Clube de Gênios Chinesa

Volume 1

Capítulo 9: Mudança

— Você já ouviu falar do Gato Coco? — perguntou Lin Xian, com um pouco de nervosismo na voz.

— Hã... nunca ouvi esse nome — respondeu o atendente, coçando a cabeça com um olhar confuso. — Tem certeza do nome? Aqui a gente tem todo tipo de brinquedo. Se descrever, talvez eu consiga achar pra você.

Lin Xian fez uma pausa, então exagerou na expressão facial para imitar o Gato Coco. — É assim que ele se parece.

O rosto do atendente se iluminou de reconhecimento. — Ah, agora sei do que você está falando! Me segue, a gente tem sim! —  Ele guiou Lin Xian até uma estante alta e bem iluminada no centro da loja.

— Está aqui! Todos esses!

A estante, com dez prateleiras de altura, estava abarrotada de bichos de pelúcia.

— É esse o gato que você queria? — o atendente perguntou com um sorriso, apontando para os brinquedos. — Esse aqui é o nosso campeão de vendas! Já faz séculos que ele é um sucesso. Mas você errou o nome. Na verdade, ele se chama...

— Entendi.

Naquele instante, Lin Xian sentiu um calafrio como se tivesse sido mergulhado em água fria. Encarou as centenas de brinquedos idênticos na estante, todos parecendo olhar de volta para ele. Um letreiro em destaque dizia: Campeão de Vendas Centenário! Sucesso Há Centenas de Anos — Gato Rhine

Do lado de fora, a praça ainda estava vazia naquela madrugada. As lojas ao redor estavam todas fechadas com luzes apagadas e portas trancadas. Só se ouvia o zumbido dos insetos noturnos e os gritos distantes das cigarras, compondo uma tranquilidade estranhamente sombria.

Sentado num banco, Lin Xian se sentia totalmente desconectado do mundo ao seu redor. Tudo parecia fora de lugar, irreal.

Ele abriu a mão e olhou para um chaveiro do Gato Rhine, o único item que conseguiu comprar. Era uma réplica perfeita do Gato Coco dos seus sonhos; exceto pelo nome.

— Por que mudou? — murmurou, com um desconforto crescendo dentro dele. Não era só medo ou angústia. Era uma sensação profunda de perda, de não estar mais no controle.

Nos sonhos, ele sempre se via como um deus todo-poderoso, moldando o mundo à sua vontade. Agora, parecia mais um personagem de “O Show do Truman”, preso e observado.

De repente, exatamente às 00h42, uma luz branca ofuscante iluminou tudo, como se o mundo estivesse sendo consumido por ela.

O vento da noite soprou forte, fazendo as cortinas esvoaçarem com violência. Lin Xian percebeu que tinha esquecido de fechar a janela.

— Esqueci de fechar a janela de novo... — murmurou, puxando o cobertor para mais perto, embora isso não fosse suficiente para afastar o frio que vinha de dentro.

Para um sonho que tinha sido o mesmo por anos... a mudança era o terror supremo.

Lin Xian pegou o celular e discou um número.

— Alô?

— Gao Yang, tem alguma coisa errada.

— O que foi? — Gao Yang falou com uma voz em alerta.

— Meu sonho... mudou.

— Isso é ótimo! — a empolgação do Gao Yang era evidente. — Significa que você tá evoluindo! Eu te falei: mais filmes de ficção científica, mais romances, e seu mundo dos sonhos ia expandir! Teve nave espacial dessa vez?

— Não é esse tipo de mudança... — suspirou Lin Xian, sentando-se ao ouvir o som de uma multidão ao fundo. — Onde você está?

— Num bar, assistindo à Copa do Mundo no Catar. Fica perto de você. Quer vir?

O relógio marcava mais de uma da manhã, só que Lin Xian estava inquieto demais pra continuar em casa.

— Tá bom, estou indo aí.

Assim que entrou no bar, os gritos e aplausos dos torcedores o atingiram antes mesmo que ele visse a multidão. Normalmente, era um lugar tranquilo, mas o bar tinha se transformado num centro cheio de empolgação por causa da Copa do Mundo.

— Aqui, Lin Xian! — Gao Yang chamou de uma mesinha no canto, chamando atenção ao desviar entre as pessoas.

— Assiste aqui. Vou pegar umas cervejas pra gente.

— Não vim pelo jogo — disse Lin Xian, embora fosse difícil ser ouvido no meio do barulho.

— A gente conversa durante o jogo! — respondeu Gao Yang, já sumindo no meio da multidão.

Lin Xian e Gao Yang tinham uma amizade de longa data. Seus pais tinham trabalhado juntos, os dois cresceram no mesmo bairro e estudaram nas mesmas escolas, do jardim de infância até o fim do ensino médio. Lin Xian foi pra Universidade de Donghai, graças ao talento com desenhos e boas notas. Já Gao Yang estudou numa faculdade técnica no Norte e depois se mudou pra Cidade de Donghai, onde começou a vender carros.

Lin confiava profundamente em Gao Yang. Ele era a única pessoa com quem Lin Xian já tinha compartilhado o segredo dos seus sonhos recorrentes.

— Pronto! — Gao Yang voltou com as cervejas, colocou-as na mesa e abriu as garrafas. — Bebe aí, vai te acalmar. Agora me conta, o que tá rolando?

Eles brindaram e tomaram um gole longo. A cerveja gelada deu a Lin Xian um momento de ancoragem.

— É uma história longa... — começou a contar, colocando a garrafa de volta na mesa.

Contou tudo: desde o encontro com o Rosto de Gato Grande, a criação do Gato Rhine baseado no seu sonho, até o choque ao perceber que todos, dentro do sonho, tinham simplesmente se esquecido do Gato Coco e só reconheciam o Gato Rhine.

— Aham, aham — Gao Yang assentiu com o rosto tenso, mas pensativo, enquanto tomava a cerveja. — Então você desenhou um gato e ele apareceu no sonho.

— Você não entendeu nada! — exclamou Lin Xian, frustrado. — Fiquei explicando esse tempo todo e é isso que você entendeu?!

De repente, Gao Yang saltou da cadeira, gritando e batendo na mesa como um torcedor enlouquecido.

— Calma aí! — Lin Xian se afastou, apenas para ver o bar inteiro explodindo em comemoração.

— Ele marcou! O Messi é demais!!

— Boa, Argentina!!

— MEEEEEEEEEEESSIIIIIIII!!!

Lin Xian se virou a tempo de ver o replay do gol no telão do bar.

— Você não estava prestando atenção!

— Prestei sim, juro! — Gao Yang riu, sentando-se de novo. — Poxa, são vinte anos de amizade. Você já me contou sobre esses sonhos centenas de vezes. Sempre igual!

— Mas é isso que me intriga! — insistiu Lin Xian. — Por que ficou igual por vinte anos... e só mudou agora?

Gao Yang esvaziou a garrafa, bateu o copo na mesa e olhou sério para Lin Xian.

— Vou te dizer o motivo.