Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Alluna Idle


Volume 1

Capítulo 16: O brilho seguido da explosão

Arnok desceu correndo as escadas de ferro. O barulho pareceu retumbar na biblioteca inteira. Pisou em falso algumas vezes no processo, mas felizmente não caiu.

Quando chegou ao primeiro andar, começou a correr entre as dezenas de estantes do lugar. Queria voltar até a porta o mais rápido possível. Mas, de repente, alguém apareceu no meio do seu caminho.

O barulho de livros indo para o chão e reclamações de dor quebraram o silêncio do primeiro andar.

“Merda...” Arnok falou para si mesmo, reclamando da dor. “Sinto muito.”

“Não... Tudo bem, eu que devia ter prestado atenção.” Disse o garoto que Arnok esbarrou.

Ele tinha todas as características clássicas de um homalupo. Pelo cinza, orelhas de lobo, cauda da mesma cor e um cabelo que poderia se assemelhar a um colarinho de lobo, julgando pelo tamanho. 

Os dois foram para o chão e quando iam se levantar, bateram na cabeça um do outro.

“Droga!” Arnok reclamou. “Que cabeça dura hein, amigo?”

“A sua que é!” O homalupo retrucou. “Parece a cabeça de um fauno.”

Os dois se olharam por um breve momento antes de cair na risada. Dessa vez um ajudou o outro a se levantar. Arnok tinha uma expressão impassível e o homalupo havia aberto um sorriso amistoso.

“Me ajuda aqui.” Comentou o homalupo, enquanto pegava os vários livros que estavam no chão. “Preciso encontrar um que eu peguei.”

“Certo...” Arnok se agachou e pegou vários livros com um braço. “Mas como diabos nós derrubamos tantos livros?”

“Nós derrubamos, não. Você derrubou.”

“Não foi você que se culpou há um minuto atrás?” Comentou, pondo alguns livros na estante. 

“Foi por educação, mas era você quem estava correndo.” Ele olhava o verso de cada livro antes de colocá-lo na estante.

“Foi você que não me viu a tempo.”

“Aham, se você diz.” 

Arnok pegou um livro de capa verde e no mesmo instante o homalupo o reconheceu.

"Aí está." Falou.

“É sobre o quê?” Arnok comentou enquanto folheava-o. Tinha diversas ilustrações detalhadas de animais que ele nunca havia visto.

“Padrões de animais inteligentes.” 

Foi enquanto folheava que Arnok viu uma figura familiar. Um lobo de pelo verde musgo, muito maior que o convencional.

Era o mesmo lobo que ele havia enfrentado no começo de sua jornada. Era chamado de “Lobo musgo”, uma criatura fraca no quesito magia, mas vencia a grande maioria das outras criaturas em inteligência e ‘aprimoramento do modo berserker’

Arnok não entendeu muito esse último trecho, mas se sentiu orgulhoso por ter vencido sozinho aquele lobo.

“Vai me deixar ler ou quer para você?” O homalupo comentou ironicamente.

“Desculpe.” Entregou o livro para o sujeito e uma dúvida surgiu em sua mente: “Por que você quer um livro desses?”

“Podemos dizer que...” Ele parecia apreensivo. “Dependo delas para lutar.”

“Certo.” Arnok respondeu, mesmo que não tenha entendido muito bem. “Aliás, sou Arnok. Prazer.” 

Ele estendeu a mão para o homalupo, que hesitou brevemente antes de devolver o cumprimento.

“Kaesar Coração de Mana, e o prazer é meu.” Falou com o mesmo sorriso amistoso de antes.

Arnok não se lembrava desse nome no livro que havia lido, então ficou curioso para saber o significado daquele título.

“Bem, tenho que ir agora.” Kaesar comentou enquanto se afastava. “Tenho outros livros para procurar. Até.”

“Até!”

Arnok voltou ao seu objetivo de antes, só que agora não corria tão desesperado assim. 

Estava prestes a virar uma esquina em direção à porta da biblioteca, quando reconheceu uma voz.

“Já conheceu o Arnok?” Era Hiotum. Ele falava com Kaijum.

Antes que Arnok fosse visto, ele se escondeu atrás de uma estante de livros e ouviu a conversa.

“Sim, foi bem educado comigo.”

“Que bom.”

“Mas me diga, por que o escolheu?” Kaijum soava confuso e curioso. “Tem muitos nessa universidade que possuem um talento enorme e que adorariam ser seu discípulo.”

“Eu sei...” Admitiu, não parecendo estar desanimado. “Mas Arnok tem algo especial, ele já me surpreendeu diversas vezes em menos de duas semanas.”

“Como assim?”

