Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 117: Escolhas

— Ha-ha! — O menino ruivo, cheio de sardas, apontou ao longe em zombaria. — O pai de vocês nem aparece…! O meu sim! Hahaha! O meu pai é muito mais legal que o de vocês…!

— Isso é mentira…! — rebateu uma das duas garotas, com os olhos repletos de lágrimas pesadas. — O meu papai é legal! Ele é mais forte, maior e bem mais legal que o seu…!

Como as crianças que são, argumentos convincentes perdiam qualquer peso, em face das risadas a serem arrancadas da boba discussão.

— Ah, é mesmo? — zombou, enchendo as bochechas. — Ha! Então porque ele não aparece aqui e mostra que é tão legal assim?! Ah, eu sei…! É porque ele não gosta de vocês!

— Lucia, ele só fala besteira! Não precisa escutar ele. Lembra do que o pai disse! Gente assim é só mais um bando de idiotas!

Mas após o coração ferido, nada no mundo faria a mais nova ouvir a voz da razão.

— Me solta, Louise…! — A menor se debateu, livre da contenção de sua irmã mais velha. — Ele tá xingando o nosso papai! E eu não vou deixar…!

— Aha…! Olha só para ela! Que bebezinho! Ainda chama ele de “papai”...! — fez careta, mostrando a língua para a pequena menina. — Que foi? Ele ainda troca suas fraldas, é?

— Ora, seu…! Vai ver só, Alex…! — Livre da mais velha, Lucia correu a todo vapor rumo a ele.

— … Lucia, não…! — Em desespero, Louise tentou correr atrás.

A mais nova foi de mão aberta, desferindo um tapa no rosto de Alex.

— Seu chato! — exclamou, chorando. — Chato! Chato…! Chato…!

Não importava se ele fosse três anos mais velho ou só estivesse implicando com ela por ser menor — como sua irmã diria —; ninguém falaria mal de seu maravilhoso papai e sairia ileso do ato.

Nunca mais fala do meu papai de novo…! — acertou o último dos vários fracos tapas nas costas do menino, que tentava fugir.

Infelizmente, o misto da imaturidade e das fortes emoções bloquearam sua visão, impedindo-a de perceber a crescente impaciência no semblante do ruivo de 9 anos.

— Ei, eu não te bati…! — argumentou. — Mas se é assim que você quer…

Louise, hesitante e em passos um tanto lentos, deixou de chegar a tempo por muito pouco, deixada para presenciar aquilo que mais temia.

— Toma essa…! — Sem piedade, o menino bem maior a empurrou com o máximo de força, fazendo-a cair. — E sai de perto de mim, sua maluca! Eu não te bati, bebezona!

Devagar, ele tomou distância, enfurecido a ponto de ficar mais vermelho ainda, e emburrado, cruzou os braços, cheio de superioridade, antes de continuar a falar.

— E isso não muda que o meu pai é melhor! Pode chorar o quanto quiser; não vai mudar nada! Hehehe!

Lucia, sem querer se envolver com a confusão, resumiu-se a abraçar a chorosa irmãzinha, enquanto mandava uma encarada profunda aos olhos verdes do pequeno demônio.

Os dois tinham a mesma idade e, portanto, compartilhavam da mesma sala, e se algo era certeza, é que não havia quem gostasse do horrível modo de brincar daquele moleque mimado.

— Hehehe! — deu de costas, satisfeito. — Agora eu tenho que ir para casa! Meu pai deve estar esperando lá fora, no carro vermelho grande dele!

Alex segurou as tiras da mochila, saltitando pela grama cuja placa ao lado dizia, claramente, “Não pise na grama”, e enquanto normalmente usaria a desculpa de não saber ler, o fato de ser tão mimado talvez fizesse disso verdade.

Ele era, simplesmente, malvado até o osso e vindo de uma família tão influente, negar à autoridade se tornava tarefa fácil.

— Ei, pirralho! É! você aí, pisando na grama! Me responde uma coisa!

Ou, ao menos, até ela chegar em cena…

Os quatro olhos das garotas se iluminaram em esperança, mediante a chegada da figura que tanto amavam; a mulher mais bela do mundo, a melhor cozinheira, ou, para deixar mais simples…

— Mamãe! — afirmaram em uníssono.

O raio de sol, brilho da salvação máxima — “mamãe” —, assumiu a posição mais importante do jogo, e com a frieza oculta no mais perfeito sorriso, escrutinou a mera criança de cima.

— Uh… Tá falando comigo? Se for para falar de dinheiro, aí é com o meu pai.

Por mais maldoso e pirracento, Alex ainda se tratava de uma criança e como tal, cometeu o erro de inocentemente imaginar que poderia dispensá-la de tal maneira.

