou para nós.
— Conheço o caminho, vamos continuar.
Ele devolveu o papel para Soltrone e começou a caminhar, Karla o seguiu fazendo sinais para acompanharmos, um pouco menos zonzo comecei a me levantar e me aproximar de Karla, enquanto Soltrone e Yuki estavam por últimos lado a lado logo atrás de mim.
Minha cabeça doía, mas diminuía aos poucos, mas minha mão direita parecia me incomodar muito mais, ela estava ardendo bastante, talvez um machucado pela queda? Quando a virei, encontrei algo que definitivamente não podia ter sido feito por uma queda, existia um símbolo desenhado em minha mão. Uma espiral brilhando fraco em azul com um olho preto fechado no meio.
Exatamente no instante que observei aquele símbolo, minha dor cessou de uma vez. Assim como ontem na arena, um sentimento estranho e frio começou a tomar minha pele, mas para minha sorte, foi um desconforto rápido.
Agora que a calmaria havia retornado eu reprisei direito. Eu sai de casa, conheci Dominus, e presenciei uma batalha real dos caçadores pela primeira vez. Comparando com a arena, aquele meu treinamento pareceu coisa de criança.
Aquele urso... não poderia ser derrotado com apenas força bruta, quantos soldados imperiais seriam necessários para vencer aquilo? Quatro talvez? Lutar contra uma pessoa é uma coisa, mas uma criatura com sua afinidade descontrolada é totalmente diferente, eu havia acabado de testemunhar isso na pele.
Eu parecia uma formiga perante a ele... e exatamente por isso, algo não saía de minha mente; uma dúvida muito maior do que o motivo do Soltrone possuir asas ou de Karla mal se queimar com a lava mesmo com sua armadura devastada; como? Como um simples Nullu... poderia ser tão forte?