“Tem uma mana incrivelmente boa. Matou um lobo musgo e um humano com as mãos nuas.” Falou animado.

Arnok estremeceu com aquele comentário, não imaginava que Hiotum fosse tão a favor dele ter matado um humano. 

“Desde quando matar um humano é uma coisa boa, Hiotum?!” Kaijum o repreendeu fortemente.

“Não é, Kaijum, sei disso.” Falou se desculpando e parecendo arrependido. “Mas ele era de alto escalão. Arnok o matou sozinho, de mãos vazias. Fiquei impressionado.” Abriu um sorriso orgulhoso.

“Mas como ele ficou depois disso?”

O sorriso desapareceu do rosto de Hiotum.

“Péssimo. Mal olhou para as próprias mãos e teve um pesadelo horrível, aparentemente.”

“Que bom que percebeu.” Kaijum deu um peteleco no nariz de Hiotum e abriu um sorriso simples. “Ele é só um garoto que mal aprendeu a usar magia, pelo que você me disse. Passou pelo inferno e vai ter que aturar os próximos anos aqui.”

“Acha que cometi um erro o adotando como discípulo?” Perguntou, desesperado. “Acha que transformei a vida dele em um inferno?”

Arnok sentiu-se culpado ouvindo aquilo.

“Não sou eu que deve responder isso Hiotum, sabe muito bem.”

Kaijum começou a folhear um livro na frente dele e Hiotum olhava para os próprios pés, apreensivo. Parecia que o assunto havia acabado.

Arnok finalmente se virou para ir em direção do seu mestre, fingiu um sorriso enquanto tentava arfar. 

“Hiotum!” Falou pouco antes de se aproximar. “Tava te procurando.”

“Também estava.” Hiotum disfarçou a preocupação que sentia há pouco. “Vamos, quero te mostrar seu quarto.” Foi caminhando até a porta da biblioteca e Arnok seguiu logo atrás.

“Tchau, Kaijum!” Despediu-se do simiomono antes de sair.

“Até mais, Pena de corvo!” Falou, sem tirar os olhos do livro. 

Arnok estranhou aquele apelido e estava prestes a perguntar para Hiotum, mas ele o respondeu antes.

“Era o antigo apelido de Morpheus.” Disse, olhando para Arnok.

“Mas por que ele me chamou disso?”

“Não sei.” Deu de ombros enquanto andava. “O Kaijum pode ser meio excêntrico às vezes."

Os dois caminharam juntos em silêncio a partir dali. 

Voltaram para a entrada do prédio dos anciões e a carruagem já não estava lá. Arnok quis perguntar sobre, mas vendo a falta de surpresa em Hiotum, deixou para lá.

Eles caminharam no campus da academia com tranquilidade. Hiotum diversas vezes recebeu cumprimentos de outros alunos, os quais ele os retribuía com fervor.

Arnok não estava tão animado. Aqueles olhares de antes surgiam no rosto de alguns dos alunos que passavam. 

“É muito longe?” Perguntou apreensivo.

“Não.” Hiotum parou de repente e apontou para uma torre muito alta. “É ali.”

Arnok começou a ficar ansioso sobre seu novo quarto. Hiotum voltou a caminhar e ele o seguiu.

O campus parecia mais cheio de alunos do que quando de manhã. Vários grupos pareciam ter começado a treinar também. Era estranho ver diversas pessoas meditando, lançando magias para cima ou fazendo coisas mais fora do comum. 

Quando finalmente chegaram na frente da torre, alguns demônios saíram correndo pela porta. Pareciam estar se divertindo ou ocupados com algo engraçado.

“Cuidado, gente!” Hiotum comentou no susto.

“Desculpa.” Um deles respondeu, mas não deixaram de correr para longe dali. Arnok então reconheceu uma das pessoas ali no meio, era a garota de antes que estava junto com Magni.

Algo não me cheira bem. Pensou.

Dentro da torre não existiam grandes decorações, tirando os candelabros e os lustres claros. Era simples e um pouco rústico, mas não era feio. Tudo que existia ali era uma escada oval levando para cima.

Por que tantas escadas? Reclamou em seus pensamentos.

“Vamos lá, e tire esse cansaço do rosto.” Hiotum comentou quando começou a subir as escadas, com Arnok em seu encalço.

Definitivamente foi uma longa subida. Passaram por talvez mais de vinte andares, cada um com um total de dez portas. 

Algumas vezes, Arnok via alunos na frente dessas portas. Não estavam fazendo nada demais, apenas matando o tempo. Nenhum deles, no entanto, prestou atenção nele quando passaram, tudo foi direcionado para Hiotum.

Ele é um ancião, no fim das contas. Pensou. Não sei por que isso me surpreende.