— Não. — O peso da mão pálida da mulher caiu firme sobre o ombro esquerdo do garotinho. — É com você mesmo que eu quero falar!

Ela direcionou um sorriso esmagador, chegando mais perto, fazendo-o temer pela própria vida em face dos longos fios loiros da intimidadora moça.

— Me solta…! — afrontou, assombrado. — … Eu vou chamar o meu pai…! E quando ele chegar… Ele vai ver e vai…!

— Me prender? — O interrompeu, sem desfazer o sorriso. — Garoto, sabe o que é cianeto?

— Uuh… Eu…! — Se esforçou para fugir, sem sucesso.

— É um veneno muito, mas muito perigoso, que faz as pessoas não conseguirem usar oxigênio e, com isso, elas morrem! Simples assim, duro no chão. Poof!

Como forma de exibição, esmagou uma folha seca, espalhando pedaços ao vento.

— E é o que vai acontecer com o seu pai na próxima reunião da empresa, se você não parar de ser tão insuportável — explicou, calma. — Talvez, na próxima taça daquele Château d'Yquem, guardado no escritório?

Soltou o garoto. Por alguns segundos, a admirou, semblante cheio de medo, e tão logo a primeira ventania surgiu, correu desesperado, derramando lágrimas pelo gramado.

“Foi mais fácil do que eu imaginei.”

A mulher bem-vestida espanou as mãos, se livrando da sujeira de tocar em algo tão podre, e balançando os longos cabelos lisos ao vento, se viu abordada por duas frentes opostas.

— … Mamãe…! — Ambas expressaram a satisfação de, enfim, estar com ela novamente.

— Desculpem a demora, vocês duas! — ajoelhou, as abraçando. — Tive uns contratempos no meio do caminho.

O trio compartilhou de longos dez segundos e cada irmã assumiu seu canto em um dos braços da figura protetora.

— Mãe, eu tirei um A+ na minha prova de história hoje…! Foi fácil demais, você devia ter visto!

— É mesmo? — fechou a porta do carro. — Isso é maravilhoso, Louise!

Escutando a irmã ser cumprimentada, a pequena Lucia não quis ficar para trás.

— E eu tirei um B na minha de Inglês…! Foi fácil também…!

— Um B não é um A+, Lucia! — brincou Louise. — Eu quem tirei a melhor nota!

— Não…! Para de ser chata, Louise! Para…!

— Ei, vocês duas, parem agora.

O som quase inexistente do ar-condicionado impediu o silêncio completo de se instalar.

— Não briguem por coisas assim; as duas passaram e aprenderam e é isso que importa. Contanto que seja assim, nenhuma é melhor que a outra, entenderam?

As irmãs no banco traseiro não disseram uma palavra.

— Se as duas aprenderam e se esforçaram, é o que me interessa e não quero saber de outras brigas, vocês duas me entenderam?

A ênfase esmagadora destroçou as paredes birrentas da idade como uma bola de demolição transforma um prédio em poeira.

— Sim, mamãe…

— Sim, mãe…

— Ótimo, agora coloquem os cintos, porque vocês duas vão ficar na casa da May por alguns dias.

Apresentadas à novidade, o protesto antecipado veio com intensidade visceral.

— A casa da May?! Ah, qual é, mãe…! A senhora prometeu que a gente ia na Volta do Tubarão hoje…!

— É…! Prometeu sim! Eu quero a Volta do Tubarão…! Hoje! Hoje!

— Hunf…

As duas mãos fincaram na borracha do volante em movimento e o súbito cansaço assumiu o comando de suas feições.

— Eu sei, eu prometi… — suspirou. — Mas surgiu coisa do trabalho e eu não posso negar. A May vai levar vocês mais tarde; os ingressos estão lá, na casa dela.

Sabia o quão importante seria aquele momento e detinha plena noção de estar perdendo experiências que jamais voltariam.

Um dia, parariam de perguntar por sua presença, de chamá-la para lugares e de divulgar suas vidas como os livros abertos que são agora.

Não foi a primeira e, certamente, não seria o último surgimento da tal pergunta no fundo da mente:

“Será que isso vale mesmo a pena?”

Dolorosamente, ignorou os protestos vindos de trás, escolhendo, novamente, fazer a escolha errada.

[...]

— Agradeço a agilidade em atender o chamado. Sei que hoje deveria ser parte da sua folga, mas o assunto que temos a tratar é de extrema importância.

“Se sabe tanto assim que hoje é minha folga, então por que insistiu em me chamar?!”

O desejo de afundar aquele monte de cabelos brancos e pele enrugada na pilha de papéis digitalizados se via a um passo de se tornar real.

— Antes de tudo, asseguro que as meninas vão ficar em segurança com a agente Polly. Não se incomode com isso.

