Cavaleiros do Fim Brasileira

Autor(a): zXAtreusXz


Volume 1

Capítulo 1: Vale da Sombra da Morte

— Olha só o que temos aqui… tentando se esconder, humano?

Sua língua áspera deslizou devagar pelas presas amareladas. Um sorriso torto, carregado de malícia, se abriu enquanto as garras afastavam os escombros e revelavam o corpo frágil do sujeito soterrado pela sujeira.

O rapaz ao erguer os olhos, se deparou com uma aberração erguida sobre si.

As veias da monstruosidade pulsavam sob a pele rosada, esticada sobre o corpo inflado e disforme. No alto do pescoço, sua cabeça de porco pendia para frente, com presas visíveis nos cantos da boca. Do topo de seu crânio, espinhos ósseos irregulares brotavam em todas as direções, formando uma coroa grotesca.

Ao redor, o ar vibrava com calor sufocante, carregado pelo cheiro espesso de enxofre e madeira queimada. A cada respiração da fera, baforadas podres tornavam o ambiente ainda mais irrespirável, como se o próprio inferno respirasse ali.

— Não, por favor… — As palavras tremiam na garganta do homem enquanto estendia uma das mãos, implorando por piedade.

— O quê? Lágrimas? — A criatura inclinou ainda mais sua cabeça, a voz carregada de puro desprezo. — Humanos são tão... frágeis.

Um riso rouco escapou de sua garganta enquanto aproximava o focinho da face pálida do sobrevivente.

— Você… essa vila patética. — dizia olhando em volta. — Nenhum de vocês realmente importava. Não é nada pessoal, é só que… ordens são ordens, não é? — ergueu o pedaço de escombro com uma lentidão cruel. — “Sem testemunhas”, disseram.

— Desculpa, mãe…

Num estalo seco, o braço desceu com violência. O som do impacto abafou qualquer grito.

Se levantou devagar, os olhos semicerrados em puro deleite enquanto passava a língua grossa pelos lábios sujos de sangue, saboreando o gosto metálico que escorria por sua face.

Virou-se devagar e caminhou até onde duas outras bestas, semelhantes a ele, o aguardavam. 

Uma delas, de pele acinzentada, carregava uma kanabo.

Enquanto a outra, de pele azulada, mantinha uma garota jogada sobre o ombro como se fosse um saco vazio. 

Os cabelos loiros da refém agarravam-se ao rosto suado, que reluzia de puro terror.

— Viu só? — a criatura ensanguentada deslizava uma unha curva pela garganta da jovem, que estremeceu ao toque gelado. — Toda essa carnificina… foi por sua causa.

Ele se aproximou dela, sorrindo com escárnio.

— Me diga… o que tem de tão especial que chamou a atenção do alto escalão, hein, docinho?

Ela apertava seus olhos azuis com força, como se isso pudesse apagar o monstro à sua frente.

— Ei, coisa feia! — uma voz ecoou pelo caos da vila, cortando o barulho das chamas. — É melhor soltar essa mulher.

Entre a poeira e os destroços, surgiu uma silhueta. O sobretudo negro balançava com o vento, coberto de fuligem. Com o capuz projetado para frente, parte do rosto permanecia mergulhada na sombra, ocultando a expressão. Ainda assim, a postura era firme — o braço estendido apontava direto para a besta.

— Não vou repetir.

Ao erguer o rosto, revelou-se um jovem, cujos olhos azul-escuros brilhavam sob a sombra do capuz, fixos na fera que mantinha a moça refém.

A aberração que falava com a garota ergueu a cabeça e soltou uma risada rouca. Com um gesto lento e quase zombeteiro, apoiou a mão no ombro do colega.

— Meus irmãos não falam a sua língua humana!

— Então passa a mensagem pra ele, no idioma de vocês, torresmo ambulante. — rebateu o desconhecido.

A mandíbula do monstro se travou. Sua expressão que antes escorria crueldade se desfez num instante. Suas narinas inflaram, farejando o ar com desconfiança.

— Não reconheço seu cheiro... você não estava na vila quando chegamos.

— Ora, ora... então essa cara de porco-do-mato não era só estética afinal. Vocês realmente têm um bom faro. — ele estalou os dedos. — Você me pegou. Estou procurando por três porquinhos que fugiram do inferno.

— Agora só resta saber... vai ser do jeito fácil? — sua voz era tranquila.

Com um giro ágil, suas mãos alcançaram duas foices presas a cintura.. As lâminas brilharam sob a luz trêmula, que atravessava a fumaça quente e espessa ao redor.

— Ou do jeito difícil?

Nas costas de suas mãos, inscrições antigas começaram a cintilar.

Os lábios da abominação se curvaram com confiança. Sussurrando em uma língua antiga enquanto apontava o dedo em direção ao homem misterioso. 

A besta com a kanabo respondeu de imediato, avançando com uma gargalhada ansiosa, passando a língua pelo focinho.

— Vai ser do jeito difícil então, claro. — presumiu.

Inclinou levemente seu corpo, os músculos tensos como molas, prontos para disparar.

A criatura se aproximou, e o encarou. Ergueu a arma num arco brutal — e então desceu com toda a força, estilhaçando o chão.