Foi cansativo, mas quando chegaram no último andar da torre, Hiotum caminhou em direção a uma das dez portas no corredor. Puxou uma chave do bolso e destrancou a porta, mas não a abriu.

“Venha.” Falou para Arnok.

Arfando, ele foi. A ansiedade lhe atacava até a visão, ou talvez fosse só o cansaço. Mas uma coisa era certa, Arnok queria ver seu quarto.

Talvez suas expectativas tenham sido grandes demais.

O quarto não era grande. Tinha uma mesa de madeira, uma cama com um baú na cabeceira, uma janela escancarada e um guarda-roupa embutido na parede ao lado da porta.

“Este é seu quarto pelos próximos anos.” Hiotum comentou enquanto deixava Arnok entrar e aproveitar o “espaço”.

“Um pouco grande, não acha?” Perguntou ironicamente, Hiotum riu levemente e cruzou os braços.

“Não posso fazer nada sobre isso, é o padrão da academia. Mas o resto é muito maior, acredite.”

“Vou confiar na sua palavra, então.” Falou enquanto ia até a janela. A vista dali de cima era boa, pelo menos, ele conseguia ver todo o campus da academia e da universidade. Era bonito da sua própria maneira e Arnok se sentiu privilegiado por isso.

“Bem, suas coisas já devem estar no armário e eu descansaria se fosse você.”

“Por quê?”

“Daqui três dias vai acontecer a abertura das turmas e uma bem especial, principalmente por sua causa.” Comentou apontando para Arnok com um aceno de cabeça.

“Por minha causa...” Aquilo soou estranho. “Como assim?”

“É o primeiro ano que todos os anciões possuem discípulos.” Comentou com um sorriso feliz no rosto. “Então em vez do campeonato de sempre, vai acontecer um evento de abertura.”

“Abertura do quê?”

“Eu explico depois, agora descanse.” Se virou e foi até a saída. “Você merece.”

Fechou a porta e deixou Arnok naquele quarto pequeno. Sem muitas escolhas do que fazer, ele jogou-se na cama. Tinha um cheiro forte de alguma coisa velha e guardada, mas não se preocupou.

Ficou olhando para o teto liso de madeira com o tédio estampado no rosto.

Depois de algum tempo, o sono começou a vir. Piscou os olhos devagar diversas vezes, até que finalmente dormiu.

Foi um sono tranquilo até certo ponto. Abriu os olhos porque sentiu suas costas coçando como nunca na vida.

Se sentou na cama e começou a se coçar desesperadamente. Quanto mais tentava passar aquela sensação, mais piorava. Era irritante, no mínimo.

Não importava o quanto tentasse, aquilo não passava. Chegou ao ponto de doer.

“Merda!” Murmurou cheio de raiva. “O que diabos...” De repente algo passou por sua memória. 

Se lembrou de Velin, a garota que havia corrido na frente do prédio hoje cedo e que estava junto de Magni naquela manhã.

“Foram eles!” Falou com raiva, continuava a se coçar por mais que doesse. “Que merda! MAS QUE MERDA!”

“Se tem tanta raiva deles, porque não os mata?” Uma voz arrogante soou. Arnok reconheceu aquela voz e estremeceu.

Se virou cauteloso na direção dela e sentiu todos os seus pelos e penas se arrepiarem.

Na sua cama, um humano com uma faca branca de osso estava sentada na beirada. Era o mesmo sujeito que o garoto havia matado há algumas noites. Arnok perdeu a força nas próprias pernas e caiu no chão.

“Como?” Falava aterrorizado. “Com certeza elas te mataram.”

“Elas quem?” O humano perguntou, sua voz amedrontava até o fundo da alma de Arnok.

“Minhas... Minhas...”

“Suas mãos?” Olhou com muito desdém para Arnok e deu uma risada tão alta que poderia acordar o prédio inteiro. 

Arnok não respondeu, apenas ficou olhando o humano que suas mãos obviamente haviam matado. 

“Acha mesmo que suas mãos me mataram?” Ele se levantou na cama e caminhou odiosamente na direção do garoto asa negra caído no chão. “Seu asa negra maldito! VOCÊ ME MATOU!” Gritou, com o rosto aproximado ao de Arnok.

“Não...” Murmurou. “Não é verdade!” Respondeu desesperado.

“Ah, não?” O sujeito comentou, perdendo toda aquela pressão cheia de ódio e arrogância em um único instante. “Desculpe-me, então. Me equivoquei.”

Se afastou e sentou na cama com os braços cruzados. Parecia estar pensando, insatisfeito com algo que o remoía por dentro.

“Mas alguém tem que pagar por eu ter morrido.”

