Volume 1

Capítulo 01: Aos que Nascem em Anfell

Aqueles que nascem em Anfell têm a 
grandeza imposta sobre eles - Rei Dunleav, O Tirano

 

Tal frase era repetida como uma profecia a todos os habitantes do maior reino dos Cinco Grandes, porém apenas aqueles que almejavam o topo por caminhos errados destinavam-se às piores quedas. Esses erros levaram os mais diversos habitantes às masmorras da capital, Golden —onde o Sol parecia ser considerado o pior dos invasores.

Numa manhã de céu límpido, o raio luminoso entrou teimosamente por uma das frestas no andar mais fundo, indo de encontro à pele pálida de um jovem de cabelos brancos.

Haru...

A intensidade da luz aumentava conforme a manhã prossegue, tocando os olhos do rapaz ao ponto de incomodá-lo.

Quem me chamou ?

Ele olhou ao seu redor, refletindo sobre estar sozinho à tanto tempo que, por algum momento, acreditou ter ouvido uma voz conhecida—acolhedora, mas dolorosa. Seus músculos estavam dormentes e estáticos.

O peso das correntes e o tilintar arrastando no chão rústico de paralelepípedos de concreto o traziam de volta para uma realidade que queria tanto esquecer.

— Quanto tempo faz? — o rapaz bocejou, enquanto encostava sua cabeça na parede, até que um som peculiar chamou sua atenção.

Passos firmes desciam as escadas ecoando nos andares acima e, mesmo que estivesse enferrujado, encostava a orelha sobre a parede para ouvir burburinhos bem baixos. Como um bom militar de Anfell, aprendeu a intensificar seus sentidos, ocultando outro.

No caso, ele fechou os olhos.

—O que os Dragões fazem aqui?

—Calado! Você sabe o que isso significa!

—Mas logo os Dragões? Por que eles precisariam recrutar alguém?

— CALADOS, DETENTOS!

Haru não precisou de treino para ouvir o grito, seguido de uma ameaça de cortar as refeições dos presos —quem quer que fosse, era extremamente importante.

Dragões? Onde eu ouvi isso?

Ele tentava recordar, mas todas pareciam tão distantes que não conseguia “alcançá-las”.

Os passos continuavam até irem à sua direção. Logo ele virava os olhos para onde os sons vinham, prestando atenção a conversa de seus visitantes.

— A senhora tem certeza de que nenhum dos detentos anteriores te interessaram?

— No meu ramo, senhor...

— Von Dinte, senhora Alice.

— Me chame apenas de Alice, garoto. — A voz fazia jus à firmeza do pisar que Haru prestava tanta atenção. — E não se preocupe, te direi quando alguém me interessar.

— Claro, sen... Digo, Alice.

A presença que Haru observava em sua frente era o próprio significado de imponência.

Ele forçou ele a abrir ainda mais seus olhos, mesmo com a falta de costume com a luminosidade.

Era mulher, com cabelos dourados como a luz que entrava pela fresta da sua cela e, no qual abraçavam um rosto redondo e de linhas simples—mas com uma feição dura e forte.

A luminosidade da lanterna do carcereiro revelava as sardas abaixo dos olhos verdes. Alice vestia um sobretudo branco longo com detalhes dourados. Ela analisava Haru com um olhar criterioso, mas ele teve a impressão de que algo mudou quando seus olhos se encontraram.

— Esse é o último prisioneiro das sete masmorras, Alice… — O carcereiro se posicionava ao lado dela com o molho de chave em mãos.

— O que o trouxe aqui? — Os olhos dela não paravam de fitar Haru, fazendo com que ele questionasse mentalmente o motivo.

— Um momento, senhora...

Von Dinte retirava uma prancheta presa em sua cintura e folheava os papeis que o fecho parecia não aguentar.

— Haru Kurotska, parece ser um prisioneiro da época da Queda de Anfell.