Mas o golpe passou em falso, facilmente desviado.

A fera rosnou e desferiu ataques cegos, espalhando poeira com cada golpe. Quando a visão clareou, não havia sinal do jovem. Ofegante, ela sorriu, convencida de sua vitória.

— E aí? Acertou ele? — a voz surgiu, inesperada, bem em seu ombro.

O monstro girou a cabeça. Quem ele procurava estava ali, equilibrado, com um sorriso provocador.

A abominação avançou para agarrá-lo. O desconhecido desviou com um salto, girando no ar, cortando a mão do oponente com precisão. Um baque surdo ecoou assim que a mão caiu ao chão.

— Caramba… foi mal. Doeu? — coçou a cabeça ao voltar ao chão, como se realmente lamentasse.

O monstro rugiu de dor, agarrando sua arma com a outra mão, e avançou cego pela raiva.

O homem, ao notar a investida, permaneceu imóvel, recolhendo calmamente suas foices. Levantou o braço direito em direção ao ser, desafiando-o a continuar. 

No instante em que a besta se lançou para o ataque, ele esticou os dedos e os direcionou ao solo — como se invocasse algo — e desapareceu no mesmo momento, segundos antes do impacto violento partir o chão com um estrondo seco.

As monstruosidades se entreolharam, desnorteadas.

A fera rosada girava em círculos, inquieta, procurando-o. O olhar selvagem varria o ar ao redor enquanto os espinhos ósseos em sua testa vibravam com a fúria prestes a explodir.

— Como ele está fazendo isso...? — murmurou.

“Nada… sem cheiro. Ele ainda tá por perto. Mas onde?!” sua mente rugia, caótica. 

“Magia? Só pode ser magia! Maldição! Era só capturar a mulher e—” os pensamentos se interromperam bruscamente ao vê-lo surgir — como um vulto — agachado sobre o ombro de seu irmão, que ainda mantinha a garota.

Num piscar, o desconhecido a puxou e saltou, sumindo logo após repetir o mesmo sinal com a mão.

“Merda! Ele é rápido demais.”

— Apareça, moleque! — rugiu, procurando em meio a fumaça densa. — Não temos tempo para joguinhos!

Então com um riso cínico continuou:

— Vamos fazer o seguinte. Se você aparecer e devolver a garota, eu posso ser generoso… te dou o prazer de uma morte rápida enquanto ela assiste. O que acha? — sua risada áspera ecoou entre os escombros.

Um pouco mais distante de onde estavam, entre as árvores retorcidas, formava-se um breve silêncio — como se o caos tivesse ficado para trás por um instante.

As chamas ainda rugiam à distância.

Foi nesse abrigo de cinzas e poeira que o rapaz reapareceu, com a jovem nos braços. Ele a colocou no chão com cuidado, como quem deposita algo precioso demais para quebrar. 

— Desculpe, mas preciso que fique um pouco aqui, eu te deixaria mais longe, mas não é seguro — explicou, mantendo a atenção na floresta que cercava a vila.

— Prometo que volto rapidinho — as palavras travaram em sua boca ao voltar sua atenção para a moça, notando enfim seus traços. 

Paralisou, sua respiração sumiu. Observava cada traço dela com um misto de incredulidade e reverência, como se reconhecesse cada curva daquele rosto.

Com um gesto lento, puxou o capuz para ver melhor. A luz revelou então uma cicatriz profunda que cortava os dois lados do pescoço, antes escondida pelo tecido.

Ela, em resposta, recuou instintivamente, tomada pelo medo.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, um assobio cortou o ar. Ele a tomou nos braços novamente e saltou para o lado, desviando por pouco de uma enorme pedra que foi arremessada na direção dos dois.

A criatura com a coroa rosnou e, sem hesitar, desferiu um soco na mandíbula da fera azulada que havia jogado a pedra, fazendo-o cambalear para o lado, cuspindo sangue e dentes lascados.

Grunhiu algo em sua língua grotesca, como uma advertência áspera.

— Demônios… — rosnou entre dentes, voltando-se então para a garota, ainda trêmula, mas consciente.

Com cuidado, ele se ajoelhou, apoiando um joelho no chão. Abaixou-se um pouco mais, até que ficasse face a face com ela.

— Não saia daqui. — acrescentou em tom firme, mas gentil. — Eu volto em um instante.

Ele a deitou devagar sobre o solo, certificando-se de que ficasse abrigada por uma das raízes expostas da árvore.

Sem hesitar, se ergueu de uma vez. O sobretudo ondulou assim que pôs o capuz novamente, virando-se em direção ao grupo de monstruosidades adiante.

Ela apenas acompanhava seus movimentos, sem conseguir pronunciar uma única palavra. Segurava com força uma pequena bíblia contra o peito, como se aquilo fosse a única coisa capaz de mantê-la firme naquele momento.

“Quem é ele? Que lugar era aquele que me levou…” pensava, observando enquanto ele puxava calmamente um relógio de bolso, analisando com atenção cada ponteiro. 

— Me desculpe, garoto. Tem algum compromisso? — provocou o ser com desdém, seguindo em sua direção.