“Tem?” Arnok perguntou confuso.

“Lógico que sim!” Levantou da cama em um sobressalto e continuou a falar. “Morri sem ninguém sequer julgar minha morte, alguém tem que pagar por isso.” Olhou para as mãos do Arnok com malícia.

“Não...” Falou chocado. “Eu não consigo.”

“Vai conseguir, é a única maneira de tirar essa dor que está sentindo aí dentro.” Olhou para o armário na parede com um sorriso. “Vamos, sei que sua faca está ali.”

Arnok seguiu o olhar do humano e ponderou seriamente. Relutante, ele andou até o armário e procurou sua faca, que estava guardada na mesma bolsa que ele pegou no acampamento dos asas negras. Aquilo lhe trouxe algumas memórias desagradáveis.

“Ande, não temos a noite toda.”

Arnok foi até a mesa do seu quarto com a faca em uma das mãos. Tremia sem parar e sentia-se tão confuso e desesperado que nem a coceira de antes era mais um problema.

“E... agora?” Perguntou, relutantemente.

“Agora você põe sua mão na mesa...” Assim Arnok o fez. “Ergue a faca...” Ele obedeceu. “E acerta no pulso.” O humano falou com uma voz surrealmente grave.

Arnok engoliu em seco. Sentiu o suor escorrer entre suas asas, pelas costas e descer para as pernas. Cada parte do seu corpo tremia e hesitava. O medo era tamanho que parecia prestes a chorar. 

“Vamos.” Sussurrou próximo do ouvido de Arnok. “Se fizer rápido, mal vai sentir.”

Sua mão tremia tanto quanto a faca. Olhava cada vez menos hesitante para seu pulso, mas o medo não o abandonava por um segundo sequer.

“Do que sente medo?” A voz parecia vir de todos os lados dessa vez. “Vai subjugar uma criminosa, não?”

“Sim...” Falou sem pensar.

“Então faça-o.” 

Ainda hesitava, mas a faca estava tremendo menos.

“FAÇA DE UMA VEZ!”

Fechou os olhos e avançou com a faca. Mas o movimento parou abruptamente. 

Arfava cheio de horror e quando finalmente abriu os olhos, viu Hiotum olhando-o desesperado.

“Que porcaria é essa, Arnok?!”

Sua mão perdeu a força e a faca caiu no chão. Lágrimas quentes começaram a correr pelo rosto do garoto, que abraçou forte seu mestre. Se bem que, naquele momento, não via aquele sujeito como um mestre.

Via ele como o lugar mais seguro no mundo.

“Ei, ei. Calma.” Hiotum retribuiu o abraço e falou em um tom aconchegante. “O que aconteceu?”

“Eu...” 

“Vamos, Arnok!” O garoto estremeceu. Com medo e hesitação, ele se virou na direção da voz. Ainda via aquele humano. “Diga para ele o que aconteceu!”

“Para o que está olhando?” Hiotum indagou, preocupado.

Arnok se virou para ele, desesperado. Você não o vê? Queria gritar para Hiotum, mas algo o parou. Uma sensação, talvez medo ou confusão. Não sabia direito, mas o que disse foi definitivamente diferente.

“Nada.” Falou enquanto voltava para o abraço quente de Hiotum.

“Garoto esperto.” O humano falou. Arnok não quis olhar para trás e confirmar se ele ainda estava lá ou não. Se fechou completamente no abraço do seu mestre.

“Arnok. O que aconteceu?” Hiotum soava aflito e muito preocupado.

“Um pesadelo.” Mentiu. “Igual ao de antes.”

“Arnok...” Hiotum estava prestes a dizer algo, mas um brilho muito forte veio da janela. “Mas... o que diabos?”

Se desvencilhando do abraço de Arnok, Hiotum foi até a janela e uma expressão de horror apareceu no seu rosto.

“O que diabos é aquilo?!”

Hesitante, Arnok foi ver o que estava acontecendo e se surpreendeu também. Uma enorme bola vermelha estava no horizonte e se distanciava rapidamente

Enquanto olhavam, por um breve segundo o brilho sumiu. Logo depois, voltou de uma única vez, acompanhado de um grande tremor que abalou toda a estrutura da torre em que estavam.

Vários alunos e professores começaram a ir para as ruas ver o que estava acontecendo, todos parecendo confusos.

“Tenho que correr para o conselho.” Hiotum saiu correndo do quarto e desapareceu nos andares inferiores do dormitório de Arnok. Ele continuava olhando para o horizonte. Não por curiosidade, mas porque não queria olhar para o humano atrás dele.

“Parece que começou, não é?” O humano disse ironicamente enquanto dava uma longa risada.



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