— Não falei com o senhor, Von Dinte!

Alice observava o oficial pela primeira e única vez, mesmo que de soslaio.

— Eu quero ouvir isso diretamente dele… Por isso, abra a prisão.!

— Senhora… — Ele pareceu hesitar, mesmo elevando o molho de chaves em sua mão inconscientemente. — Eu não posso deixar sua segurança em risco.

— Está insinuando que não sei me defender, senhor Von Dinte?

Alice voltou a observar o prisioneiro.

— Nunca, senhora.

— Então, apenas abra. — Alice virava de costas e se afasta o suficiente para o oficial executar a ordem.

Haru conseguia ver de relance um brasão brilhar em dourado, com um K e D bordados no sobretudo.

— Confio nas correntes que prendem esse homem, mas caso seja preciso, posso garantir que não será um problema. Nem para mim, nem para vocês.

— Certamente.

O carcereiro buscava lentamente pela respectiva chave do portão da cela, na sorte que ela desistisse. Isso vai acabar sobrando para mim...O prisioneiro ouviu o oficial sussurrar. Haru havia prometido a si mesmo que não faria nenhum mal a ninguém que ali aparecesse.

Se fosse possível, o prisioneiro gostaria de não se mover, mas ainda sentia fome e necessidades básicas. Pelo menos, ele tinha a cela só para si, o que deixava aquele momento acolhedor, talvez silencioso demais.

Para o azar de Von Dinte, a chave batia na fechadura e a destrancava com um forte ranger. Alice entrava prontamente na cela, se aproximando de Haru. Segurava a lanterna que lhe fora entregue e ficava a alguns passos de distância dele, que podia ver que ela era de estatura mediana, mesmo com um corpo em forma e trabalhado continuamente.

— Garoto… — Alice parava a alguns metros de distância dele, com a lanterna que iluminava sua frente. — Você sabe quem eu sou?

— Sinceramente… — A voz de Haru soava inofensiva e tranquila, mesmo que rouca pela garganta seca.

Ele supôs que ele seria alimentado e poderia receber o quantitativo de água para o dia, pela sede que sentira.

— Não, não a conheço.

— Não tem importância.— Ela dizia em um tom um pouco mais alto.

Ao perceber que o oficial esboçaria uma ação premeditada, a mulher levantava uma mãos, impedindo-o apenas com a dureza do gesto.

— Me chamo Alice Kaiser Drache, rainha do clã dos Dragões de Anfell.

Agora sim Haru se lembrava de onde ouvira a nomenclatura. O clã mais importante do Reino, tendo papel ativo na guerra nomeada de “Queda de Anfell”, a qual tornou os Cinco Reinos independentes.

Dez anos haviam se passado quando a guerra se encerrou.

Naquele dia, Haru tinha 28 anos.

— Pela sua reação — Alice percebia a surpresa do jovem — suspeito que já tenha ouvido falar de nós. Isso nos poupa grande parte da minha apresentação. Sabe que tenho poder para tirá-lo daqui, não é?

— Desculpa. — Haru analisa a ação dela, curioso. — Mas não entendo a necessidade de questionar, devido a honra e prestígio que seu clã conseguiu durante os anos.

— Meus motivos competem somente a mim.

A rainha fecha os olhos e, por um momento, sua rigidez parece desvanecer, dando lugar a um sorriso tranquilo.

— Não terei problema de compartilhar com você, mas quando o momento for oportuno. Por enquanto, quero que se atenha a me responder: O que te trouxe aqui?

Haru ergueu seu rosto para responder…

Mas sua mente foi inundada de lembranças.

Tiros, explosões e gritos.

Suas mãos estavam banhadas de sangue

De repente, o ar se rarefez, seu coração parecia sair pela boca. O crânio queria se romper.

Por alguns segundos, ele apenas se encolheu— as correntes pesavam mais do que nunca. Como se quisesse sumir, seus lábios tremiam em uma súplica silenciosa.