— Estou só vendo quanto tempo falta. — respondeu com a expressão séria, retomando seu foco enquanto guardava o relógio.

Com uma calma quase provocadora, retomou seu armamento em mãos girando os ombros para frente e depois para trás, como quem se prepara para uma boa briga.

Ao perceber a mudança na postura do caçador, a criatura interrompeu os passos e ficou imóvel, encarando-o com atenção.

A abominação decepada soltou um grito gutural, cambaleando para frente enquanto apertava o cabo do bastão com força.

Mas antes que pudesse avançar, seu irmão o agarrou pelo pescoço, puxando-o com brutalidade.

Ele o encarou com olhos selvagens e rosnou em sua língua, mas desta vez era perceptível o que dizia:

“Pense antes de agir, seu idiota.”

Ao notar a brecha, o homem levou a mão direita para trás e, num só impulso, lançou a foice com precisão contra a fera azulada mais ao fundo.

No entanto, a abominação saltou para o lado, escapando por pouco do ataque veloz. Atrás dela, a ferramenta estava cravada no tronco de uma árvore, ainda vibrando com o impacto.

Gargalhadas ásperas e debochadas ecoaram ao redor, cheias de escárnio.

Ele, no entanto, permaneceu em silêncio.

De forma discreta, começou a dar pequenos passos para a esquerda, arrastando junto às cinzas do chão, até se posicionar em um alinhamento específico entre si e a lâmina que havia arremessado.

Entre eles estava seu alvo, que ainda ria descontroladamente, sem notar o reposicionamento.

Ele apontou o cabo da foice em mãos em direção a outra cravada na árvore.

Uma corrente negra se formou no ar, ligando os cabos.

Crack.

Atravessou o coração da criatura, fazendo-a cair de joelhos com um rugido ensurdecedor. 

Num gesto desesperado, tentou agarrar a corrente, puxando-a com as mãos. Mas a corrente se contorceu como algo vivo, enroscando-se em sua pele, rasgando carne e músculos enquanto o imobilizava mais e mais.

Até que finalmente cedeu, seu corpo colidindo com o chão em um estrondo brutal.

— Um já foi. — murmurou.

— Seu desgraçado... — rosnou a besta rosada, com os dentes cerrados e as mãos trêmulas de fúria.

Num rompante, o monstro acinzentado passou pelo irmão com um urro brutal, erguendo o kanabo acima da cabeça, pronto para esmagá-lo.

O rapaz então puxou a corrente com força. — A lâmina cortou o ar como um trovão, partindo o monstro ao meio com um estalo.

— Não… O que você fez? Quem é você, seu maldito!? — gritou o demônio, tirando a coroa e deixando-a cair.

— Vocês demônios acham que podem brincar com os humanos como bem entender — respondeu, trazendo as foices de volta enquanto as correntes sumiam num brilho espectral — Sou só alguém botando vocês em seus devidos lugares.

— Você matou meus irmãos… — caiu de joelhos, esmagando a coroa sob o peso, rosnando como um predador à beira do ataque.

Seus traços se tornaram selvagens enquanto seu corpo se expandia, músculos inchando num frenesi irracional. Os dentes manchados de sangue se mostraram. Um grunhido animalesco escapou de sua garganta. Sem racionalidade, ela rugiu, entregue à ferocidade.

Seu oponente no entanto permaneceu imóvel, observando em silêncio.

Assim que o monstro avançou, ele saltou em resposta. A criatura tentou agarrá-lo no ar, mas foi lenta demais.

Na descida, cortou as costas da fera com um movimento preciso, rasgando carne e tendões. O grito de dor ecoou pela aldeia enquanto o monstro caía de joelhos com as mãos no chão.

Sem hesitar, ao aterrissar, deslizou por baixo de seu adversário. Agora dilacerando seu peito e barriga, espalhando seu sangue pela terra.

O gigante se levantou, tropeçando e cambaleando para trás, seus membros tremendo enquanto colocava sua mão sobre a ferida aberta. Mesmo assim, não caiu. Ofegante e exausto, lutava contra sua própria ruína, recusando a morte iminente.

O rapaz suspirou puxando o pequeno relógio novamente. Abriu-o calmamente, observando os ponteiros prestes a completar uma volta.

— Bem a tempo… — murmurou, fechando o relógio com um clique metálico.

Ergueu o queixo, firme, confrontando-o.

De longe, a moça observava, a mão cobrindo a boca e o choque estampado no rosto.

— Seu tempo chegou ao fim! — afirmou, já posicionando suas lâminas, pronto para o próximo ataque.

— Décimo passo para a morte: Escuridão absoluta.

Sua voz mal passou de um sussurro e, num instante, uma escuridão total engoliu a visão do oponente, que rugia, perdido, girando em desespero e farejando o ar como um animal encurralado.

“Não pode ser ele! Não tem chance de ser!” pensava o demônio.

Mas o caçador já não estava mais onde deveria, ele se esvaiu no breu.

Um instante depois, surgiu atrás do monstro em meio à escuridão, foices erguidas. 

E quando a claridade retornou… só restava a morte.

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