Nem ela própria sabia como era capaz de manter o controle. Preservar o trabalho sequer lhe soava tão importante assim, contudo, como cada um dos vários espalhados por cada canto do globo, sabia das consequências de deixá-lo.

Ao escolher trabalhar para a Central Intelligence Agency, se demitir ficava fora de cogitação.

“Ah, que se dane…!”

Tal fato, porém, nunca a impediu de protestar abertamente.

— Se é tão importante assim, por que não mandou nenhum dos outros? Dennis, Wilker, Larson… Eles não estão todos disponíveis?

A elevação no tom fez o homem de considerável idade cessar sua busca. Na mesa, exposta entre a xícara de café e o laptop fechado, lia-se seu nome.

— Os três foram mandados para missões na semana passada, enviados a pontos estratégicos.

O Agente Grazianni, peça velha no grande jogo, ascendeu aos rankings com marcada facilidade e tendo o conhecimento de como o processo funciona, haveria de se esperar dele alguma empatia.

— Dennis está em Osaka agora, Wilker na Toscana e o Larson está tentando penetrar as muralhas incógnitas da Sibéria em busca de informações, ou seja, só sobra você, agente Perez.

“Hah…! É claro!”, satirizou.

Pensar de tal modo seria errado; mal entrou e Grazianni já passou a repetir os mesmos erros dos antecessores, ocultando informação importante e, no geral, fazendo um trabalho ineficiente.

— Precisamos de você e de suas habilidades para assumir um caso em específico o qual acho que se interessaria.

— Okay, e o motivo para isso é…? — Impaciente, cruzou os braços e passou a acertar o calcanhar dos sapatos no chão, repetidamente.

— Por favor, pare de fazer isso. Esse barulho irrita meu tinnitus.

“Problema seu, filho da mãe…!”, resmungou internamente, forçada a parar.

Para piorar as coisas, teve de assistí-lo procurar por mais vinte e poucos segundos por um papel já sobre a mesa, coisa que ela não descartou como possível provocação.

Ao final, Grazianni juntou o compilado em uma pasta de papel, tratando de organizar cada pedaço de informação da forma mais meticulosa, levando embora preciosos três minutos.

— Aqui está, agente Perez.

“Hunf…!”

Os dedos da loira tremeram, implorando para que o acertasse algumas dezenas de vezes no centro daquela calvície.

Ao receber a papelada, porém, um detalhe saltou acima dos aborrecimentos: ao contrário de qualquer outra missão, os registros totais eram inesperadamente leves.

— Não te mandei para essa missão por motivo nenhum. A questão é que a situação em Elderlog não acabou de um jeito tão inspirador.

A menção ao nome da tal cidade propagou um choque do dedo mínimo ao último fio de cabelo em Perez.

— Elderlog…? Não vai me dizer que…!

— Ah, não — interrompeu. — Nada aconteceu com ele, embora tenha chegado bem perto. O problema foi outro… A agente Bauer.

— … Entendo… — fincou as unhas no papel. — E isso significa que precisam do meu apoio lá, certo?

— Errado — respondeu, categoricamente. — Sua fração da missão é aqui, em Washington.

— E o que isso significa…? Vai me deixar fora do foco, de onde mais precisam?!

— Se olhasse a primeira página antes de tirar conclusões próprias, entenderia.

De outros arquivos, mais distantes da mesa, ele puxou uma página, exibindo-a sobre a madeira.

— Você se lembra do caso Aiken? Vou supor que sim.

Trazer algo de quase uma década de vida à luz da superfície de maneira alguma soou coerente.

— Lembra do esquema de tráfico de drogas com sede no Reino Unido? Da grande linha de vendas ocultas, exportando para quase todos os grandes países por meio de navios cargueiros?

Ela lembrava daquele caso como nenhum outro, em parte por ter sido uma falha.

— Desmantelamos o esquema, mas o restante daquela máfia fugiu para Deus-sabe-onde… — citou. — … Mas o que isso tem haver com alguma coisa relativa a Elderlog?

— Não com Elderlog em si — virou a página. — Mas sim, com isso.

“...!”, hesitou, dando um passo para trás com a revelação.

— Oho! Pela sua surpresa, vejo que a história aquece o peito…! — sorriu, pela primeira vez na reunião. — Essa é a sua missão, Perez. Depois de tanto tempo, se envolver com algo relativo àquele caso de novo, mesmo que pequeno… Ou ao menos, era na época!

A fotografia de quase dez anos no passado exibia uma garotinha, traumatizada diante da notícia da morte de sua mãe.

— Você vai dar um “oi” para pequena Lira Suzuki, e asseguro que vai sobrar bastante tempo para se atualizarem quanto às novidades.



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