— Senhora Alice!

O carcereiro chamava ao fundo, como se pudesse impedir a rainha somente com a voz em uma tentativa em vão.

O toque suave da palma da mão direita da Rainha dos Dragões sobre a cabeça de Haru trazia o prisioneiro de volta ao momento. O toque se tornava um afago e a visão embaçada dá lugar aos olhos verdes de Alice.

Aquele olhar parecia decifrá-lo, como se dissesse “Eu te entendo”, sem dizer uma palavra sequer.

— Independente do que — ela dizia enquanto encostava a testa na do rapaz, fechando os olhos. Haru se sente acolhido e a sensação faz uma lágrima cair de seu olho — vejo que se arrepende.

Ela se afastava, colocando-se de pé na frente do homem de cabelos brancos. Somente após isso, Haru limpou a lágrima em seu rosto com as suas mãos presas.

— De acordo com a Legislação dos Cinco Reinos, os clãs têm direito à, caso assim desejem ou seja necessário, recrutar um prisioneiro para seu clã para a função de membro ativo.

Alice proclama em alto e bom som, embora só Haru estivesse ali para ouvi-la. Ele sentiu como se os andares acima pudesse ouvi-los e, provavelmente, a rainha desejava isso.

— Diferente da Lei que permite, mesmo que o prisioneiro negue, eu apenas conduzi-lo à força ao meu clã, quero que seja de livre e espontânea vontade.

Haru retirava as próprias mãos da cabeça devagar. Por alguns segundos, parece não precisar da lanterna para ver o brilho que a rainha tem à sua frente — era como uma aura dourada que envolvia todo o corpo dela e clareava a cela.

Algo que o Sol nunca poderia fazer na profundidade das masmorras que estava.

— Haru Kurotska…

Os pensamentos dele eram interrompidos pela mão estendida de Alice próxima de rosto dele.

— Você aceitaria ser a minha espada?

Ele ouvia aquele pedido e a única reação que tem é rir. Haru se continha para não gargalhar, afinal, não sabia as intenções da rainha, por mais que parecesse que podiam ser genuínas e puras.

— Desculpe, majestade. — Haru limpou seu rosto com as mangas dos farrapos que veste, mesmo que sujado ainda mais sua pele — Mas a senhora está preocupada a ponto de acolher uma espada defeituosa? Uma espada quebrada não tem valor nenhum.

— Se uma espada está quebrada… — Alice sorria novamente.

Dessa vez, parecia que a rigidez anterior nunca sequer existiu em seu rosto

— Basta reforjarmos a arma, não importa o tempo que leve.

Haru fitava a mão da Rainha pensativo. Por que? Dentre todas as perguntas, era apenas o que ele conseguia pensar. Não se achava merecedor de tocar aquela luz que entrou pela cela.

Quem dirá poder respirar um ar puro e tranquilo, ter uma cama, por mais dura que seja, ou até mesmo trabalhar em algo tão simples como cuidar de cavalos ou tirar o esterco das baias de qualquer animal.

Aquele pedido era diferente de tudo.

A rainha de um clã o queria para ser sua espada.

Ele mal compreendia do que se tratava — mas a responsabilidade pesava como um fardo que não fosse seu.

Só que tanta confiança parecia ter sido depositada nele que ele pensava que aquela missão só poderia ser entregue à ele, apesar de poucos segundos de conversa. Haru sentiu que conseguia carregar o fardo, então apertou a mão de Alice com as próprias.

— Eu espero ser merecedor de tamanha honra, Rainha Alice.

A resposta desse pedido fez com que, como muitos eruditos e fieis dos 12 Deuses diriam:

Os caminhos de Ita começavam a andar em outra direção.

Os caminhos que a Criação trilhariam a partir daquele dia eram desconhecidos até para os 12. Afinal, nenhuma nuvem era capaz de esconder a luz daquele dia.

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